REPORTAGEM
PAULO MOURA (Simferopol) 16/03/2014
- 23:09
Com 95% de votos no “sim”, muitos milhares vieram para
a praça celebrar a Rússia. Na noite dos
Bairros tártaros, o silêncio. Famílias ucranianas
começavam a planear o êxodo.
As urnas fecharam às oito horas da noite, mas às sete e
cinco minutos o resultado foi anunciado oficialmente no
palco em frente à estátua
de Lenine, por uma deputada que acabara de cantar uma velha canção soviética:
“Ganhámos. A Crimeia é parte da Rússia.” O número exacto seria anunciado
depois:
95% de votos a favor
da integração da Crimeia na Rússia.
Aplausos. Gritos.
“Rússia! Rússia!” Um raio lazer projectado no edifício do
Ministério do Interior e no peito de pedra de Lenine: “Primavera da Crimeia.”
Mais canções. Já não
os hinos patrióticos das manifestações das últimas semanas, mas cantigas
populares, ligeiras, até infantis, dos tempos da União Soviética. As letras
falam de amor, de flores, ou são lengalengas para adormecer. A muitos fazem
lembrar a infância.
O dia do referendo da
Crimeia decorreu sem incidentes. As estações de voto abriram a horas, não houve
violência, nem queixas de maior. Aleksander, um homem de 68 anos, boné e
muletas, ex-combatente no Exército
Vermelho, reformado dos
caminhos-de-ferro e tocador de acordeão nos tempos livres, saiu da cabine de
voto a chorar. “O Governo de Kiev não é legítimo”, disse ele.
“Podiam ter deixado Ianukovich terminar o mandato, e depois votavam noutro presidente,
nas eleições. Agora o poder está na rua. Os fascistas do Sector Direito têm
armas e preparavam-se para atacar as bases militares, e depois mandar em nós...
Por isso tivemos de pedir ajuda à Rússia.” Aleksander vê toda esta informação
nos canais de televisão russos. Os ucranianos foram fechados, mas ele não se
importa. Nunca os via. “Não gosto das canções que eles passam. Ainda bem que os
fecharam. Tínhamos de estar sempre a ouvir aquela música...”
Às 11 horas da manhã,
na Escola número 7, já tinham votado um quarto dos eleitores registados. Havia
muita gente a chegar às mesas de voto, mas não faziam filas, empurravam-se até
conseguir impor a sua vez. Exibiam o documento de identificação, viam o nome
ser confirmado na lista. Numa cabine fechada, preenchiam o boletim, que
introduziam, aberto, sem o dobrar, numa urna transparente.
“As pessoas que estão
nas mesas de voto são activistas de organizações cívicas, aprovadas pela
comissão do referendo”, explicou o presidente da assembleia de voto. Logo pela
manhã, uma comissão da Duma de Moscovo veio verificar se tudo estava correcto.
Fez isto em todas as assembleias de voto.
Não há observadores. Mas o momento da contagem dos
votos será aberto aos jornalistas, prometeu o presidente. Regressámos pouco
antes das oito, mas era mentira. As portas estavam fechadas.
Na Escola número 16,
ao fim da manhã, registara-se apenas um problema, um eleitor cujo nome não
constava da lista. Mas provou que vivia na zona, votou. Natasha Kalashnikova,
27 anos, economista, grávida de um rapaz, acha normal que a generalidade dos
países do mundo não reconheça o referendo. “Não é do interesse dos EUA, da
Europa, etc., que a Rússia se
desenvolva.” Também não acha estranho que quem contesta a integração da Crimeia
na Rússia não tenha tido direito a fazer qualquer campanha. “São uma minoria.
Por isso nem quiseram fazer publicidade.” Natasha veio votar com o pai, Iuri
Nichomaievich, 65 anos, que diz, muito excitado: “Só espero que Putin não
esteja a fazer isto por razões geopolíticas, mas para defender o povo da
Crimeia.” Acrescenta: “Desculpe estar tão eufórico. Pareço agressivo, mas não
sou.”
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segunda-feira, 17 de março de 2014
“Ganhámos. A Crimeia é parte da Rússia”
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