ALEXANDRE MARTINS 18/03/2014
- 12:51
Presidente russo discursa perante o parlamento e assina
acordo de integração com os actuais líderes da Crimeia
Perante uma ovação em
pé dos membros do Parlamento russo, algumas lágrimas, e com o hino
da Rússia como música de fundo, o Presidente Vladimir Putin assinou nesta
terça-feira o acordo para a integração da Crimeia na Federação Russa com os
líderes das autoridades pró-russas da península.
Num discurso repleto
de exaltações patrióticas e de acusações ao "auto-intitulado" governo
de Kiev, aos Estados Unidos e à União Europeia, Putin tratou de selar aquilo
que já se tornara inevitável nos últimos dias: a Crimeia voltou à Rússia.
Antes de iniciar o
seu discurso, Vladimir Putin dirigiu-se
aos membros das duas
câmaras do Parlamento russo (o Conselho da Federação e a Duma) e pediu
"uma salva de palmas" para a Crimeia.
Para enquadrar as
palavras que se seguiriam, o Presidente russo salientou a importância da
Crimeia para a Rússia, depois de ter sido recebido com uma ovação em pé.
"Este assunto tem uma importância vital, uma importância histórica para
todos nós", disse Putin, depois de ter afirmado que o referendo de domingo
decorreu "em total acordo com os procedimentos democráticos e
com as normas legais internacionais".
Seguiram-se anúncios
sobre o futuro da Crimeia e condenações ao governo provisáorio da Ucrânia, numa
declaração que torna cada vez mais a integração da Crimeia na Federação
Russa como um facto consumado, que não se vê nesta altura de que forma poderá
ser contrariado – na segunda-feira, Putin reconheceu a independência da
Crimeia, e já nesta terça-feira aprovou uma ordem executiva que dá
início à sua integração na Federação Russa e assinou o acordo com o
primeiro-ministro e com o presidente do Parlamento Crimeia, Sergei Aksionov e
Vladimir Konstantintinov (presente na cerimónia esteve também Alexei Chalii,
presidente da Câmara de Sevastopol).
Putin tratou também
de negar as acusações de que a Rússia poderá estar a preparar-se para invadir
outras regiões da Ucrânia. “Não acreditem nos que tentam assustar-vos com a
Rússia e que dizem que outras regiões vão seguir-se à Crimeia. Não queremos a fragmentação
da Ucrânia. Não precisamos disso”, afirmou
Três línguas oficiais na Crimeia
Apesar das acusações
ao governo interino da Ucrânia, o Presidente russo afirmou que as relações do
seu país com o “povo amigo” da Ucrânia terão sempre uma importância
crucial”.
Mais do que tentar
tranquilizar as minorias da Crimeia (principalmente ucranianos e tártaros), que
receiam pelo seu futuro no seio da Federação Russa, Vladimir Putin quis
conquistar o seu apoio, com o anúncio de uma decisão sobre um tema que já se
revelou ser crucial para o desenvolvimento da situação no terreno – a futura
Crimeia, integrada na Federação Russa, terá como línguas oficiais não só o
russo, mas também o ucraniano e o tártaro.
O anúncio de Putin
surge como uma resposta ao sentimento que foi criado em finais de Fevereiro,
quando o Parlamento da Ucrânia votou a favor da revogação da lei de 2012 que
permitia a cada região definir outras línguas oficiais para além do ucraniano, desde
que fossem faladas por mais de 10% da população.
Essa revogação (que
surgiu logo após a destituição do Presidente Viktor Ianukovich) foi vetada pelo
Presidente interino, Oleksandr Turchinov, mas o mal já estava feito. Na altura,
Turchinov disse que a lei ainda em vigor "não é equilibrada", mas
explicou que vetou a sua alteração por considerar que não protegia todas as
línguas.
Com esta questão
ainda em aberto, Vladimir Putin aproveitou para voltar a agitar o fantasma da
perseguição à população russófona da Ucrânia, afirmando nesta terça-feira que
"as auto-intituladas autoridades ucranianas aprovaram uma lei escandalosa
sobre as línguas, que violou os direitos das minorias".
Para se perceber a
importância da questão da língua, o primeiro-ministro interino da Ucrânia,
Arsenii Iatseniuk, viu-se obrigado a tentar tranquilizar os habitantes das regiões
ucranianas de maioria russa, no Sul e nas proximidades da fronteira
com a Rússia. "O
Presidente em exercício, Oleksandr Turchinov - que, já agora, nasceu em
Dnepropetrovsk [cidade de maioria russa] -, tomou a decisão de manter em vigor
a lei das línguas adoptada em 2012, com o meu total apoio enquanto
primeiro-ministro da Ucrânia. Esta lei ainda está em vigor", frisou
Iatseniuk numa comunicação ao país através da televisão, nesta terça-feira.
"Neonazis e anti-semitas"
Quase ao mesmo tempo,
em Moscovo, Vladimir Putin voltava a salientar a ligação
afectiva entre a Rússia e a Crimeia. "Nos corações e nas mentes do povo, a
Crimeia sempre foi e será sempre uma parte inseparável da Rússia. Este
compromisso, baseado na verdade e na justiça, é firme, e passou de geração em
geração", disse Putin perante os membros das duas câmaras do Parlamento
russo.
Depois, virou-se para
Kiev - reforçando o tom de inevitabilidade da integração da Crimeia na Rússia -
e disse que "as relações com a Ucrânia e com o povo irmão
ucraniano foram sempre, continuam a ser e serão sempre de uma importância
crucial, sem quaisquer exageros".
Mas a mensagem para o
governo provisório da Ucrânia caminhou no sentido oposto, como já se esperava.
Foram os actuais "auto-intitulados" governantes ucranianos que
abriram as portas aos "extremistas", disse o Presidente russo, que
descreveu as autoridades de Kiev como "nacionalistas, neonazis,
anti-russas e anti-semitas".
"Os que
estiveram por detrás dos recentes axontecimentos andaram a preparar mais um golpe
de Estado. Planearam tomar o poder de assalto, sem olhar a nada.
Houve perseguições, terror e assassinatos. São eles que estão a tomar decisões
sobre a vida dos ucranianos", acusou Vladimir Putin.
Em relação às sanções
anunciadas pelos Estados Unidos e pela União Europeia - cujo
impacto tem sido
desvalorizado em Moscovo o Presidente russo disse que iriam ter uma resposta, já que as entende
como um acto de agressão.
Durante o seu
discurso, Putin acusou os Estados Unidos e a União Europeia de terem dois pesos
e duas medidas, dando como exemplo a independência do Kosovo. "Não se pode
dizer uma coisa hoje e outra amanhã", acusou o Presidente russo, dizendo
ainda que os países ocidentais tiveram um comportamento
"irresponsável" na questão da Ucrânia.
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