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sábado, 29 de setembro de 2018

Combate à corrupção em Angola é facilmente confundido com motivações políticas - EXX Africa

Fonte: Lusa
setembro 28, 2018

Luanda - O diretor da consultora EXX Africa considera que o combate à corrupção em Angola é "facilmente confundido" com a tentativa de o Presidente João Lourenço assegurar a sua autoridade no país, que ainda não sente a recuperação económica.

"O combate à corrupção pode ser facilmente confundido com as motivações políticas do Presidente João Lourenço, que lidera um Governo que se focou mesmo em atacar a corrupção e potenciar a transparência, melhorando a reputação de Angola como destino favorável para investimentos, e nessa área teve um sucesso notável", disse à Lusa o diretor executivo da consultora EXX Africa.

Roberto Besseling acrescentou, no entanto, que estas iniciativas positivas para o desenvolvimento do país, nas quais inclui também a colocação em prisão preventiva de José Filomeno dos Santos, ex-responsável do Fundo Soberano e filho do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, pelo sinal que envia, deve ser visto com cautela.

"A motivação tem de ser questionada, porque não é só um novo Presidente da República a tentar afastar os corruptos ou aqueles que perceciona como más influências, isto é também um novo Presidente, sem base política, a consolidar a sua autoridade política não só no MPLA, mas também no Governo".

A economia, apontou, "ainda está em dificuldades, com preços altos e com a comida muito cara, e muitos angolanos não estão contentes com o impacto económico do Governo, mesmo sendo o combate à corrupção popular, porque sentem que não é claro que o Governo está mesmo a afastar-se das práticas que criticavam no Governo anterior de José Eduardo dos Santos".

O líder da EXX Africa, que enviou esta semana aos investidores um relatório de 10 páginas centrado no regresso de Manuel Vicente à elite dirigente de Angola, explica que mesmo com a popularidade elevada, João Lourenço teve de fazer alianças para garantir o poder.

"É por isso que fizemos o relatório, para mostrar que algumas das pessoas que eram cruciais para o poder de José Eduardo dos Santos, como Manuel Vicente, regressaram ao poder; João Lourenço teve de o manter na atual estrutura dirigente, teve de fazer alianças para consolidar a sua base política", referiu Robert Besseling.

Manuel Vicente "é um conselheiro especial de João Lourenço, não ocupa um cargo oficial no Governo, mas é uma pessoa que está na Presidência e tem uma influência direta no Presidente" enquanto conselheiro especial para o Petróleo e Gás, acrescentou o analista, notando que "algumas das nomeações mais recentes na Sonangol, no banco central e no Ministério das Finanças são pessoas que lhe são próximas ou protegidas".

No relatório enviado aos investidores esta semana, e a que a Lusa teve acesso, com o título "Influência Política e Redes de Influência na 'Nova Angola'", lê-se que "no centro da nova estrutura política de controle está o ex-vice-presidente Manuel Vicente, que retornou ao centro do poder político em Angola e que, por meio de sua família e aliados próximos, mantém uma influência extraordinária sobre a economia".

O regresso do antigo vice-Presidente de Angola "traz significativos riscos políticos, de reputação e transparência que podem prejudicar o manifesto popular do Governo em probidade e liberalização económica", lê-se no documento, que aponta uma "nebulosa rede de sobreposição de interesses comerciais, os quais mais uma vez ameaçam restringir o desenvolvimento da economia angolana e concentrar a riqueza substancial do país nas mãos de uma pequena elite política e empresarial".

"Não houve mudança de regime, o regime é o mesmo", diz Luiz Araújo

Fonte: JN
setembro 29, 2018
Lisboa - Dezenas de exonerações de líderes históricos do MPLA, a abertura de processos judiciais contra camaradas e herdeiros de José Eduardo dos Santos e o combate à corrupção como bandeira marcam o primeiro ano de João Lourenço à frente dos destinos de Angola. 
Para Luiz Araújo, ativista dos Direitos Humanos no país entre 1999 e 2011 e crítico da atual governação, a "máquina" foi reparada mas continua a operar do mesmo modo.

Luiz Araújo tem 64 anos, veio de Angola para Portugal em 2011, quando o clima de ameaça contra o seu "ativismo estruturante" começou a tomar proporções perigosas. 
Desde então que acompanha a vida no país com um pé cá e outro lá.

Pode falar-se em mudanças para um futuro próximo em Angola ou é cedo?
Hegemonia do MPLA é mal maior
É importante dizer que não houve uma mudança de regime, o regime é o mesmo. 
João Lourenço foi indicado por José Eduardo dos Santos. 
Acho que há interesse do próprio regime em que se estabeleça a confusão de que houve uma mudança. 
Não houve. 
João Lourenço diz que quer corrigir o que está mal, mas não há nenhum indício de vontade para corrigir o mal principal: a hegemonia do MPLA sobre o Estado. 
Todos os outros males, como a impunidade, a corrupção e o exercício de poder absoluto são efeito desse mal essencial.

Algum ponto positivo de destaque no primeiro ano da governação de João Lourenço?
Ainda não há. 
Para falar em pontos positivos, tenho de falar em efeitos na vida das pessoas. 
Em Angola, ainda há uma sociedade dual, pelo menos. 
Há uma sociedade muito rural, com a sua economia e a sua cultura. 
Vários grupos com várias etnias em todos os pontos do país. 
Existe uma parte mais urbana, que emigrou para as cidades e vive nas periferias nas piores condições ambientais, excluída do processo de desenvolvimento. 
E depois há uma elite ligada ao sistema moderno, ao Estado, aos sistemas financeiros, a um total desenvolvimento, que é um desenvolvimento separado. 
Mesmo que não declarado, é um apartheid. 
Como no tempo colonial, em que Angola produzia e a economia era saudável, mas era para os colonos, não era para o povo. 
Hoje, o que se passa é o endocolonialismo. 
A maior parte das pessoas tem uma posição de serventia no processo de desenvolvimento.

João Lourenço, que já era presidente da República, tornou-se recentemente líder do MPLA. A soma de poderes pode limitar a atuação independente das instituições?
É conforme o capricho e a orientação de João Lourenço que vão surgir mudanças. 
Não conforme as instituições. 
No combate à corrupção, por exemplo, ele não tem de fazer nada, só tem de permitir que as instituições competentes assumam a responsabilidade e ajam contra quem for que cometa crimes públicos. 
Ele só tem de deixar. 
Agora estamos à espera que o João Lourenço vá combater a corrupção?

A corrupção é aliás um estandarte de João Lourenço. É só propaganda?
É. 
É só revelador de que o regime não mudou. 
Um chefe é o chefe de tudo. 
E o que se vai fazer ou não é aquilo que esse chefe decidir fazer. 
Não é o que a norma legal estabelece.

E o afastamento do poder de líderes e pessoas próximas de José Eduardo dos Santos não é indicador de mudança?
Não me dá um indicador de mudança. 
Nos últimos anos da liderança de José Eduardo, a coisa estava mal e o MPLA começou a ver toda a gente a chegar ao limite. 
Houve uma degradação total da imagem moral do regime. 
E o que o João Lourenço está a fazer é corrigir o aparelho, aprimorar a máquina, colocando, nos lugares daqueles que exonerou, gente que vem do mesmo sistema, que nunca contestou esse aparelho, pelo menos publicamente.

A oposição continua a ter um papel inócuo?
A oposição e a sociedade civil têm uma postura de denuncia reativa. 
O governo faz isto e eles vêm gritar, mas não têm ação estruturante, cultura de resistência, articulação com os cidadãos para gerarem movimentos na sociedade. 
A oposição protesta, barafusta, mas depois toma posse. 
Diz que as eleições foram falseadas, mas depois estão lá, com as mordomias todas. 
Os partidos políticos são ornamentos da continuação do regime.

A economia angolana continua a assentar no petróleo. Quais são as alternativas?
Diversificação da economia. 
É preciso que o sistema económico e financeiro emerja do povo. 
Tem de haver "inputs" para a sociedade desenvolver, criar poder autárquico, regularizar o setor informar. 
Tem de se produzir alterações que levem as pessoas a crescer, tendo em conta a sua cultura e hábitos, porque as pessoas não podem corresponder imediatamente àquilo que é uma economia moderna. 
E deve haver instituições com essa competência, absolutamente despartidarizadas, sem estarem integradas nesse quadro da hegemonia do MPLA.

E está a fortalecer as relações internacionais para catapultar a economia...
Ele anda a fazer jogos. 
É legitimo. 
Com os recursos que tem na mão e a sua inteligência, está a jogar. 
Foi à China buscar muitos milhões. 
Mas ele sabe que esses parceiros estão a jogar pela realização dos seus interesses.

Agora com o caso Manuel Vicente entregue à justiça angolana e a visita de António Costa, as relações entre os dois países podem melhorar?

Sim, é possível que tenha sido criada alguma sinergia, principalmente no que diz respeito aos empresários portugueses. 
Portugal é essencial para Angola, por causa da relação histórica e da língua. 
E Angola é um mercado de exportações importante para Portugal. 
É bom que haja essa relação mas é bom também que António Costa saiba que está a ir para um país que é dual. 
Portugal, além de apoiar empresários, devia apoiar a sociedade civil, comerciantes e associações para irem trabalhar com as comunidades, com crianças, com grupos vulneráveis, para estimularem a formação escolar. 
O governo português devia apoiar tanto isso como os empresários, que dão lucros imediatos. 
Porque isso dá lucros a prazo.