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QUE FUTURO PARA A
RÚSSIA?
Lembrei-me de
Alcibíades quando vi e li o discurso de Vladimir Putin na terça-feira a
anunciar a anexação da Crimeia e da cidade de Sevastopol.
No verão de 415 a.C., o ambicioso político e general convenceu Atenas a
invadir a Sicília. A glória do império ateniense, a necessidade de adotar uma estratégia muito mais ofensiva contra
a aliança espartana e a ambição de
pôr fim à à arrogância de Esparta, foram os argumentos usados por Alcibíades. A assembleia ateniense votou entusiasticamente a favor do seu plano. Esta opção acabou por desequilibrar Atenas do
ponto de vista geoestratégico e levou a
cidade à derrota na Guerra do Peloponeso.
Putin usou argumentos muito parecidos esta semana. O que me chamou mais a
atenção não foram os seus argumentos nem a sua peculiar versão da história,
mas sim os aplausos, a emoção e as lágrimas da elite russa ao ouvir o seu
Presidente. Mas, como Putin tornou claro no seu discurso, a Crimeia é um
instrumento estratégico para anunciar uma estratégia muito mais ofensiva no
arco geográfico Cáucaso-Mar Negro-Kiev-Báltico.
Moscovo tem a seu favor a geografia e a vontade de usar os seus meios
militares. Mas tem também três problemas pela frente.
Integrar a Crimeia na Rússia promete ser uma aventura incerta e muito cara.
Referendos como aqueles que tiveram lugar na península ucraniana tendem a
dividir fortemente as várias comunidades. A anexação pela força militar não
resolve a vulnerabilidade geográfica da península. A Crimeia depende do resto
da Ucrânia em termos de abastecimento de água, eletricidade, comida, energia e turistas. Sustentar do ponto de vista financeiro e
económico o governo regional em Simferopol vai custar muito mais do que se
pensa. Não me admiraria nada se daqui a um ou dois anos a desilusão dos russos
na Crimeia em relação a Moscovo fosse substancial.
O Kremlin acha que tem o fôlego económico e financeiro para adotar uma nova estratégia nacional. Mas esta estratégia
parte do princípio de que Moscovo continuará integrada
no centro do sistema financeiro internacional. Nos últimos anos, os
grandes investidores de fundos mundiais compraram 325 mil milhões de dólares
em ações e títulos de dívida russa.
Grande parte deste dinheiro foi usado para financiar a Gazprom e os bancos
Sberbank e Rossiya. Estas empresas têm sido usadas pelo Kremlin para defender
os seus interesses estratégicos.
Será que esta situação se vai manter? Além disso, o mais provável é que o
risco político associado ao financiamento das empresas russas suba e que o
Kremlin tenha mais dificuldade em cumprir as promessas feitas na campanha
eleitoral de 2012. A base demográfica, económica e industrial da Rússia, pilares
essenciais numa estratégia de reafirmação nacional, não é forte.
Finalmente, temos o problema da confiança
e dos valores políticos. A emoção russa tem um preço — a desconfiança em
relação à palavra e às intenções do Kremlin. Os valores políticos de Moscovo
também não são atraentes para os seus vizinhos. O drama de Putin é que ninguém
quer fazer parte da sua União Euro-Asiática. A Crimeia esconde a fraqueza da
Rússia. Esta fraqueza explica a opção pelo isolamento.
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