Powered By Blogger

sexta-feira, 14 de março de 2014

“Depois da Crimeia, vamos ajudar outras regiões a libertar-se de Kiev”


Cartaz de campanha para o referendo: uma Ucrânia fascista ou russa VIKTOR DRACHEV/AFPD
PAULO MOURA (em Simferopol)  -  13/03/2014 – 20:10


A Ucrânia pode vir a ser “como a antiga Jugoslávia, onde cada nação quis a sua independência”, diz um dos líderes do partido que assumiu o poder na Crimeia.

O novo governo da Crimeia tomou o poder com a ajuda da Rússia, para proteger os cidadãos russos da península, e uma acção semelhante poderá vir a ser necessária nas outras regiões da Ucrânia com percentagens significativas de russos entre a população, disse ao PÚBLICO em Sinferopol Sergei Shuvainikov, deputado e conselheiro do primeiro- ministro.

Em Kharkov, Donnetsk, Dnipropetrovsk e Odessa tem havido manifestações de apoio à Rússia, e até assaltos aos parlamentos regionais e outros edifícios públicos por milícias pró-russas, desde que a Crimeia mudou de governo e iniciou o processo de integração na Federação Russa. Isso acontece porque também se sentem ameaçados pelo novo poder de Kiev, explicou Shuvainikov. E portanto deverá ser preciso ir lá ajudá-los. “Espero que isso aconteça”, disse o deputado. “Eles só estão à espera de verem o nosso exemplo, para actuarem da mesma maneira. Nós estamos a aconselhá-los a fazerem isso. E vamos ajudá-los, com o apoio dos nossos amigos russos”.

Sergei Shuvainikov é líder e fundador do Congresso da Sociedade Russa, uma das duas organizações que constituem, desde 2010, a Rússia Unida, a frente minoritária que tomou o poder na Crimeia. Os outros líderes são Sergei Tsekov (hoje vice-presidente do parlamento) e Sergei Aksionov (hoje primeiro-ministro).

Os “três Sergeis”, como lhes chama Shuvainikov, têm há muito o plano de anexar a Crimeia à Rússia, mas não só. O seu conceito é mais abrangente e ambicioso e não descarta hipóteses mais complexas e ousadas. “Regiões como Karkhov ou Donnetsk têm direito a querer a independência, ou a decidir o seu destino. Não é uma coisa inimaginável. Pode dar-se algo idêntico ao sucedido na antiga Jugoslávia, onde cada nação quis a sua independência”.

Mas há outros modelos possíveis, segundo Shuvainikov. “Na História já aconteceu outra possibilidade. No império russo, a Crimeia já esteve unida a outras regiões a nordeste. Uma tal entidade poderia ser viável”.

Shuvainikov considera que a legitimidade dos russos das outras regiões da Ucrânia para se rebelarem é a mesma de que gozam na Crimeia. “Agimos para proteger um milhão de russos em perigo”, explica.
“Quando vimos que o Governo legítimo de Viktor Ianukovich não conseguia defender a sua polícia, nem o regime, decidimos actuar. Assumimos o poder, para fazer um referendo em que os habitantes da Crimeia pudessem decidir o seu futuro. Marcámos para Maio, mas o perigo obrigou-nos a antecipá-lo.”

O “perigo”, diz, foi a rápida ascensão dos “fascistas” em Kiev. “Percebemos que os fascistas poderiam avançar para invadir também o parlamento da Crimeia. Por isso apressámos as coisas, e marcámos o referendo para 16 de Março”.

Sem receio da guerra
A hipótese de que as acções dos “três Sergeis” venham a provocar um conflito armado não parece assustar Shuvainikov. Tudo está a decorrer de acordo com o plano, e assim vai continuar. “A seguir ao referendo, uma delegação nossa irá à Duma de Moscovo. A Duma vai declarar oficialmente a Crimeia como uma república autónoma da Rússia.
Como o é a Inguchétia, o Daguestão ou a Tchetchénia. Depois fará as leis para a Crimeia”.

Quanto aos militares ucranianos que se encontram na Crimeia, na sua maioria cercados nas suas bases, terão, a partir de segunda-feira, de entregar as armas. Depois, quatro hipóteses: “Poderão servir no Exército russo ou na polícia russa, tornar-se civis ou partir para a Ucrânia.” A possibilidade de alguns resistirem não é credível, diz o deputado. “Já os tenho visto em bases aqui em Simferopol, ucranianos e russos juntos, a beberem vodka. Portanto não haverá problemas”.

Interrogado sobre a possibilidade de uma acção militar por parte da Ucrânia, Sergei sorri. “Não conseguirão fazer isso, porque a fronteira está fechada e controlada”, explica. E quem controla essa fronteira? “Três tipos de forças: as milícias de auto­defesa, o novo exército da Crimeia e os soldados russos”.

Afinal sempre vieram soldados russos. “Não, já cá estavam. Há muitas bases. Os soldados russos sempre cá estiveram, na Frota do Mar Negro. Não precisámos de ir buscar mais”. Esses soldados, presentes na Crimeia, “são em maior número do que a totalidade das Forças Armadas da Ucrânia. E têm armamento muito mais sofisticado. Por isso é absurdo imaginar uma guerra contra a Ucrânia”.

Se houver derramamento de sangue, possibilidade que é real, segundo o deputado, será por causa das “provocações”. “Recebemos a informação, no parlamento, de que alguns activistas ucranianos estão a disfarçar-se de soldados russos, para matarem ucranianos, provocando reacções e conflito. Estamos a trabalhar para que isso não aconteça, mas não podemos garantir êxito a 100%. O nosso objectivo é proteger todos os cidadãos da Crimeia, seja de que sector ou etnia forem”.

Interrogado sobre o rapto de Anatoli Kovalski, um prestigiado activista pelos direitos humanos e questões ambientais, que já pertenceu ao governo da Crimeia e é contra a anexação, Shuvainikov explicou: “O primeiro-ministro disse-nos que ele foi visto a rasgar passaportes de cidadãos russos, para os impedir de votar. Mas não sei se ele foi raptado.
Pode ser um rumor. De qualquer forma não fui eu que o mandei raptar. Foram os serviços secretos russos”

Também foram os serviços secretos russos, disse Shuvainikov, que em 27 de Fevereiro tomaram de assalto e içaram a bandeira russa no parlamento em Sinferopol, ainda que ajudados por milícias de auto­defesa. Esse grupo de homens armados e mascarados cercou o parlamento e instalou-se lá enquanto os deputados demitiam o governo e nomeavam outro, dirigido pelos líderes do Rússia Unida, partido que obteve pouco mais de 3% dos votos nas últimas eleições.

23 anos à espera
“Esperava por este momento há 23 anos”, diz Sergei Shuvainikov. “Desde o colapso da URSS que estamos a trabalhar para integrar a Crimeia na Rússia. Sou activista dessa causa desde que vim para cá. Criei jornais, organizações, fui perseguido, mas nunca desisti. Agora surgiu uma oportunidade histórica. Se os fascistas não tivessem tomado o poder em Kiev, não o teríamos conseguido tão cedo. É um momento histórico para a Crimeia”.

Sergei Shuvainikov nasceu na Rússia, na região siberiana do lago Baical. Estudou História e Literatura em Moscovo, mas nunca foi comunista.
Criou organizações de defesa de direitos humanos e das minorias. Por isso foi perseguido, chegou a ser preso. Foi para fugir ao KGB que veio para a Crimeia.
Mas nos anos 80 escreveu um livro contra a Perestroika. Nunca se conformou com o fim da União Soviética.


“Na História recente da Crimeia houve três tragédias”, diz. “A primeira ocorreu em 1944, foi a deportação dos tártaros por Estaline. A segunda, em 1954, foi a oferta da Crimeia à Ucrânia, por Krutchov. A terceira, em 1991, foi o colapso da URSS, por Gorbatchov”. Sob a liderança dos três Sergeis”, a justiça histórica começa em 2014.

Sem comentários:

Enviar um comentário