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domingo, 23 de março de 2014

QUE FUTURO PARA A RÚSSIA?

miguelmonjardino@gmail.com
QUE FUTURO PARA A RÚSSIA?

Lembrei-me de Alcibíades quando vi e li o discurso de Vladimir Putin na terça-feira a anunciar a anexação da Crimeia e da cidade de Sevastopol.

No verão de 415 a.C., o ambicioso polí­tico e general convenceu Atenas a inva­dir a Sicília. A glória do império ateni­ense, a necessidade de adotar uma es­tratégia muito mais ofensiva contra a aliança espartana e a ambição de pôr fim à à arrogância de Esparta, foram os argumentos usados por Alcibíades. A assembleia ateniense votou entusiasti­camente a favor do seu plano. Esta opção acabou por desequilibrar Atenas do ponto de vista geoestratégico e le­vou a cidade à derrota na Guerra do Peloponeso.

Putin usou argumentos muito pareci­dos esta semana. O que me chamou mais a atenção não foram os seus argu­mentos nem a sua peculiar versão da história, mas sim os aplausos, a emo­ção e as lágrimas da elite russa ao ouvir o seu Presidente. Mas, como Putin tor­nou claro no seu discurso, a Crimeia é um instrumento estratégico para anun­ciar uma estratégia muito mais ofensi­va no arco geográfico Cáucaso-Mar Negro-Kiev-Báltico. Moscovo tem a seu fa­vor a geografia e a vontade de usar os seus meios militares. Mas tem também três problemas pela frente.

Integrar a Crimeia na Rússia promete ser uma aventura incerta e muito cara. Referendos como aqueles que tiveram lugar na península ucraniana tendem a dividir fortemente as várias comunida­des. A anexação pela força militar não resolve a vulnerabilidade geográfica da península. A Crimeia depende do resto da Ucrânia em termos de abastecimen­to de água, eletricidade, comida, ener­gia e turistas. Sustentar do ponto de vis­ta financeiro e económico o governo re­gional em Simferopol vai custar muito mais do que se pensa. Não me admira­ria nada se daqui a um ou dois anos a desilusão dos russos na Crimeia em re­lação a Moscovo fosse substancial.

O Kremlin acha que tem o fôlego eco­nómico e financeiro para adotar uma nova estratégia nacional. Mas esta es­tratégia parte do princípio de que Mos­covo continuará integrada no centro do sistema financeiro internacional. Nos últimos anos, os grandes investido­res de fundos mundiais compraram 325 mil milhões de dólares em ações e títu­los de dívida russa.

Grande parte deste dinheiro foi usado para financiar a Gazprom e os bancos Sberbank e Rossiya. Estas empresas têm sido usadas pelo Kremlin para de­fender os seus interesses estratégicos.

Será que esta situação se vai manter? Além disso, o mais provável é que o ris­co político associado ao financiamento das empresas russas suba e que o Kremlin tenha mais dificuldade em cumprir as promessas feitas na campa­nha eleitoral de 2012. A base demográ­fica, económica e industrial da Rússia, pilares essenciais numa estratégia de reafirmação nacional, não é forte.


Finalmente, temos o problema da con­fiança e dos valores políticos. A emoção russa tem um preço — a desconfiança em relação à palavra e às intenções do Kremlin. Os valores políticos de Mosco­vo também não são atraentes para os seus vizinhos. O drama de Putin é que ninguém quer fazer parte da sua União Euro-Asiática. A Crimeia esconde a fra­queza da Rússia. Esta fraqueza explica a opção pelo isolamento.

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