“Hoje é um grande dia, um dia
hiatórico”, disse o comandante do novo exército
REPORTAGEM
PAULO MOURA (Simferopol)
08/03/2014 - 15:32
Um grupo de cerca de
30 homens, com fardas novas, armas e um novo emblema bordado no braço, jurou
este sábado defender a “República Autónoma da Crimeia”
O primeiro-ministro
da auto-proclamada Crimeia russa, Sergei Aksionov, apresentou o Exército do
novo país, declarando que se trata, a partir de agora, da única força militar
legítima no território, com capacidade para garantir a estabilidade e a
segurança de todos os cidadãos.
A cerimónia decorreu,
com as possíveis pompa e circunstância , no parque Gagarin, em
Simferopol. Quem chegou primeiro foi a milícia pró-russa, uns vinte homens
armados de paus e escudos, que atravessaram a cidade gritando “Rússia!
Rússia!”, passando sem reacção por várias manifestações contra a anexação da
Crimeia pela Rússia.
Uma vez no parque,
dispuseram-se em filas, circunscrevendo o espaço onde a cerimónia iria
decorrer. Seria uma espécie de passagem de testemunho, das milícias populares e
espontâneas de auto-defesa para as forças armadas oficiais da república.
Com uma escolta de
rufias de calças sujas e casacos de cabedal gastos, entrou o primeiro-ministro.
“Crimeia é Rússia!”, gritaram todos. Alguém preparou os microfones e uma mesa
com vários documentos, coberta por uma toalha vermelha.
Por fim chegou o
Exército. Cerca de 30 homens com fardas de camuflado verde,
metralhadoras e um novo emblema bordado no braço, dizendo “República da
Crimeia”. Via-se que as fardas eram
novas em folha, impecavelmente limpas, embora se tenham esquecido de as passar
a ferro.
O comandante deu um
passo em frente e começou a empossar o novo corpo militar. “Esta é a primeira
cerimónia do Exército da Crimeia”, diz ele. Este é o novo uniforme”. Uma banda
de cinco músicos começou a tocar uma marcha. A seguir falou o novo chefe das
Forças Armadas. “Olá defensores da Crimeia!”, começou. “Parabéns! Hoje é um
grande dia, um dia histórico. Porque temos finalmente uma força de defesa da
Crimeia”. Fez continência, marchou de um lado para o outro, deu algumas ordens
militares, que mudaram de posição, com notória falta de treino. “Hoje é o dia
internacional da mulher”, disse ainda o comandante, polindo desde já o carisma
com um toque humanista e cultural. “E nós vamos defender as nossas mulheres e
as nossas famílias”.
Gritou uma ordem
com adequada virilidade
castrense, e os novos soldados, muitos com mais de 50 anos de idade, alguns de
barba por fazer, outros de grandes barrigas, deram voltas e meias-voltas,
bateram pala, marcharam de um lado para o outro, desalinhados, empurrando-se,
quase tropeçando nas botas.
A seguir o comandante
chamou pelo nome cada um dos soldados, que se aproximava, assinava um documento
e fazia o juramento, prometendo defender e proteger a “República Autónoma da
Crimeia”, numa indicação de que o novo país terá o mesmo nome, embora integrado
na Rússia. Quando todos tomaram posse, falou o primeiro-ministro.
“Tavaritch!”
(camaradas), iniciou ele o discurso. “Vocês são os heróis da Crimeia. Graças a
vocês, a Crimeia será uma terra segura e pacífica, livre dos provocadores. Há
três meses que andamos a preparar isto. Agora posso garantir a todos que a
Crimeia está segura e em paz”. Aplausos. A banda tocou o novo hino da Crimeia.
Interrogado sobre o
destino dos militares ucranianos ainda sitiados nas bases da Crimeia, Aksionov
disse ao PÚBLICO: “Os militares que estão nas bases têm agora duas opções: ou
se tornam soldados do Exército russo da Crimeia, ou podem ir embora. As portas
estarão abertas, podem sair e ir para a Ucrânia. Ninguém os vai impedir. Não
queremos agredir ninguém nem lutar”. E à pergunta “Os soldados russos irão sair
da península, agora que a Crimeia tem um novo Exército?, o primeiro-ministro respondeu:
“Os soldados russos sempre estiveram aqui, e vão continuar a estar”.
Dando mostras de
magnanimidade, numa atitude de estadista, Aksionov disse que todos os grupos
étnicos ou ideológicos têm lugar na nova Crimeia. “Todos os que queiram viver
na Crimeia e defendê-la serão recebidos de
braços abertos”. Explicou que todo o estado está organizado, embora os
organismos só tomem posse formalmente depois do referendo, para o qual “serão
convidados observadores, a imprensa, etc”.
Sobre o problema da
legitimidade do seu próprio governo, Aksionov não pestanejou: “Sou sensível a
todas as questões de legalidade. Mas quem fecha os olhos às ilegalidades
ocorridas em Kiev, não venha para aqui fazer críticas hipócritas. Nem as quero
ouvir”.
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