A chanceler alemã afirma que a
eventual anexação da Crimeia irá mudar as relações entre a Rússia e a União
Europeia
ALEXANDRE MARTINS 13/03/2014 – 20:32
Primeiro-ministro ucraniano participa em reunião do
Conselho de Segurança. John Kerry e Sergei Lavrov reúnem-se sexta-feira em
Londres
Agora que a
realização do referendo de domingo na Crimeia adquiriu os contornos de um dado
adquirido, de que já poucos duvidam com verdadeira convicção, as atenções da
União Europeia e dos Estados Unidos voltam-se para segunda-feira, sustentadas
em discursos cada vez mais duros e no reforço do cerco à economia russa, mas
também na abertura de uma última janela para evitar o que o Ocidente diz estar
em jogo: o possível regresso aos tempos da Guerra Fria.
Quem está a fazer uma
forte investida diplomática nos Estados Unidos é o primeiro-ministro do governo
provisório ucraniano, Arseni Iatseniuk, que esta quinta-feira participa numa
reunião aberta ao público do Conselho de
Segurança das Nações Unidas, em Nova
Iorque, depois na véspera se ter encontrado com o Presidente Barack Obama e
outros líderes políticos norte-americanos. "Acreditamos que ainda temos
uma oportunidade de resolver este conflito de maneira pacífica", afirmou
Iatseniuk.
Em termos
diplomáticos, há muito ainda posto em jogo na reunião marcada para sexta-feira,
em Londres, entre o secretário de Estado norte-americano,
John Kerrv, e o ministro dos Negócios
Estrangeiros russo, Sergei Lavrov.
Os dois conversaram nesta quinta-feira ao telefone
para preparar este
encontro, que poderá ser também uma última oportunidade para aproximar as
posições sobre a crise na Crimeia.
No entanto, o comunicado do
Departamento de
Estado norte-americano sobre a reunião deixa
perceber que será difícil registar-se algo parecido com um compromisso, mas
significa que Washington está a pôr no terreno todas as armas que admite usar
nesta fase: a abertura ao diálogo (partilhada com Moscovo), a ameaça de sanções
e o reforço de exercícios militares
nas proximidades da
Rússia, no quadro da NATO.
Em Londres, "o
secretário [de Estado, John Kerry] vai reafirmar o seu forte apoio à soberania,
à unidade e à integridade territorial da Ucrânia, e ao direito do povo
ucraniano de escolher o seu próprio futuro, sem a interferência externa ou as
provocações da Rússia”, lê-se no comunicado do
Departamento de Estado norte-americano.
Nesta quinta-feira, perante
o Congresso norte-americano, Kerry tentou uma abordagem mais conciliatória,
afirmando que irá propor "algumas escolhas" a Lavrov, "na
esperança de se encontrar uma forma de acalmar a situação e de respeitar a
integridade e a soberania do Estado da Ucrânia".
Kerry reconheceu que o que
se passa na Crimeia poderá ainda entravar a cooperação diplomática entre os EUA
e a Rússia sobre a guerra na Síria, nomeadamente ao nível da entrega para
destruição das armas químicas do regime de Bashar Al-Assad.
"Esperamos que não,
mas é evidente que isso é uma possibilidade", reconheceu na audição a que
compareceu numa comissão do Senado. "Sublinhei isso mesmo a Lavrov, e ele
está consciente dessa questão."
A esperança de Washington,
segundo o próprio John Kerry, é que o Parlamento russo não tome nenhuma medida
mesmo que o referendo se realize - e mesmo que a maioria vote a favor do
processo de integração da Crimeia na Federação Russa. "Podem fazer isso
[anexar a Crimeia], mas também podem organizar o referendo, aceitar o resultado
e não levar o assunto à Duma [câmara baixa do Parlamento russo] para fazer as
outras coisas", disse John Kerry.
O ministro dos Negócios
Estrangeiros do Reino Unido, William Hague, fez questão de sublinhar o
alinhamento de posições com os Estados Unidos, numa mensagem
publicada no Twitter. que foi partilhada na
mesma rede social por Kerry:
"Conversa telefónica proveitosa com o secretário John Kerry antes das conversações de amanhã
[sexta-feira] em Londres. EUA e Reino Unido estão a trabalhar em conjunto.”
Merkel aumenta pressão
Mas o aviso mais
contundente - e, por isso mesmo, mais surpreendente - partiu da chanceler
alemã, Angela Merkel, que até há pouco tempo era vista como a porta-voz dos
mais cautelosos em relação à resposta a dar a Moscovo.
Num discurso no
Parlamento alemão, Merkel tratou de afastar quaisquer dúvidas sobre o seu
posicionamento no conflito. Se Moscovo mantiver a sua actual estratégia -
avisou a chanceler alemã -, "isso não irá apenas alterar a relação da
União Europeia com a Rússia", mas irá também "causar enormes
prejuízos à Rússia, em termos económicos e políticos".
Apesar de salientar
que a eventual aplicação de sanções económicas duras à Rússia é algo que
"ninguém deseja", Angela Merkel garantiu que a União Europeia e os
Estados Unidos estão "prontos e determinados" a aprová-las, "se se revelarem
inevitáveis". Para sublinhar a posição de força e o alinhamento com
Washington, a chanceler alemã usou as mesmas palavras do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, para
descrever as acções de Vladimir Putin em relação à Ucrânia e à região da
Crimeia, ao referir-se a "um conflito
sobre áreas de influência e reivindicações territoriais dos séculos XIX e XX,
mas que se acreditava ser uma coisa do passado".
Angela Merkel, que
cresceu na antiga Alemanha Oriental, fala russo fluentemente e governa um país
com fortes relações económicas com a Rússia, era o maior trunfo da União
Europeia para levar Vladimir Putin a sentar-se à mesa de negociações com o
governo interino da Ucrânia, mas esse cenário é cada vez mais remoto.
Num sinal de que a
União Europeia e os Estados Unidos já estão mais à espera de segunda-feira
(após a realização do referendo na Crimeia, no domingo), do que de uma
reviravolta na situação entretanto, a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico (OCDE) suspendeu nesta quinta-feira o processo de
adesão da Rússia e aprovou um reforço das relações com a Ucrânia.
Numa rara decisão com
contornos políticos, os Estados-membros da OCDE acabaram por apertar o cerco
económico à Rússia, que espera há sete anos para entrar numa organização
definida pelo seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Alexei Uliukaev, como
"uma boa referência para os investidores". Numa entevista à rádio Voz
da Rússia, no mês passado, Uliukaev frisou que "ser-se membro da OCDE é um
bom sinal para os investidores e torna mais fáceis as decisões sobre investimentos".
Tanto a União
Europeia como os Estados Unidos voltaram nesta quinta-feira a afirmar que estão
prontos para aprovar sanções concretas contra cidadãos russos que considerem
ser responsáveis pelos desenvolvimentos da situação na Ucrânia e na região da
Crimeia. O ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Frank-Walter Steinmeier, afirmou
que "a Rússia rejeitou todos os esforços para acalmar a tensão" e
anunciou que os países da UE vão fazer neste fim-de-semana
uma lista com os
nomes de cidadãos russos cujos bens serão congelados, apesar de o secretário de
Estado norte- americano ter marcado no
calendário a próxima segunda-feira como o dia de todas as decisões: "Se
não houver nenhum sinal de nenhuma hipótese de andarmos para a frente e de
resolver esta questão, daremos uma série de passos na Europa e aqui em relação
às opções que estão ao nosso dispor", disse o responsável perante o
Congresso norte-americano.
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