OPINIÃO
MIGUEL GASPAR (http:// www.publico.pt/autor/miguel-gaspar) 13/03/2014 - 00:51
O Ocidente ainda não percebeu que
a realidade mudou. E para pior.
Na manhã da próxima segunda-feira, 17, quando o resultado
do referendo na Crimeia for conhecido, os ministros dos Negócios
Estrangeiros europeus vão reunir-se em Bruxelas e terão de decidir se
avançam ou não com sanções contra Moscovo. Antes do referendo -
que não inclui nenhuma pergunta na qual permite aos habitantes da Crimeia votar
a favor da ligação à Ucrânia aquela região do mar Negro já declarou a sua
independência, que Moscovo já reconheceu.
Na manhã de dia 17, as tropas e as unidades navais ucranianas
na Crimeia, que têm estado cercadas por tropas russas sem identificação, poderão
ser consideradas forças estrangeiras
pelos novos senhores de Simferopol, a capital da região separatista. O que irá acontecer
a esses militares, agora que Kiev já declarou que não responderá pela força à
anexação de uma parte do seu território? Irão render-se? Serão expulsos? Serão
presos?
Talvez esteja a aproximar-se o momento em que os líderes da
União Europeia não terão alternativa a reconhecerem o que está a acontecer no
Leste da Europa. No princípio da crise ucraniana, a chanceler Angela Merkel
disse ao Presidente Obama que o líder russo, Vladimir Putin, estava “fora
da realidade”. Na verdade, o que está a acontecer é que o Ocidente ainda não
reconheceu que a realidade mudou, e para pior. As tentativas para fazer
“desescalar” a crise ou para conduzir Moscovo ao diálogo com Kiev e mais
genericamente a ideia de que é preciso “acalmar” o Kremlin pertencem ao domínio
da doce realidade política em que os europeus gostam de viver.
O problema é que a
outra parte mudou as regras do jogo. Se a União Europeia e o Ocidente não o
reconhecerem, nunca conseguirão montar uma estratégia adequada para enfrentar
um conflito longo e desgastante, que no imediato estão a perder. Se o Ocidente não for
capaz de derrotar Moscovo, pode dizer adeus à sua credibilidade internacional e
à paz na Europa. E Putin terá feito em cacos a ordem internacional do pós-Guerra Fria. A diplomacia
e a cooperação global serão substituídas pela força e pelas esferas de
influência. O polícia global, os Estados Unidos, ficará confinado à sua
esquadra local.
Há muito mais do que
a Crimeia em jogo na Crimeia.
Mas o que quer então
Vladimir Putin? A ex-secretária de Estado norte-americana, Hillary
Clinton, está entre os que
comparam o pretexto da protecção dos russófonos para intervir militarmente ao
nazismo. Esse padrão comum não é suficiente para dizer que Putin é como Hitler.
Mas há outra comparação mais assustadora. Tal como na Alemanha nazi, a retórica
da Rússia de Putin assenta na ideia da recuperação da grandeza de uma potência
humilhada pela derrota - a União Soviética que perdeu a Guerra Fria. E não há
nada de reactivo na política de Putin. Ele desencadeou a confrontação com a
Ucrânia, impedindo-a de assinar o acordo
com a União Europeia para forçar a sua integração na União Euroasiática, que é
a pedra de toque da sua política externa. As fragilidades económicas e
demográficas da Rússia poderão inviabilizar o êxito desta política no longo
prazo, mas não vão impedir Putin de implementar esta estratégia.
Nada disto significa
que estejamos a caminho de uma nova guerra fria. Isto significa, em primeiro
lugar, que Vladimir Putin não tem medo nenhum do Ocidente. Ele compreendeu, por
experiência própria, que, por trás da retórica dos direitos humanos e da
condenação das políticas autoritárias de Moscovo, há uma passadeira vermelha
estendida para lavar o dinheiro sujo dos milionários russos. E tem razão. A
tibieza da resposta europeia ao que é uma anexação de facto da Crimeia e uma
violação sem pudor das fronteiras ucranianas prova que Putin tem razão. Sim,
ele pode fazer chantagem com o gás. Mas um estudo recente da Chatham House
mostrava que hoje a Europa tem muito melhores condições para resistir a um
boicote russo do que há cinco anos; e a Rússia precisa de vender o gás.
O que pode a Europa fazer? Em
primeiro lugar, deixar de pensar no curto prazo - os negócios - e passar a
pensar no médio e longo prazo - a política e as relações de poder, das quais
dependem, em última análise, os negócios. Em segundo lugar, em conjunto, com
Washington, montar uma estratégia consistente baseada em três pontos: apoiar a
transição ucraniana, reconhecer a integridade das fronteiras da Ucrânia e fazer
o necessário para obrigar a Rússia a fazer o mesmo. O que não é fácil, quando
há um facto consumado na Crimeia. Ou mesmo sabendo que o novo poder ucraniano é
frágil e permanece refém do poder dos oligarcas, que dominaram o país tanto no
consulado de Iulia Timochenko como no de Viktor Ianukovich. No entanto, a
resistência dos ucranianos à ameaça russa desencadeou a revolta da Maidan e
pode levar a um reforço do sentimento de unidade nacional ucraniano. E é o
direito dos ucranianos a serem uma pátria que deve estar à cabeça de todos
cálculos políticos nesta crise. Essa coisa de acalmar Vladimir Putin é que nos
devia deixar a todos muito nervosos. A mim
pelo menos deixa.
Jornalista
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