OPINIÃO
VASCO PULIDO VALENTE (http://www.publico.pt/autor/vasco-pulido-valente) 21/03/2014 - 02:14
O que devia suceder, sucedeu: não o regresso à guerra
fria, o regresso à velha balança das potências do século XIX
Como império continental, o império russo sempre teve o
problema de estabelecer para si, e sob seu domínio, uma saída para o mar.
Pedro, o Grande, construiu Petersburgo, julgando que ficava mais perto da
Europa. Mas só parcialmente conseguiu o que queria; durante muitos meses por
ano o Báltico oriental gelava e não permitia qualquer espécie de navegação. O
verdadeiro ministro dos Negócios Estrangeiros do império, por exemplo, acabava
por ser o embaixador em Londres. Catarina, a Grande, resolveu parcialmente o
problema quando conquistou a Crimeia e construiu Sebastopol. Agora, sim,
adquirira um porto de águas quentes, que estava aberto o ano inteiro e, por
isso mesmo, se tornou a via principal da influência russa no Ocidente. Militar
e comercialmente, era insubstituível.
Não foi por acaso que a única invasão triunfante da
Rússia nos tempos modernos
(1853-1856), pela Inglaterra e a França de Napoleão III, se pôs como
objectivo principal conquistar a Crimeia. Toda a gente sabia que, sem
Sebastopol, a Rússia voltaria ao seu isolamento e pouco a pouco perderia o seu
peso na Europa. Como não foi por acaso que na I Guerra a Alemanha trouxe a
Turquia para o seu lado e na II Hitler aturou (com dificuldade) a sua
neutralidade e tomou Sebastopol logo que pôde (von Manstein). A ajuda dada veio
pelo Pacífico, com o prejuízo que implicava transportar o material para
a frente de combate, e pelo
mar Branco, transitável poucas semanas por ano e sujeito ao ataque dos submarinos
da Alemanha. Sem Sebastopol, o império enfraquecia.
Claro que com o advento do
comboio, e a seguir do avião de carga, as coisas mudaram. Sucede que tanto o comboio como o avião custavam
muito mais do que o navio de mercadorias. E, além disso, a Rússia continuava
impedida de construir no Ocidente uma marinha de guerra, capaz de agir a
qualquer momento (supondo que a Turquia a deixava passar para o Mediterrâneo).
Não admira que Sebastopol se
tornasse num emblema do nacionalismo russo e da sua “porta aberta” para a
Europa e para o Atlântico. A UE e a América não perceberam a tempo que o
renascimento do império, com Putin ou
sem ele, iria levar ao programa primário de recuperar a Crimeia. E encorajaram
a Ucrânia, a que a Crimeia pertencia por uma extravagância de Khrutchov, a
criar uma dependência, se não uma “aliança”, com a Europa. O que devia suceder,
sucedeu: não o regresso à guerra fria, o regresso à velha balança das potências
do século XIX.
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