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quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Mais de 300 prisioneiros trocados entre a Ucrânia e rebeldes

UCRÂNIA
João Ruela Ribeiro 28 de Dezembro de 2017, 13:00

A operação ocorreu poucos dias depois de os EUA terem anunciado o início do fornecimento de armamento letal para o Exército ucraniano.

A Ucrânia e as forças rebeldes que controlam parte do Leste do país levaram a cabo a maior troca de prisioneiros desde o início do conflito. 
Mais de 300 pessoas foram incluídas na troca que foi mediada pelos líderes ucraniano e russo e pelo chefe da Igreja Ortodoxa Russa.

Kiev enviou cerca de 230 pessoas para as áreas controladas pelos grupos separatistas, nas regiões de Donetsk e Lugansk, que em troca concordaram em libertar 75 detidos. Inicialmente foi anunciado um número superior de prisioneiros envolvidos na operação, mas alguns preferiram permanecer nas zonas onde já se encontravam, diz a BBC. 
A troca ocorreu no checkpoint de Maiorsk, perto da cidade de Gorlivka, na linha de contacto entre os dois territórios.

“Não é possível imaginar o que significa para uma mãe não ver o filho durante três anos e meio”, disse ao canal ucraniano 112 a mãe de Alexandr Oliinik, preso pelos rebeldes desde o Verão de 2014.

São esperadas novas trocas de prisioneiros durante o próximo ano, disse à agência russa TASS o enviado ucraniano nas conversações de paz, Viktor Medvechuk. 
Permanecem 103 pessoas detidas pelos grupos rebeldes, segundo o Governo ucraniano.

Há mais de um ano que esta troca de prisioneiros estava a ser negociada entre Kiev e os grupos separatistas, com a mediação directa do Presidente russo, Vladimir Putin, e do líder da Igreja Ortodoxa Russa, o patriarca Cirilo. 
O dirigente da Organização para a Segurança e Cooperação Europeia (OSCE), Martin Sajdik, que tem monitorizado o cumprimento do cessar-fogo, disse que a operação é “um passo importante” e tem “um valor simbólico numa época de celebrações”. 
O Natal ortodoxo é assinalado a 7 de Janeiro.

A troca de prisioneiros é um dos poucos pilares do Acordo de Minsk – assinado no início de 2015 e que visa assegurar um cessar-fogo que abra caminho à resolução do conflito – que tem conhecido algum sucesso. 
O regime de tréguas em vigor há vários meses é quebrado quase diariamente, embora desde Fevereiro os combates se mantenham a uma intensidade baixa.

Apesar do sinal de confiança entre os dois lados demonstrado pela troca de prisioneiros, é pouco provável que se esteja mais próximo de uma solução política para um conflito que já causou mais de dez mil mortos e desalojou milhões de pessoas.

Os EUA e a União Europeia acusam a Rússia de apoiar militarmente os grupos rebeldes e fazem depender o levantamento das sanções económicas e a normalização das relações com Moscovo do cumprimento do Acordo de Minsk.

Armas para Kiev

Na semana passada, o Departamento de Estado dos EUA deu luz-verde ao fornecimento de armamento letal à Ucrânia. 
A decisão foi duramente criticada por Moscovo, que a considera um obstáculo à paz.

Esta era uma ambição antiga de Kiev que, no entanto, encontrou sempre resistência por parte da anterior Administração norte-americana – mesmo perante os avanços territoriais por parte dos rebeldes até à assinatura do Acordo de Minsk. 
A chegada de Donald Trump à Casa Branca, pressionado para adoptar uma postura mais dura em relação a Moscovo em virtude das investigações à alegada interferência russa em seu favor nas eleições presidenciais, tornou possível cumprir os desejos das autoridades ucranianas.

O Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, disse que a decisão é uma “vacinação transatlântica contra o vírus da agressão russa”. 
Segundo a ABC News, os EUA vão vender 210 mísseis anti-tanques e 35 lança-rockets, num negócio no valor de 47 milhões de dólares (39 milhões de euros).

Apesar das garantias norte-americanas de que o armamento será “de natureza inteiramente defensiva”, a decisão irá “alimentar uma nova carnificina” e “atravessa-se no caminho do diálogo entre Kiev e Moscovo”, disse o ministro-adjunto dos Negócios Estrangeiros, Grigorii Karasin.

joao.ruela@publico.pt

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Hoje é o dia que vai revelar a dimensão da revolta palestiniana



MÉDIO ORIENTE
Maria João Guimarães
8 de Dezembro de 2017, 7:35

Violência nas ruas após declaração de Trump sobre Jerusalém. Líderes apelam à resistência. Em várias cidades houve protestos marcados por gás lacrimogéneo e balas, reais e de borracha.
Centenas de palestinianos protestaram, nesta quinta-feira, contra a declaração do Presidente norte-americano, Donald Trump, de que Jerusalém é a capital de Israel, sem qualquer palavra para a reivindicação palestiniana sobre a parte oriental da cidade como futura capital do seu Estado, para contrabalançar.

Houve violência: militares israelitas usaram balas, reais e de borracha, e gás lacrimogéneo, na repressão dos protestos, e confiscaram bandeiras palestinianas.


Do lado palestiniano, houve ainda apelos à acção: o líder do Hamas, Ismail Haniyeh, apelou mesmo a uma nova Intifada, uma revolta generalizada, face ao que considerou ser a “declaração de guerra” de Trump “contra os palestinianos.”


Registaram-se pelo menos 49 feridos, 11 deles por balas reais, nos confrontos entre os manifestantes e o exército em Israelita – desde a Faixa de Gaza, em Khan Younis, na fronteira com Israel, até a várias cidades da Cisjordânia, de Belém a Nablus, de Jenin a Jericó. 
Dezasseis dos feridos tiveram de receber tratamento hospitalar.

No entanto, os protestos pareciam estar a diminuir ao final do dia, segundo os repórteres da Al-Jazira e da CNN em Ramallah, onde está a sede da Autoridade Palestiniana.

Trump declarou que os Estados Unidos reconheciam Jerusalém como a capital de Israel; são o único país do mundo a fazê-lo. 
Anunciou ainda a mudança da embaixada de Telavive para a cidade santa, ao contrário de todas as embaixadas de países que têm representações em Israel, que se localizam em Telavive (em Jerusalém há apenas consulados).

Israel pretende que a sua capital seja toda a cidade de Jerusalém, incluindo a parte oriental, onde os palestinianos querem ter, um dia, a sua capital – e onde está a Cidade Velha, que concentra locais sagrados importantes para judeus, muçulmanos e cristãos. Pela sua complexidade, o estatuto de Jerusalém foi a questão que sempre ficou adiada para uma fase final de negociações entre israelitas e palestinianos, tal como o que aconteceria a milhares de refugiados palestinianos que saíram das suas casas após a criação do Estado de Israel e seus descendentes (são agora oficialmente cerca de sete milhões de pessoas). 

A decisão de Trump foi tomada após avisos internacionais e foi recebida por um coro generalizado de críticas, dentro e fora da região, da China à Rússia e da União Europeia à Austrália, passando pela Santa Sé.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que outros países estariam a planear seguir o passo dos Estados Unidos, mas não nomeou nenhum. 
A Casa Branca disse, mais tarde, que não tinha informação de outro Estado estar a planear a mesma acção. 
Israel terá, a pedido do Departamento de Estado dos EUA, contido o contentamento público com a decisão, para não exacerbar potenciais repercussões violentas para os Estados Unidos, como ataques a embaixadas norte-americanas.

Em Jerusalém, a decisão foi saudada pela autarquia da cidade com projecções de bandeiras de Israel e dos EUA lado a lado. 
Do lado oposto, a comissão que gere os lugares sagrados muçulmanos apagou as luzes do Pátio das Mesquitas, deixando a cidade sem a marcante cúpula dourada.

Luta diplomática

Apesar do pedido de acção do Hamas – ecoado também por outra facção islamista, a Jihad Islâmica – responsáveis do movimento marcaram encontro com dirigentes da Fatah, com quem chegaram recentemente a um acordo para um governo de unidade (a luta Hamas/Fatah e a divisão entre os territórios de cada um deixou nos últimos anos os palestinianos com governos sem eleições). 

E da Fatah, as vozes pareciam ir no sentido de um outro tipo de revolta. 
Mohammed Dahlan, figura importante no movimento, apelou no Twitter a uma nova fase na batalha contra Israel, desta vez “diplomática e legal” e não violenta.

O político Mustafa Bargouhti, que defende uma resistência palestiniana pacífica, vê agora uma hipótese para “uma revolta generalizada, mas não violenta, mais semelhante à primeira Intifada”, disse à Al-Jazira. 
“É disso que precisamos, que os israelitas vejam resistência palestiniana em todo o lado.”

Os palestinianos começaram um caminho diplomático com o pedido de reconhecimento nas Nações Unidas de um Estado palestiniano em 2011 (que obtiveram da Assembleia-Geral em 2012). 
E, um ano antes, foram admitidos na UNESCO, por exemplo.

No terreno, há protestos pacíficos em locais como o bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, contra demolições de casas e expulsões de palestinianos, que podem ter menor cobertura mediática, mas duram meses ou até anos. 
A nível global, o movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) contra Israel ganhou visibilidade nos últimos anos. 

A decisão da Fatah em relação ao tipo de reacção será fundamental, escrevia o analista Avi Issacharoff no Times of Israel: são as suas forças que há anos controlam a Cisjordânia e mantém extremistas controlados. 
Por outro lado, escrevia o Ha'aretz, se na repressão aos protestos houver várias mortes, será difícil que tudo não se descontrole mais.
Apesar da violência desta quinta-feira, os protestos não tiveram a escala que marcou, por exemplo, aqueles contra a instalação de câmaras de vigilância e detectores de metais à entrada do Pátio das Mesquitas, em Julho.

Mas muitas vezes o nível de intensidade dos protestos e da violência não se mede pela reacção inicial. 
Já quando Ariel Sharon visitou o Pátio das Mesquitas, a uma quinta-feira, os protestos que deram origem à segunda Intifada aconteceram no dia seguinte. 
Sexta-feira é o dia da oração mais importante da semana para os muçulmanos; o que acontecer esta sexta-feira pode dar uma indicação do potencial de violência.

maria.joao.guimaraes@publico.pt

"Dia de raiva" contra Trump e Israel faz um morto e dezenas de feridos

MÉDIO ORIENTE
PÚBLICO
8 de Dezembro de 2017, 14:14 actualizada às 16:46


Milhares de pessoas nas ruas contra a decisão de Trump sobre Jerusalém. 
Há protestos em Hebron, Nablus, Jenin, Tulkarem e Jericó, na Cisjordânia, na Faixa de Gaza e em Jerusalém Oriental.

Milhares de palestinianos saíram às ruas nesta sexta-feira em Jerusalém, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, em protesto contra a decisão do Presidente dos Estados Unidos de reconhecer Jesuralém como capital de Israel — uma mudança que inflamou a Palestina e todo o Médio Oriente.

Segundo a televisão Al Jazira, que cita as autoridades da Cisjordânia (onde há protestos em Hebron, Nablus, Jenin, Tulkarem e Jericó), mais de 200 palestinianos ficaram feridos nos confrontos desta sexta-feira e pelo menos 16 deles foram hospitalizados – o jornal israelita Haaretz fala em 60 feridos. 
Israel reforçou a presença de tropas nas ruas dos territórios.

O Ministério da Saúde palestiniano, citado pela Reuters, diz que uma das pessoas que foi atingida por soldados junto à fronteira da Faixa de Gaza morreu. 
Chamava-se Mahmud al Masri, tinha 30 anos e era da cidade de Khan Yunes, na Faixa de Gaza.

Logo após o meio-dia, o jornalista Hoda Abdel-Hamid, que está em Ramallah (a sede do governo da Autoridade Palestiniana), disse que os confrontos pareciam estar a dissipar-se, depois de "várias horas de confrontos entre jovens palestinianos e o Exército israelita". 
A meio da tarde a violência regressou.

Vários movimentos islâmicos palestinianos apelaram a que se cumpra um um "dia de raiva" contra a decisão de Donald Trump. 
O Hamas apelou ao início de uma Intifada (revolta) contra Israel. 

Jerusalém é a cidade santa para cristãos, judeus e muçulmanos. 
É um barril de pólvora e, por isso, qualquer pequena decisão sobre o seu estatuto pode provocar um grande conflito. 
Trump tomou uma decisão de profundas consequências, ao reconhecer que Jerusalém faz parte do território de Israel e é a sua capital.

Esta mudança no estatuto de Jerusalém ecoou em parte do mundo muçulmano. 
E há protestos na Indonésia, Malásia e Paquistão, países asiáticos de maioria muçulmana. Na capital afegã, Cabul, centenas de pessoas queimaram efígies do Presidente Trump e bandeiras dos Estados Unidos. 
A multidão gritou "morte à América", "morte a Trump" e "morte a Israel" — a segurança das embaixadas americanas foi reforçada nestes países e em outros na região do Médio Oriente.

Ao fazer o anúncio sobre Jerusalém, Trump disse que o seu vice-presidente, Mike Pence, iria visitar o Médio Oriente para conversações sobre um futuro plano de paz para a região. O grande imã Ahmed al-Taye, líder da mais alta instituição do islão sunita, a egípcia Al-Azhar, rejeitou esta sexta-feira o pedido para um encontro com o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, em protesto contra a mudança da embaixada dos EUA para Jerusalém. 

O imã rejeitou o pedido para um encontro marcado para o dia 20 de Dezembro com a explicação de que o Presidente norte-americano deve voltar atrás na sua decisão.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Trump escolheu Israel e o mundo virou-lhe as costas

 MÉDIO ORIENTE
Maria João Guimarães
6 de Dezembro de 2017, 22:01
Maria João Guimarães
Presidente norte-americano disse que Jerusalém é a capital de Israel e ordenou a mudança da embaixada de Telavive para a cidade santa, provocando um coro de condenação, da Europa à ONU, da Turquia à Arábia Saudita.


É altura de reconhecer oficialmente Jerusalém como capital de Israel”, disse Trump

O Presidente norte-americano, Donald Trump, prometeu e fez: anunciou que os Estados Unidos reconhecem Jerusalém como a capital do Estado de Israel e que o processo de mudança da embaixada de Telavive para a cidade vai começar a ser preparado de imediato. Um coro de indignação seguiu-se ao anúncio que tem consequências imprevisíveis. Protestos rebentaram de Istambul a Amã.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, falou de um momento de “grande tensão”, o Presidente francês, Emmanuel Macron, declarou que a acção do seu homólogo norte-americano foi “lamentável”. Egipto e Jordânia dizem que a declaração “não tem validade”. A Turquia foi mais longe: o discurso “é uma clara violação da lei internacional”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mevlut Cavusoglu.

Da Turquia começaram a aparecer imagens de protestos em frente ao consulado norte-americano em Istambul; seguiram-se protestos na Jordânia, que tem um grande número de refugiados palestinianos. As facções palestinianas anunciaram “três dias de raiva”, a começar no dia do anúncio, e houve protestos em várias cidades da Cisjordânia e na Faixa de Gaza.

Os próprios Estados Unidos recomendaram aos seus cidadãos para que não viajem até à região por motivos de segurança.

O rei Salman, da Arábia Saudita, disse que esta acção será “uma provocação flagrante para todos os muçulmanos, em todo o mundo”. A Organização para a Cooperação Islâmica, assim como a Liga Árabe, já anunciaram reuniões de emergência.

"Reconhecer a realidade"

Para explicar a sua decisão, o Presidente dos Estados Unidos discursou durante cerca de meia-hora. Disse que nos últimos 20 anos, todos os Presidentes americanos acabaram por não seguir com a medida, talvez por “falta de coragem”, talvez porque acharam ser a melhor decisão. Mas “depois de duas décadas [a não reconhecer Jerusalém como a capital de Israel e a não mudar a embaixada] não estamos mais perto de um acordo”, argumentou. “Por isso, não vale a pena repetirmos a acção e esperarmos outro resultado”.

A realidade mudou e o processo de paz também tem de mudar

Protestos contra a decisão de Donald Trump na Faixa de Gaza

“É altura de reconhecer oficialmente Jerusalém como capital de Israel”, declarou então, invocando o facto de ser na cidade que está a sede do Governo de Israel, do Parlamento, da maior parte dos ministérios, e do Supremo Tribunal. Apesar disso, há  muitos anos que não há nenhuma embaixada de nenhum país na cidade, apenas consulados, e nenhum país reconhece a pretensão israelita. Mas na prática, “é lá que os líderes que visitam o país se encontram com os responsáveis israelitas, como eu na minha visita de Maio”, continuou Trump.

Para Trump, é tudo mais simples: “Israel é um Estado soberano e tem direito a decidir onde é a sua capital”. No entanto, quem esperava que pudesse referir-se às pretensões palestinianas à parte oriental da cidade para sua capital ficou desiludido. O Presidente norte-americano ignorou essa reivindicação, dizendo apenas que esta sua declaração “não é mais nem menos do que o reconhecimento da realidade”, que a decisão não pretende ter qualquer influência sobre fronteiras, deixando assim aberta a possibilidade de a cidade ser dividida entre israelitas e palestinianos.

Os EUA apoiam a solução de dois Estados “se ambas as partes estiverem de acordo”, disse ainda o Presidente, acrescentando que os Estados Unidos continuam empenhados em ajudar a obter “um grande acordo para israelitas e um grande acordo para palestinianos”.

Quebra de consenso internacional

A embaixada norte-americana, que será a única em Jerusalém, vai começar agora a ser planeada: “Dei ordem ao Departamento de Estado para começar imediatamente a preparar a mudança da embaixada", com "arquitectos, engenheiros, projectistas” a trabalhar para que os EUA tenham uma “grande embaixada” que seja “um tributo à paz”. O Presidente assinou o documento que mantém a embaixada em Telavive, o que fará até que a nova embaixada esteja pronta, o que poderá acontecer dentro de três anos.

Trump disse também que o Médio Oriente tem pessoas “maravilhosas” mas tem estado refém de radicalismos. “É altura de quem quer a paz expulsar os extremistas”, declarou. “É altura para debate e não para violência.” Atrás de Trump, durante o anúncio, estava o vice-Presidente, Mike Pence, que irá “nos próximos dias” para a região para discutir com os parceiros dos EUA modos de "combater o radicalismo".

Protesto em Istambul contra o reconhecimento de Israel como capital de Israel por parte dos EUA

No seu discurso, Trump elogiou ainda Israel como “uma das democracias com mais sucesso do mundo”, onde é possível que cada um siga a sua religião, e onde em Jerusalém os judeus rezam no Muro Ocidental, cristão sigam a Via Sacra, e muçulmanos rezam na mesquita de Al-Aqsa. "E é assim que tem de continuar."

Fim do "negociador neutro"

Há quem veja uma vantagem no anúncio de Trump: a pretensão americana de ser um negociador neutro fica definitivamente afastada. Uma pretensão que já fora afectada por várias decisões, como a de George W. Bush ter prometido a Ariel Sharon que Israel poderia manter os grandes blocos de colonatos no seu território (colonatos ilegais, segundo a lei internacional, em território ocupado).

Numa mensagem gravada, o Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, disse que Jerusalém era a “eterna capital da Palestina” e que a acção de Trump significava que “os Estados Unidos estão a abdicar do seu papel de mediadores de paz”.

O jornalista do New York Times Nicolas Kristof considerava que “o reconhecimento de Trump é uma acção simbólica que não consegue nenhum resultado excepto tornar a paz menos provável, e a violência mais provável”.

A jornalista Allison K. Summer, do jornal Ha’aretz, acrescenta que com os seus apelos à não-violência, Trump assegura que “se a situação explodir, e houver algum tipo de reacção violenta, será fácil culpar os palestinianos ou árabes, e não assumir que houve qualquer erro de cálculo da sua parte.”

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, congratulou-se, numa mensagem vídeo, com a declaração, “um passo importante em direcção à paz” e o objectivo “desde o primeiro dia de Israel”.

Na altura da sua criação, o Estado hebraico tinha, no entanto, admitido abdicar de Jerusalém em 1947 – segundo o plano da ONU de então para a partição do território, a cidade ficaria entregue a um organismo internacional, o que foi então aceite pelos fundadores do Estado de Israel. Mas muito mudou desde que os árabes e os palestinianos recusaram então esse plano, incluindo duas guerras em que o estado hebraico conquistou Jerusalém Ocidental e depois Oriental e a anexou, uma acção nunca reconhecida internacionalmente - até agora, pelos EUA.

Mas mesmo em Israel o anúncio está longe de ser unanimemente bem recebido: um grupo de 25 antigos diplomatas israelitas, académicos e activistas escreveu uma carta manifestando “profunda preocupação” pela ideia de tomar uma decisão sobre Jerusalém fora “do contexto da resolução do conflito” israelo-palestiniano. 

“Os próximos dias vão mostrar se a causa palestiniana, central para o conflito no Médio Oriente desde 1948, vai reassumir essa posição depois de ter sido marginalizada por causa das divisões Arábia Saudita/Irão, sunitas/xiitas”, comentou no Twitter Toby Matthiesen, investigador da Universidade de Oxford.

Também no Twitter, o analista e presidente de um grupo de pressão pró-palestiniano nos EUA Youssef Munayyer resumiu assim, de modo irónico, o discurso de Trump: “Há uma fogueira a arder. Durante décadas, não temos lançado gasolina sobre essa fogueira e, no entanto, ela ainda arde. É altura de mudar e deitar gasolina na fogueira e esperar que tudo corra bem.”

maria.joao.guimaraes@publico.pt

A realidade mudou e o processo de paz também tem de mudar

ENTREVISTA
Maria João Guimarães
6 de Dezembro de 2017, 22:02

Maria João Guimarães
Ana Santos Pinto, professora da Universidade Nova, explica que a declaração dos EUA sobre Jerusalém é "uma questão simbólica para todos os muçulmanos".

"Não é uma questão só árabe, é significativa para persas, para otomanos", diz Ana Santos Pinto IPRI

O conflito israelo-palestiniano perdeu importâncias nas últimas duas décadas, ultrapassado por questões mais prementes, como o terrorismo da Al-Qaeda e do Daesh. 
Enquanto isto foi acontecendo, a realidade da ocupação foi-se consolidando. 
O reconhecimento de Trump de Jerusalém como a capital de Israel é o reconhecimento dessa situação, diz a investigadora Ana Santos Pinto,professora da Universidade Nova, e investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI).


Como descrever as consequências da decisão de Trump sobre Jerusalém? 
Que são totalmente imprevisíveis é o mínimo que se pode dizer...

Esta questão é complexa porque ultrapassa o conflito israelo-palestiniano. 
É uma questão simbólica para todos os muçulmanos. 
Qualquer muçulmano reconhece a importância da definição da soberania e do estatuto de uma cidade sagrada. 

Não é uma questão só árabe, é significativa para persas, para otomanos. 
E apesar de a mesquita de Al-Aqsa estar em território predominantemente sunita, ela é transversal a qualquer uma das linhas que dividem as várias correntes do Islão. 
É ainda uma questão em que entra uma lógica emocional, e que provoca reacções tendencialmente irracionais que ultrapassam os Estados – as pessoas podem sair para a rua a manifestar-se e isso pode fugir ao controlo dos actores políticos.

Por isso mesmo, a discussão do estatuto de Jerusalém tem sido deixada para o final de quaisquer negociações. 
Acha que aqui aparece como um começo de conversa?

O Presidente Trump apela aos Estados da região não só para conterem manifestações mas para trabalharem num projecto de paz. 
Como é que ele vai fazer? 
Honestamente, não sei responder. 
Trump diz que o vice-presidente vai para a região para trabalhar com um conjunto de países no combate ao radicalismo — o que une é o combate ao radicalismo e não o conflito israelo-palestiniano. 
Apesar de continuar a não conseguir explicar o porquê deste reconhecimento, acho que só pode ser entendido numa iniciativa mais lata da visão da Administração Trump em relação ao Médio Oriente e ao modo como os EUA se devem posicionar na região. 

Há também um lado de política interna?

A política norte-americana dos últimos 20 anos tem tido uma continuidade, mesmo depois da aprovação da lei do Congresso [de 1995, que determinou a mudança da embaixada, mas nunca aplicada]: não assumir posições oficiais em relação ao estatuto de Jerusalém e não fazer nenhuma acção que comprometa as negociações. 
O anúncio de Trump implica uma ruptura, independentemente de ser democrata ou republicano. 
Mas também é importante termos em atenção o perfil do Presidente e desta Administração. E este é marcado pela ideia de que promessas eleitorais são para, pelo menos ao nível retórico, serem agilizadas; e pela ideia que “eu faço, e faço como nunca ninguém fez antes”.

Agora o perfil é ser a própria Administração a definir os termos do processo negocial, e neste caso um dos termos é: Jerusalém será a capital de Israel, assumimos a liderança e enfrentamos as dificuldades como nunca foram enfrentadas.

E de facto o que tem sido tentado não tem resultado – continua-se a falar de um processo de paz, mas até que ponto existe?

O processo de paz não existe há vários anos, por ausência de vontade política pragmática de qualquer dos dois actores. 
Nenhum tem vontade ou capacidade para chegar a um acordo e depois implementá-lo. 
Por razões diferentes: o primeiro-ministro [Benjamin]  Netanyahu está num momento interno que não é o melhor, com investigações por corrupção. 
O presidente [da Autoridade Palestiniana Mahmoud] Abbas tem uma carência de legitimidade enorme. 

Portanto, se se reiniciar um processo de paz, terá uma dimensão externa muitíssimo significativa do ponto de vista regional ou internacional, ou então terá enorme dificuldade de chegar a uma base de negociação. 
Não sei que consequências teria, mas não é só a Administração americana que determina esta realidade. 
Há outros contextos igualmente importantes e que é impossível antever.

Por exemplo?

Por um lado, o processo de paz perdeu o impacto que tinha há 15 ou 20 anos – seja mediático seja político.

Também porque a violência diminuiu muito.

Não só por isso. 
Também porque outros temas – a Al-Qaeda e depois o autoproclamado Estado Islâmico [Daesh], a tensão sunita/xiita no Médio Oriente, o terrorismo, e as ambições regionais do Irão – assumiram uma preponderância muito maior e com consequências muito mais latas do que o conflito israelo-palestiniano.

E neste conflito, a realidade do dia-a-dia no terreno - sejam os colonatos [judaicos em território ocupado] ou o estatuto de Jerusalém - vai-se consolidando. 
A declaração de Trump é de algum modo o reconhecimento disto, de que a nova realidade no terreno determinará os pressupostos de um renovado processo de paz. 

maria.joão.guimarães@publico.pt

Trump enterrou a paz no Médio Oriente



EDITORIAL
Diogo Queiroz de Andrade
7 de Dezembro de 2017, 6:2
Diogo Queiroz de Andrade

O argumento da capital partilhada seria algo que poderia forçar a vivência conjunta, essencial para o reconhecimento mútuo entre dois vizinhos inimigos que se conhecem demasiado mal.

Donald Trump não quer a paz no Médio Oriente. 
O anúncio de que vai definitivamente mudar a embaixada dos EUA de Telavive para Jerusalém equivale ao reconhecimento da capital de Israel. 
Com este passo arruinou décadas de esforços diplomáticos americanos no Médio Oriente e assumiu o fervor por um dos lados em disputa, enterrando qualquer possibilidade de ser visto como credível pelo outro. 
Ao fazer a vontade aos israelitas, condenou a possibilidade de ser levado a sério pelos árabes, criando mais rancor e um novo vazio numas negociações que já estavam em coma.

Pior, ao anunciar unilateralmente esta mudança, inventa uma duplicidade na estrutura de poder israelita: os EUA serão os únicos a colocar a embaixada em Jerusalém e a reconhecê-la como capital do Estado, todos os outros países deverão manter a presença diplomática em Telavive — porque continuam a considerar a parte leste de Jerusalém como capital de um futuro estado palestiniano.

O argumento da capital partilhada seria algo que poderia forçar a vivência conjunta, essencial para o reconhecimento mútuo entre dois vizinhos inimigos que se conhecem demasiado mal. 
Os acordos de Oslo previam a possibilidade de futura partilha da capital, mas este movimento unilateral americano torna mais difícil esta possibilidade.

Com o gesto acabou por unir as oposições palestinianas tradicionalmente desavindas que concordam em pouco. 
Desta vez, o anúncio americano teve unânimes condenações da Fatah e do Hamas, bem como da generalidade das nações muçulmanas. 
Isto vai retirar os palestinianos da mesa negocial durante meses, talvez anos. 
Até porque ninguém, a não ser os americanos, tinham peso e credibilidade suficiente para forçar um entendimento entre as partes — a União Europeia não tem sido suficientemente coesa para o fazer e terá outras prioridades na mesa diplomática.

Para mais, fazer esta cedência ao Governo israelita de Netanyahu é passar um grande cheque de simpatia a um executivo que tem feito tudo para matar a paz — os israelitas passaram os últimos anos a expandir colonatos, a reduzir a liberdade dos palestinianos e a apostar em dividir o bloco árabe na questão da paz. 
Será também nisso que está a apostar Trump, ao forçar uma união entre Israel e a Arábia Saudita contra o Irão — prejudicando definitivamente a paz com a Palestina, que pelos vistos não interessa minimamente à Casa Branca.

dqandrade@publico.pt