Bruxelas avançou com um novo pacote
de sanções contra
Moscovo mas voltou a não atacar os
oligarcas próximos de
Putin
A imagem é do primeiro-ministro britânico,
David Cameron, e foi usada como uma espécie de despertador para acordar
os países da União Europeia mais renitentes em endurecer as sanções contra a
Rússia: “Quando damos um murro, podemos aleijar a mão. ”Os líderes das União
Europeia, reunidos em Bruxelas, deram início à preparação de sanções económicas
a aplicar à Rússia e incluíram mais 12 nomes na lista de pessoas que consideram
responsáveis pela crise na Crimeia.
A frase, proferida durante o jantar de trabalho dos
chefes de Estado e de Governo da EU,
na noite de quinta-feira, em Bruxelas, não se reflectiu nas decisões tomadas durante a
reunião, que se arrastou até às primeiras horas de sexta-feira, mas a mensagem
é clara: se a UE quiser realmente apertar a Rússia, tem de se preparar para
ficar também com algumas nódoas negras.
O resultado dessas
cautelas, motivadas pelos vários níveis de dependência do gás russo, por
exemplo, ficou plasmado no documento final sobre a resposta a dar a Moscovo na
sequência da integração do território da Crimeia na Federação Russa. Cinco
dias depois de terem publicado uma
lista com 21 nomes de responsáveis políticos russos e ucranianos, que a UE
considera terem sido decisivos para o desenvolvimento do conflito, os líderes
europeus decidiram na sexta-feira alargar o círculo de sanções individuais a mais
12 pessoas, elevando o total para 33.
Sem consenso para
discutirem a aplicação de sanções a alguns dos mais destacados empresários da
Rússia, os chefes de Estado e de Governo da UE voltaram a marcar políticos e
militares próximos do Presidente Vladimir Putin, com destaque para o vice-primeiro-ministro,
Dmitri Rogozin, cujo
nome já constava da lista que os Estados Unidos anunciaram no início da semana.
Tal como tinha feito
no dia em que recebeu a notícia de que estava proibido de viajar para os Estados Unidos, Rogozin foi para o Twitter comentar as sanções de que acabara de ser alvo
por parte da União Europeia. Se, na segunda-feira, o vice- primeiro-ministo
russo perguntou ao Presidente norte-americano, Barack Obama, o que iria ele fazer aos que
“não têm contas nem bens no estrangeiro”, nesta sexta-feira optou por um
comentário sem ironia, mas carregado de fervor patriótico: “Estas sanções não
valem um grão
de areia do território da
Crimeia que regressou à Rússia.”
Para além de Dmitri
Rogozm, o congelamento de bens e a proibição
de entrar em países da União Europeia foram também alargados aos líderes das
duas câmaras do Parlamento russo, Valentina Matvienko e Sergei Narichkin. De
fora ficou Sergei Ivanov, antigo ministro da Defesa e actual chefe do gabinete
presidencial de Vladimir Putin, que não teve a mesma sorte no momento em que os
Estados Unidos decidiram alargar a sua própria lista, na quinta-feira.
Mais importante do
que saber quem pode continuar a viajar para os Estados Unidos ou para os países
da União Europeia, foi a decisão dos líderes europeus de se comprometerem a
aprovar sanções económicas com “consequências abrangentes”, à semelhança do que
foi anunciado também pelo Presidente dos Estados Unidos.
“Deixámos claro que
um eventual falhanço em resolver a crise de forma pacífica, e quaisquer passos
da Rússia para desestabilizar a Ucrânia terão consequências de longo alcance.
E, quando dizemos isto, estamos a falar de consequências nas relações num vasto
leque de áreas económicas”, disse o presidente do Conselho Europeu, Herman Van
Rompuy.
Na conferência de
imprensa conjunta com o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, no
final da reunião do primeiro dia da cimeira de chefes de Estado e de Governo da
UE, Rompuy avançou que essas sanções poderão vir a passar pelo embargo da venda
de armas à Rússia.
Outra das medidas com
efeitos imediatos acordada pelos líderes europeus foi o cancelamento da cimeira
UE-Rússia (marcada para Junho, também na Rússia, em S. Petersburgo) e das reuniões
bilaterais entre os governos dos vários Estados-membros e o governo de Moscovo.
As divisões no seio
da EU quanto à dureza das sanções a aplicar à Rússia têm sido contrabalançadas
em público com o tom cada vez mais assertivo da Alemanha. A chanceler Angela
Merkel, que até há poucas semanas demonstrara alguma cautela sempre que se
pronunciava sobre a resposta a dar ao conflito na Crimeia, assumiu o volante da
UE nos avisos à Rússia, ainda que o sector empresarial
do seu país manifeste
todos os dias receios sobre a eventual aplicação de sanções económicas duras,
devido às fortes ligações comerciais entre os dois países.
Antes de partir para
Bruxelas, Merkel passou pelo Parlamento alemão, onde declarou que os líderes
europeus devem “assumir consequências para as relações políticas entre a UE e a
Rússia e para as relações entre o G7 e a Rússia”. Por isso, a existência de um
grupo dos países mais desenvolvidos do mundo que inclua a Rússia deixou de fazer
sentido, frisou Angela Merkel:
“O G8 já não existe, nem a cimeira, nem o seu formato”, disse a chanceler
alemã, referindo-se ao cancelamento da
reunião anual do grupo, que estava marcada para Junho, na cidade russa de
Sochi.
Também o
primeiro-ministro britânico, David Cameron, tem surgido como uma das vozes
defensoras do endurecimento das sanções à Rússia.
“Tem sido um trabalho
duro, mas temos feito progressos reais", afirmou Cameron, frisando que os
líderes europeus têm de deixar “uma mensagem clara, forte e consistente".
Tal como o Presidente
dos Estados Unidos, Barack Obama, admitiu na quinta-feira, quando
disse que uma eventual “fase três” das sanções a aplicar à Rússia “pode também
ser disruptiva para a economia global”, os Estados-membros da UE sabem
que o endurecimento da resposta poderá ter algumas consequências.
“A Rússia pode perder
imenso com isto. Eles são muito mais dependentes da economia europeia do que
nós da deles”, disse à BBC o analista Paul Ivan, do think
tank Euronean
Policv Centre, com sede em
Bruxelas. “Mas as economias estão interligadas, por isso, não há dúvidas de que
as economias também seriam afectadas”, salientou Paul Ivan. Elizabeth Stephens,
responsável do grupo Jardine Llovd Thompson, sublinhou que “as
instituições europeias iriam ser atingidas numa altura em que os bancos
europeus ainda estão frágeis”.
Mas pelo menos nos
discursos, vários líderes europeus parecem estar dispostos a pagar o
preço, a julgar pelas palavras do Presidente francês, François Hollande,
durante a reunião da noite de quinta para sexta-feira em Bruxelas: “Para que as
sanções sejam eficazes, têm de doer a quem elas se dirigem e a quem as impõe.”
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