O primeiro-ministro interino disse que se o país fosse uma empresa já
estaria na bancarrota
ALEXANDRE MARTINS 27/03/2014 -
18:55
Fundo Monetário
Internacional chegou a acordo para transferir um máximo de 18 mil milhões
de dólares para Kiev, mas Governo interino tem de aplicar medidas
rejeitadas pelo Presidente Viktor Ianukovich, com o aumento do preço do gás.
Os cheques de que a Ucrânia
precisa como de pão para a boca começaram a ganhar forma nesta quinta-feira,
com a assinatura de um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI)
para um empréstimo que poderá ir até 18 mil milhões de dólares. A notícia
chegou rapidamente ao Congresso norte-americano, que autorizou a transferência de
outros mil milhões, esperando-se agora que a União Europeia e outros países
enviem para os cofres de Kiev mais oito mil milhões.
No meio de tantos milhões, a
preocupação agora será conter a previsível ira
da população,
obrigada a enfrentar cortes nos rendimentos e aumentos nas despesas poucas
semanas depois dos sangrentos confrontos que levaram ao afastamento do
Presidente Viktor Ianukovich.
O empréstimo vai abrir as portas
a apoios internacionais no valor total de 28 mil
milhões de dólares (ou pouco
mais de 20 mil milhões de
euros), que vão chegar à Ucrânia em várias tranches até 2016. Mas para ter
direito a ele, o Governo interino teve de convencer o Parlamento a aprovar um
violento pacote de medidas de austeridade, que o primeiro-ministro descreveu
como uma factura a pagar pelas "mentiras" e
pelos "desvios" da era Ianukovich.
Entre a espada das medidas de austeridade
e a parede da mais do que provável bancarrota, o primeiro-ministro interino
decidiu dar um passo em frente - ele que no mês passado se assumiu como líder
de um Governo kamikaze.
Nesta quinta-feira, perante os
deputados, Arseni Iatseniuk falou durante meia hora sobre o caos em que se
encontra a economia ucraniana e o que é preciso fazer para tentar sair dele.
Mas a tarefa não foi fácil, e a votação mostrou isso mesmo: as medidas de
austeridade foram chumbadas pela maioria do Parlamento numa votação preliminar.
Mas acabaram por ser aprovadas poucas horas depois.
Preço do gás sobe 50%
Uma das medidas com mais
impacto junto da população é o aumento de 50% no preço da venda do gás ao
consumidor, que é subsidiada em grande parte pelo Estado. É uma das exigências
do FMI, e o primeiro-ministro diz que também não vê alternativas. Durante o seu
discurso, Arseni Iatseniuk resumiu esse sentimento com uma referência aos
hábitos de vida dos cidadãos: "Uma garrafa de cerveja custava oito
hrivnias [50 cêntimos de euro] e depois do
aumento passa a custar 8,5.
Uma garrafa de vodka custava 32 hrivnias
[dois euros] e vai custar 35. Se alguém tiver ideias melhores, que as transmita
ao Governo. Vocês deviam beber menos e praticar mais exercício físico",
cita o Kyiv Post.
Seja como for, o FMI já disse que
não há volta a dar se a Ucrânia quiser receber o empréstimo que pode salvá-la da bancarrota.
"O acordo alcançado com as autoridades [ucranianas] depende da aprovação
do conselho executivo do FMI. Espera-se que o conselho executivo faça a
sua análise em Abril, após a adopção pelas autoridades de um pacote forte e
abrangente de acções com o objectivo de estabilizar a economia e criar
condições para um crescimento sustentado", lê-se
no comunicado
publicado no site da organização, na tradicional linguagem codificada que
se traduz, entre outras coisas, em aumentos de impostos e cortes de salários e
pensões.
O preço que a população vai pagar pelo gás vai aumentar 50%
Sem
cenários cor-de-rosa
O aumento do preço do gás junto
do consumidor é uma das medidas mais importantes e controversas - o valor dos
subsídios do Estado ocupa 8% do Produto Interno Bruto da Ucrânia; a Rússia prepara-se para aumentar o valor
da venda em cerca de 80% já a partir de Abril; e a Ucrânia ainda deve quase mil
milhões de euros à gigante russa Gazprom.
Não há qualquer cenário
cor-de-rosa como margem de manobra do actual Governo, afirmou o primeiro-ministro
no Parlamento. Se o dinheiro do FMI, dos Estados Unidos e da União Europeia não
entrar no país, a Ucrânia enfrentará uma perda de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014, e a
consequente bancarrota; se o Parlamento aceitar as duras medidas de austeridade
que permitirão a entrada de dinheiro fresco, o PIB
cairá apenas 3%.
“Se o país fosse uma entidade comercial, já
estaríamos na bancarrota”, declarou Arseni
Iatseniuk, de apenas 39 anos de idade, mas velho
defensor da integração da Ucrânia na União Europeia
Mas os custos de uma política de
austeridade violenta, somados ao resultado de uma das mais graves crises na
Europa nas últimas décadas, deixam antever períodos ainda mais conturbados na
Ucrânia, a dois meses das eleições presidenciais. O próprio primeiro-ministro
fez questão de antecipar esse cenário, numa
mensagem partilhada na rede social Twitter: "O Governo não permitirá a
bancarrota da Ucrânia. O pacote [de austeridade] apresentado ao Parlamento é
muito impopular, complexo, com reformas duras que deveriam ter sido feitas há
muito tempo."
Tão impopular que a exigência do
aumento do preço do gás aos consumidores - e restantes condições impostas pelo
FMI - foi uma das razões que levou o Presidente Viktor Ianukovich a virar as
costas à União Europeia e a assinar um acordo aduaneiro com a Rússia, em
Dezembro do ano passado. No dia da assinatura do acordo
com Moscovo, o deputado
Volodimir Oleinik, do Partido das Regiões (então no poder), disse que o FMI
estava a propor à Ucrânia "um empréstimo e uma revolução: tomem lá 15 mil
milhões de dólares, aumentem as tarifas [do gás e do aquecimento] e congelem as
pensões e os salários".
Para além do aumento do preço do
gás e de vários impostos, o pacote anunciado nesta quinta-feira por Iatseniuk
inclui também medidas de combate à corrupção e cortes nas despesas do Estado
que podem recolher o apoio da população, como a venda de 95% do seu parque
automóvel e de infra-estruturas públicas que eram usadas apenas por políticos. Para além
disso, o Governo interino quer que os antigos Presidentes e outras figuras de
topo da política ucraniana passem a pagar dos seus próprios bolsos as
contas do gás e da segurança pessoal.
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