Cartaz de campanha para o referendo: uma Ucrânia fascista ou russa VIKTOR DRACHEV/AFPD
PAULO MOURA (em Simferopol) -
13/03/2014 – 20:10
A Ucrânia pode vir a ser “como a antiga Jugoslávia, onde
cada nação quis a sua independência”, diz um dos líderes do partido que assumiu
o poder na Crimeia.
O novo governo da
Crimeia tomou o poder com a ajuda da Rússia, para proteger os cidadãos russos
da península, e uma acção semelhante poderá vir a ser necessária nas outras
regiões da Ucrânia com percentagens significativas de russos entre a população,
disse ao PÚBLICO em Sinferopol Sergei Shuvainikov, deputado e conselheiro do
primeiro- ministro.
Em Kharkov, Donnetsk,
Dnipropetrovsk e Odessa tem havido manifestações de apoio à Rússia, e até
assaltos aos parlamentos regionais e outros edifícios públicos por milícias pró-russas, desde
que a Crimeia mudou de governo e iniciou o processo de integração na Federação Russa. Isso
acontece porque também se sentem ameaçados pelo novo poder de Kiev, explicou
Shuvainikov. E portanto deverá ser preciso ir lá ajudá-los.
“Espero que isso
aconteça”, disse o deputado. “Eles só estão à espera de verem o nosso exemplo,
para actuarem da mesma maneira. Nós estamos a aconselhá-los
a fazerem isso. E
vamos ajudá-los, com o apoio dos
nossos amigos russos”.
Sergei Shuvainikov é
líder e fundador do Congresso da Sociedade Russa, uma das duas organizações que
constituem, desde 2010, a Rússia Unida, a frente minoritária que tomou o poder
na Crimeia. Os outros líderes são Sergei Tsekov (hoje vice-presidente
do parlamento) e
Sergei Aksionov (hoje primeiro-ministro).
Os “três Sergeis”,
como lhes chama Shuvainikov, têm há muito o plano de anexar a Crimeia à Rússia,
mas não só. O seu conceito é mais abrangente e ambicioso e não descarta
hipóteses mais complexas e ousadas. “Regiões como Karkhov ou Donnetsk têm
direito a querer a independência, ou a decidir o seu destino. Não é uma coisa
inimaginável. Pode dar-se algo idêntico ao sucedido na antiga Jugoslávia, onde
cada nação quis a sua independência”.
Mas há outros modelos
possíveis, segundo Shuvainikov. “Na História já aconteceu outra possibilidade.
No império russo, a Crimeia já esteve unida a outras regiões a nordeste. Uma
tal entidade poderia ser viável”.
Shuvainikov considera
que a legitimidade dos russos das outras regiões da Ucrânia para se rebelarem é
a mesma de que gozam na Crimeia. “Agimos para proteger um milhão de russos em
perigo”, explica.
“Quando vimos que o
Governo legítimo de Viktor Ianukovich não conseguia defender a sua polícia, nem
o regime, decidimos actuar. Assumimos o poder, para fazer um referendo em que
os habitantes da Crimeia pudessem decidir o seu futuro. Marcámos para Maio, mas
o perigo obrigou-nos a antecipá-lo.”
O “perigo”, diz, foi
a rápida ascensão dos “fascistas” em Kiev. “Percebemos que os fascistas
poderiam avançar para invadir também o parlamento da Crimeia. Por isso
apressámos as coisas, e marcámos o referendo para 16 de Março”.
Sem receio da guerra
A hipótese de que as
acções dos “três Sergeis” venham a provocar um conflito armado não parece
assustar Shuvainikov. Tudo está a decorrer de acordo com o plano, e assim vai
continuar. “A seguir ao referendo, uma delegação nossa irá à Duma de Moscovo. A
Duma vai declarar oficialmente a Crimeia como uma república autónoma da Rússia.
Como o é a
Inguchétia, o Daguestão ou a Tchetchénia. Depois fará as leis para a Crimeia”.
Quanto aos militares
ucranianos que se encontram na Crimeia, na sua maioria cercados nas suas bases,
terão, a partir de segunda-feira, de entregar as armas. Depois, quatro
hipóteses: “Poderão servir no Exército russo ou na polícia russa, tornar-se civis ou partir para
a Ucrânia.” A possibilidade de alguns resistirem não é credível, diz o
deputado. “Já os tenho visto em bases aqui em Simferopol, ucranianos e russos
juntos, a beberem vodka. Portanto não haverá problemas”.
Interrogado sobre a
possibilidade de uma acção militar por parte da Ucrânia, Sergei sorri. “Não
conseguirão fazer isso, porque a fronteira está fechada e controlada”, explica.
E quem controla essa fronteira? “Três tipos de forças: as milícias de autodefesa,
o novo exército da Crimeia e os soldados russos”.
Afinal sempre vieram
soldados russos. “Não, já cá estavam. Há muitas bases. Os soldados russos
sempre cá estiveram, na Frota do Mar Negro. Não precisámos de ir buscar mais”.
Esses soldados, presentes na Crimeia, “são em maior número do que a totalidade
das Forças Armadas da Ucrânia. E têm armamento muito mais sofisticado. Por isso
é absurdo imaginar uma guerra contra a Ucrânia”.
Se houver
derramamento de sangue, possibilidade que é real, segundo o deputado, será por
causa das “provocações”. “Recebemos a informação, no parlamento, de que alguns
activistas ucranianos estão a disfarçar-se de soldados russos, para matarem
ucranianos, provocando reacções e conflito. Estamos a trabalhar para que isso
não aconteça, mas não podemos garantir êxito a 100%. O nosso objectivo é
proteger todos os cidadãos da Crimeia, seja de que sector ou etnia forem”.
Interrogado sobre o
rapto de Anatoli Kovalski, um prestigiado activista pelos direitos humanos e questões
ambientais, que já pertenceu ao governo da Crimeia e é contra a anexação,
Shuvainikov explicou: “O primeiro-ministro disse-nos que ele foi visto a rasgar
passaportes de cidadãos russos, para os impedir de votar. Mas não sei se ele
foi raptado.
Pode ser um rumor. De
qualquer forma não fui eu que o mandei raptar. Foram os serviços secretos
russos”
Também foram os
serviços secretos russos, disse Shuvainikov, que em 27 de Fevereiro tomaram de
assalto e içaram a bandeira russa no parlamento em Sinferopol, ainda que
ajudados por milícias de autodefesa. Esse grupo de homens armados e mascarados
cercou o parlamento e instalou-se lá enquanto os deputados demitiam
o governo e nomeavam outro, dirigido pelos líderes do Rússia Unida, partido que
obteve pouco mais de 3% dos votos nas últimas eleições.
23 anos à espera
“Esperava por este
momento há 23 anos”, diz Sergei Shuvainikov. “Desde o colapso da URSS que
estamos a trabalhar para integrar a Crimeia na Rússia. Sou activista dessa
causa desde que vim para cá. Criei jornais, organizações, fui perseguido, mas
nunca desisti. Agora surgiu uma oportunidade histórica. Se os fascistas não
tivessem tomado o poder em Kiev, não o teríamos conseguido tão cedo. É um
momento histórico para a Crimeia”.
Sergei Shuvainikov
nasceu na Rússia, na região siberiana do lago Baical. Estudou História e
Literatura em Moscovo, mas nunca foi comunista.
Criou organizações de
defesa de direitos humanos e das minorias. Por isso foi perseguido, chegou a
ser preso. Foi para fugir ao KGB que veio para a Crimeia.
Mas nos anos 80
escreveu um livro contra a Perestroika. Nunca se conformou com o fim da
União Soviética.
“Na História recente
da Crimeia houve três tragédias”, diz. “A primeira ocorreu em 1944, foi a
deportação dos tártaros por Estaline. A segunda, em 1954, foi a oferta da
Crimeia à Ucrânia, por Krutchov. A terceira, em 1991, foi o colapso da URSS,
por Gorbatchov”. Sob a liderança dos três Sergeis”, a justiça histórica começa
em 2014.
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