Forças e fraquezas
A crise ucraniana permitiu a Moscovo voltar a
atuar como grande potência na Europa do Leste,
tentando a hegemonia do Mar Negro ao Báltico e cobiçando os recursos minerais
ucranianos (ver mapa). Mas se no que respeita a espingardas a Rússia é forte, a
sua economia é mais frágil do que parece. O advento do gás de xisto
desvalorizou o gás e o petróleo que são as suas grandes exportações
Rússia,
um gigante militar cuja economia tem pés de barro
Texto
JORGE NASCIMENTO RODRIGUES
Infografia
CARLOS ESTEVES
O movimento geoestratégico
de Moscovo anexando a Crimeia e mergulhando a fronteira, do Mar Negro ao
Báltico, na incerteza, parece sinal de renascimento de uma grande potência.
O sucesso de Putin
estas semanas varreu para debaixo do tapete a (má) situação estrutural desta
economia, a sexta do mundo. Ou seja, a Rússia tem soldados fortes mas cofres
fracos. Será por isso que está ao ataque na Crimeia? E se vencer, o sucesso
será duradouro?
Ora, paradoxalmente,
a crise da Crimeia veio acentuar uma tendência que se observava desde o início
do ano: a entrada da Rússia, um dos famosos BRIC, para o clube das economias
mais frágeis de 2014.
Esta fragilidade tem
sido apontada como causa do desastre verificado com o mercado bolsista e o
rublo, a que acresce uma fuga generalizada de capitais. As
atenções concentraram-se no afundamento do
rublo relativamente ao euro em mais de 26,6% desde o início do ano e ao
dólar em mais de 18%. Os analistas sublinharam,
também, o crash
monumental de 22% da
bolsa de Moscovo desde o início do ano.
O triângulo vermelho
financeiro fica completo com os fluxos de saída de capitais, segundo dados da
OCDE, de Fevereiro. Em 2012, as saídas tinham descido para pouco mais de 28
mil milhões de dólares, um mínimo desde o início da crise financeira global, e
eram inferiores às entradas, avaliadas em mais de 39 mil milhões. Mas em 2013,
as saídas totalizaram 63 mil milhões de dólares e as entradas foram inferiores.
As estimativas de
saídas de capitais para o primeiro trimestre de 2014 situam-se entre 35 mil
milhões de dólares (números oficiais) e 70 mil milhões (estimativas da Capital Economics). A
previsão da Goldman Sachs para todo o ano de 2014 aponta para 130 mil milhões de dólares, quase duas vezes a saída
ocorrida em 2008, no auge da crise financeira global.
No entanto, o Ministério
da Economia russo disse esta semana que não vai introduzir mecanismos de
controlo de capitais. As saídas de capitais têm, de facto, diversos
significados. Um destes prende-se com o facto de, entre Janeiro e Setembro de
2013, a Rússia ter sido o terceiro maior investidor no
mundo, depois dos EUA e do Japão, segundo dados já apurados.
Outra situação tem a
ver com os capitais russos “voarem” entre várias plataformas financeiras,
como Chipre, Ilhas Virgens Britânicas, Luxemburgo, Suíça e Seycheiles. A rede
mundial do capital financeiro russo poderá tornar-se
um dos elementos do atual surto de projeção externa de Moscovo.
Sinais claros de crise
Mas o panorama
negativo vai além destas três frentes. “A economia mostra sinais claros de
crise”, reconheceu, esta semana. Sergei Beiyakov, ministro-adjunto da Economia,
numa conferência em Moscovo.
Os sinais vermelhos
mais gritantes são dados pela evolução do crescimento da economia e das
exportações ao longo da crise global dos últimos seis anos (ver gráficos). A
previsão para 2013 aponta para um crescimento
económico de 1.5%. face a níveis de 4% em média nos três anos anteriores.
A projeção de crescimento para 2014 varia entre a estagnação (segundo a VTB Capital), 0.8% (Morgan Stanley). 1,5% a 1.8% (Banco Central da
Rússia) e 2% (meta oficial do Ministério de Economia).
O crescimento das
exportações terá caído de 6% em 2011 para 1.9% em 2013. As duas curvas mostram uma tendência estrutural
de declínio, apesar de altos e baixos e de uma recessão pontual em 2009. Um
dado estrutural evidente é a queda do peso das exportações no PIB — de 34 a 35% entre 2004 a 2006 para 29 30% entre 2007 e 2012.
Para uma economia em
que as receitas da venda de hidrocarbonetos representam 50% do orçamento nacional, o declínio estrutural do
excedente externo, medido em função do PIB,
é um pesadelo, ainda
que alguns analistas digam que poderá ser contrabalançado pela desvalorização
brutal do rublo. O excedente está hoje longe dos 18% de 2000 ou mesmo dos 9% de 2006. Em termos relativos, caiu de 5.1% em 2011, para
3.7% em 2012 e 1,6% em 2013.
Nas previsões do
Fundo Monetário Internacional, cairá para 0.2% em 2018 e a Citi Research aponta para défice externo já em
2016. A dependência das exportações energéticas é
brutal; 71.6% das exportações em 2012 concentraram-se no crude, gás
natural e outros combustíveis.
Por isso, a balança
externa russa é totalmente "sensível às flutuações dos preços destas commodities, à turbulência no seu transporte
(gasodutos e oleodutos por
terra ou submarinos) e às crises nos mercados de destino, sejam choques
económicos (por exemplo, o abrandamento atual
da economia chinesa,
o segundo mercado de exportação russo) ou políticos (a União Europeia é o
destino de 45% das exportações russas e a forma como Bruxelas reagir
politicamente, nomeadamente com sanções à Rússia, terá um impacto maior ou
menor).
Um dos resultados da
instabilidade da economia russa tem sido a variação das suas reservas
internacionais (ouro, títulos e divisas). Depois de um pico de 537.8 mil
milhões de dólares em 2012, as reservas caíram para 498,9 mil milhões no fim de Janeiro de 2014 e menos de
495 mil milhões no fim de Fevereiro. A 3 de Março, o Banco Central da Rússia
(BCR) teve de vender reservas equivalentes a 11.3 mil milhões de dólares, para inverter a
desvalorização da moeda que passara os 50 euros por rublo.
Vários círculos de impacto
Os analistas de
geoeconomia apontam para os possíveis impacto da anexação da Crimeia e da
eventual jogada da cartada étnica para Moscovo se posicionar nos espaços
contíguos, como o sul estratégico da Ucrânia entre Odessa e Khar-kiv (ver
mapa). Poderá seguir-se a frente até ao Báltico.
Em 2006 e 2009, a
Gazproir, o potentado do gás, pressionou a Ucrânia e em 2010 a Bielorrússia, e
em 2013 ameaçou a Moldávia, onde os russos poderão vir a anexar a Transnístria,
no mesmo “modelo” seguido na Crimeia.
Polónia e Lituânia
têm reservas de gás de xisto que ameaçam a estratégia energética russa. A
Ucrânia, dispondo, talvez, de reservas de gás de xisto que a colocam em
terceiro lugar na Europa, poderá começar a exportar esta energia não
convencional a partir de 2020.
A dependência europeia
do gás natural russo é a face mais visível de uma vulnerabilidade com
implicações geo-políticas. Há países da UE mais vulneráveis (ver gráfico),
pelo que Polónia, Hungria, Eslováquia e República Checa já pediram aos
EUA para iniciar exportações de gás para a Europa.
Uma das respostas de
alteração àquela dependência foi o aumento das importações europeias de gás a
partir da Noruega e do Qatar.
A aproximação da
Ucrânia à União Europeia colocará fora do perímetro estratégico russo o
principal nó de gasodutos do gás russo — nomeadamente o “Bratsrvo’ e o "Soyuz'
— por onde passam anualmente 3 biliões de pés cúbicos de gás natural para a
Alemanha, Áustria, Bósnia-Herzegovina, Bulgária, Croácia, Eslováquia, Grécia, Hungria.
Moldávia, Polónia, República Checa, Roménia e Turquia.
internacional@expresso.impresa.pt
QUATRO PERGUNTAS A
Constantin Gurdgiev
Economista russo,
professor no Trinity College, em Dublin, Irlanda
A economia russa é vulnerável aos preços internacionais
do crude e do gás?
P – A economia russa é vulnerável aos preços
internacionais do crude e do gás?
Totalmente. A Rússia
está exposta a qualquer flutuação nesses preços. Esse efeito é só parcialmente
mitigado pela “esterilização” das receitas das exportações pelas aplicações que
são feitas pelos Fundos Soberanos russos.
P - Há alguma correlação?
Desde 1999-2000 tem havido uma correlação positiva muita alta
e estável entre o crescimento do PIB nominal e as variações do preço
do petróleo, ajustadas pela volatilidade do mercado de câmbios. Essas
variações antecipam por três a seis meses as variações no PIB: Há um canal de
transmissão claro de choques nos preços globais para a economia russa.
P - O Banco Central da Rússia (BCR) pode
intervir para limitar esses efeitos?
As intervenções do
BCR podem compensar esses choques adversos de preços, mas estão limitadas
pelas pressões inflacionistas internas e pela política monetária que regista
movimentos contrários entre o preço do petróleo e as taxas diretoras de juros do banco
central desde 2011.
P - As reservas em divisas não são uma boa almofada financeira?
A maioria dessas
reservas — entre 490 a 500 mil milhões de dólares - está fora da Rússia, o que
as torna vulneráveis ao risco de paragens súbitas, se as sanções incluírem no congelamento ativos do Estado russo. Isto não é esperado para já, mas a ocorrer tornará o
rublo extremamente vulnerável a um ataque fortíssimo.
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