Foi Putin quem tomou a iniciativa
de telefonar ao homólogo americano
ANA FONSECA PEREIRA 29/03/2014
- 12:50
Os dois Presidentes concordaram que os seus chefes
da diplomacia devem reunir-se em breve para discutir “parâmetros comuns” para a
resolução do diferendo
Foi a primeira
conversa entre os dois Presidentes desde a anexação formal da Crimeia. Com as
atenções centradas na fronteira Leste da Ucrânia, onde a Rússia estará a
reforçar a sua presença militar, Vladimir Putin telefonou sexta-feira à noite a
Barack Obama para discutir uma solução diplomática para uma crise que
ressuscitou palavras e gestos da Guerra Fria.
Os relatos de
Washington e Moscovo sobre a conversa não são exactamente coincidentes, mas das
duas versões resulta a ideia de que, depois de semanas em que os acontecimentos
no terreno se sobrepuseram à política dos gabinetes, há agora uma tentativa de
dar novo protagonismo à
diplomacia, reparando alguns dos fossos cavados. Sinal disso, é o acordo
alcançado para um encontro, o mais breve possível, entre os chefes da
diplomacia dos dois países para discutir “parâmetros concretos de um trabalho
em comum”.
A Casa Branca
sublinha que foi Putin quem telefonou a Obama, que atendeu a chamada pouco
depois de sair de um encontro com o rei Abdullah da Arábia
Saudita, na última etapa de uma viagem internacional que ficou marcada pela
situação no Leste da Europa e onde multiplicou críticas à actuação de Moscovo.
Segundo a versão de
Washington, o Presidente russo quis discutir a proposta norte-americana para a resolução da
crise na Ucrânia, uma iniciativa apresentada antes da anexação da Crimeia
e que Moscovo ignorou até agora. Previa o regresso dos militares russos às
bases que mantêm na península desde o fim da União Soviética e o início de
conversações directas entre a Rússia e o Governo interino da Ucrânia, bem como
o envio de monitores internacionais para o Leste do país, a fim de garantir o
respeito pelos direitos da minoria russófona - a justificação usada por Moscovo
para anexar a Crimeia, formalizada depois de um referendo em que a opção foi
votada pela esmagadora maioria dos votantes, mas que não obteve
reconhecimento internacional.
Obama, adianta a
Presidência americana, garantiu a Putin que “continua a apoiar uma solução
diplomática”, mas “deixou claro que isso só será possível se a Rússia retirar
as suas tropas [da zona de fronteira] e não adoptar mais passos que violem a
integridade e a soberania da Ucrânia”. Obama convidou Putin a “colocar por
escrito” a sua resposta à iniciativa americana.
Já neste sábado, o
Kremlin veio dizer que o Presidente russo tomou a iniciativa de telefonar ao
homólogo norte-americano para, em conjunto,
“examinarem medidas que a comunidade internacional possa dar para ajudar a
estabilizar a situação”.
A desestabilização a
que o comunicado se refere nada tem a ver com um eventual confronto entre as
forças russas e ucranianas - perigo que Moscovo desvaloriza, insistindo que não
tem planos de invadir o país vizinho -, mas “às acções dos extremistas
[ucranianos] que, com toda a impunidade, cometem actos de intimidação contra
habitantes pacíficos, estruturas de poder e forças da ordem em várias regiões e
em Kiev”. Para a Rússia, as manifestações que levaram à fuga do Presidente eleito
da Ucrânia, o pró-russo Viktor Ianukovich, não passaram de um golpe de Estado,
acusando a oposição, agora no poder, de estar refém das forças de
extrema-direita que lideraram a contestação nas ruas.
Num sinal de um, para
já tímido, desanuviamento, o secretário de Estado norte-americano,
John Kerry, telefonou
neste sábado ao ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, para
concertar agendas, revelou o Kremlin. E em entrevista à televisão russa, Lavrov
afirmou que os pontos de vista “estão a aproximar-se”. “O meu último encontro
com Kerry, em Haia, e os meus contactos com a Alemanha, a França e outros
países mostram que se desenha a possibilidade de uma iniciativa comum que
poderá ser proposta à Ucrânia”, afirmou o chefe da diplomacia russa, dizendo
uma vez mais que Moscovo “não tem intenção nem interesse em atravessar a
fronteira da Ucrânia”. A questão da Crimeia, que levou os EUA e a União
Europeia a aprovar sanções contra dirigentes próximos de Putin, parece já fora
deste debate, sendo a sua anexação dada como um facto consumado por todos.
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