ALEXANDRE MARTINS 28/03/2014
- 13:38 (actualizado às 18:22)
Presidente norte-americano insta Vladimir Putin a retirar
tropas da fronteira com a Ucrânia
Com a questão da
Crimeia aparentemente arrumada na prateleira dos factos consumados, as atenções
dos Estados Unidos e da União Europeia voltam-se
para o sudeste da
Ucrânia, em particular para os planos que a Rússia tem sobre o que está para lá
da sua fronteira.
Moscovo diz que não
tem planos nenhuns que envolvam a força militar e Washington está dividida entre
a certeza da intimidação e as suspeitas de uma invasão. No meio de tantas
dúvidas, a NATO volta a assumir o protagonismo perdido nos últimos anos,
procurando agora reforçar a sua presença no Leste da Europa.
Nesta sexta-feira, numa
entrevista à estacão de televisão CBS, gravada em Roma, o Presidente dos Estados Unidos, Baraek
Obama, condenou mais uma vez
as movimentações de tropas ao longo da fronteira entre a Rússia e a Ucrânia,
que estão em curso "sob a aparência de exercícios militares".
"Pode
simplesmente ser um esforço para intimidar a Ucrânia, ou eles podem ter outros
planos", disse o Presidente norte-americano, na linha do que já tinha sido
dito pelo vice-conselheiro nacional de Segurança dos Estados Unidos, Tony Blinken, numa entrevista à
CNN, no domingo
passado. Nesse mesmo dia, o
supremo comandante da NATO na Europa, o general norte-americano
Philip Breedlove,
alertou para os receios de que a Rússia possa estar a preparar-se
para invadir outras
regiões no Leste da Ucrânia, ou até mesmo a república separatista da
Transnístria, na Moldova, na fronteira sudoeste ucraniana - uma hipótese que o
general classificou como "muito preocupante", porque esse cenário exigiria que
as tropas russas atravessassem o território da Ucrânia.
Na entrevista à CBS,
o Presidente dos Estados Unidos instou Moscovo a retirar as suas tropas da
fronteira e a sentar-se à mesma mesa
com representantes do
Governo interino de Kiev, para
ultrapassar o que descreveu como uma "mágoa muito profunda” em relação ao
fim da União Soviética.
"Seria de
esperar que, ao fim de duas décadas, um líder russo estivesse ciente de que o caminho
certo não é voltar atrás e agir de uma forma característica da Guerra Fria, mas
sim seguir em frente para uma maior integração na economia
mundial e uma maior
responsabilidade como actor internacional", disse o Presidente norte-americano.
As recentes acções de
Moscovo - prosseguiu Barack Obama - revelam "um sentimento nacionalista
russo muito forte e um sentimento de que o Ocidente se aproveitou da Rússia no
passado".
"[Vladimir
Putin] pode estar a errar na sua leitura sobre o Ocidente. Não há dúvidas de
que está a errar na leitura sobre a política externa
americana. Nós não temos
qualquer interesse em cercar a Rússia e não temos quaisquer interesses na
Ucrânia, para além de querermos que os ucranianos tomem as suas próprias
decisões sobre as suas vidas", disse Barack Obama.
Reafirmando o
reconhecimento de que a Rússia tem interesses legítimos na Ucrânia, o
Presidente norte-americano rejeitou totalmente a
forma que Moscovo escolheu para demonstrar esse facto ao mundo. "Eles têm
influência na Ucrânia por causa do comércio, da tradição e da língua. Toda a
gente reconhece isso. Mas há uma diferença entre isso e enviar tropas e anexar
uma parte do país só porque se é maior e mais forte. Não é desta forma que a
lei e as normas internacionais são cumpridas no século XXI."
Quanto à resposta da
NATO a uma eventual invasão russa da Ucrânia, o Presidente norte-americano foi vago, preferindo
insistir na eficácia das sanções económicas. Sobre o peso da aliança atlântica,
sublinhou que a sua força será o que todos os seus membros quiseram que seja,
em mais um recado aos países mais importantes da União Europeia, como a
Alemanha e o Reino Unido, que têm reduzido as suas despesas militares.
É neste contexto de
contenção orçamental na Europa – mas também de redução de gastos e alteração
estratégica nos Estados Unidos, com as atenções viradas para a Ásia -
que a NATO procura responder ao que alguns líderes ocidentais consideram ser o
risco de uma invasão de novas regiões ucranianas pela Rússia.
Moscovo tem
reafirmado que os seus planos - quaisquer que eles sejam - não passam pela
entrada em força no território da Ucrânia. Nesta sexta-feira, o Ministério dos Negócios
Estrangeiros russo tentou
tranquilizar os receios do Ocidente, ao avançar que as movimentações militares
na fronteira foram observadas por um grupo de inspectores de oito países, que
concluiu não existir qualquer violação das normas internacionais.
"Representantes
da Letónia, Alemanha, Suíça, Finlândia, Estónia, Bélgica, França e Ucrânia
inspeccionaram a parte europeia da Rússia, no âmbito do tratado de Viena de
2011 sobre medidas de segurança, e não encontraram preparações
agressivas nem actividades militares para além das que já tinham sido
reportadas", citou a agência ITAR-TASS. Não é conhecida a composição
dessas equipas de inspecção, mas o ministério russo afirmou que todas elas vão
enviar relatórios à Organização para a Segurança e Cooperação na Europa.
No meio da retórica
inflamada e da tensão militar, o economista e jornalista Anatole Kaletski -
nascido em Moscovo em 1952, mas que tem repartido a sua vida entre o Reino
Unido e os Estados Unidos
desde os 14 anos de idade -, aconselhou o mundo a "pôr
de lado o dramatismo", numa análise escrita para a agência
Reuters, baseada nas premissas de que Vladimir Putin já alcançou tudo o que
queria (a anexação da Crimeia "de forma espectacular") e que o
Ocidente não está disposto a lutar militarmente pela reintegração da península
na Ucrânia.
“Os discursos
políticos e as notícias ignoram os cenários mais prováveis, porque são
considerados aborrecidos de mais. Em vez disso, os políticos e os comentadores
centram-se em hipóteses excitantes e dramáticas que poderiam ocorrer num
qualquer cenário improvável, como uma guerra aberta entre a Rússia e a Ucrânia,
e ignoram a baixa probabilidade de isso acontecer", escreveu Anatole
Kaletski, colaborador de publicações como a The Economist
e o Financial Times, e duas vezes distinguido com o British Press Awards.
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