OPINIÃO
JORGE ALMEIDA FERNANDES (http://publico.pt/autor/jorge-almeida-fernandes)
16/03/2014 - 01:20
O referendo na Crimeia pode levar a duas saídas. A primeira, a anexação
do território pela Rússia, parecerá evidente na continuidade das últimas
iniciativas de Vladimir Putin. No entanto, uma
segunda opçao nao deve ser afastada: Moscovo poderá protelar e acabar
por recusara anexação, não só pelos elevados custo
económicos e políticos, mas como
plataforma para recuperar a influência na Ucrânia. É "o grande jogo’’ que se trava na fronteira
entre a Rússia e a NATO.
Ganhar a Crimeia e perder Ucrânia seria uma vitoria de Pirro, a maior punição para a Rússia e para os
seus desígnios estratégicos. Ao contrário, recuperar a influência em Kiev — e o
Kremlin tem trunfos a jogar — garante-lhe o controlo estratégico da Crimeia.
Putin cometeu graves
erros de cálculo em Kiev que lhe valeram uma humilhação. Mas a sua capacidade
de manobra não deve ser subestimada.
Sem Ucrânia não existe a União Euro-asiática que ele tem em mira para
elevar a potência da Rússia. A aventura na Crimeia não apenas uniu os
ucranianos contra Moscovo como assustou o Cazaquistão,
o
outro país indispensável para a União. O Presidente Nursultan Nazarbaiev defendeu
a integridade territorial da Ucrânia e repudiou os argumentos de Putin: o
Cazaquistão tem 17 milhões de “russos étnicos" e não aceitará interferências
em seu nome. Putin suscitou também uma enérgica reacção dos vizinhos europeus,
da Polónia aos bálticos, o que significa potenciar a acção da NATO no Leste europeu.
A
invasão da Crimeia — alertou a analista russa Lilia Chevtsova — põe em causa
"a ordem mundial
pós-Guerra Fria; é "um precedente que autoriza o Kremlin a uma intervenção
directa nos assuntos de um Estado soberano"; implica uma
"doutrina que ameaça a estabilidade de todo o espaço pós-soviético";
abriria caminho a uma tentativa de controlo sobre o Sul e o Leste da Ucrânia; o
alvo seguinte poderia ser a Moldávia.
Tal
como não se deve dar como adquirida a anexação da Crimeia, é prudente não
excluir a hipótese, mesmo improvável, de Moscovo desestabilizar a Ucrânia
Oriental para criar um pretexto de intervenção com consequências catastróficas.
Há
um factor imponderável: Putin poderá ter ficado refém de si mesmo. A operação
na Crimeia desencadeou uma vaga de "fervor imperial" na Rússia,
reforçando a "paranóia do cerco", reportava ontem o Financial Times.
"Os
homens fazem a história, mas não sabem a história que fazem."
O
peso da geografia
Ignora-se o
que vai na cabeça de Vladimir Putin. Angela
Merkel disse que ele parece "descolado da realidade"
e "vive noutro mundo".
Esse
"outro mundo" é o da velha geopolítica, o da luta pelo espaço e pelo
poder. Para o Kremlin, este não é um conflito sobre legalidade internacional.
"O comportamento de Putin é motivado pelas mesmas considerações
geopolíticas que influenciam todas as grandes potências, incluindo os Estados
Unidos”, escreve o analista
americano John Mearsheimer.
O jornalista e investigador
americano Robert Kaplan publicou
em 2012 um livro útil: The Revenge of Geography (A vingança da geografia). É um ensaio
sobre geopolítica. Publicou agora um artigo sobre a Crimeia.
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