OPINIÃO
DOMINGOS LOPES
18/03/2014-02:50
É preciso ter em que uma
das prim eiras
decisões do novo Governo foi proibir o russo
na Crimeia, onde a maioria da população fala russo
Não é possível olhar para o conflito que agita a Ucrânia
sem ter em conta os diversos interesses conflituantes entre si e os que devem
prevalecer sobre todos os demais são os do povo ucraniano.
Em democracia, a vontade soberana dos povos exerce-se
através de eleições livres e democráticas. Na Ucrânia, foi eleito um Presidente
e um Parlamento, o que nunca aconteceu, por exemplo, na Arábia Saudita ou
nalguns Estados do Golfo. Aqui as manifestações são violentamente reprimidas
por tropas sauditas chamadas a manter os reinos obscurantistas que o Ocidente
tanto preza.
Não há dúvida que o Presidente foi contestado em vários
momentos, o que acontece em vários países.
Em Portugal, a título de exemplo, o Governo
é diariamente
contestado até pelas próprias forcas de segurança.
Em Kiev, os
manifestantes não foram pedir eleições antecipadas, mas para derrubar o Governo
e através da “democracia direta” escolher os ministros em plena
Praça Maidan, o que em nenhum país do mundo seria aceite.
Para tanto, estas dezenas de milhares de manifestantes
usaram as mais diversas armas democráticas: cocktails-molotov, sabres e armas de fogo. Entraram em confronto armado com as forças policiais.
Os mandatários das principais potências da NATO logo se
movimentaram para dar todo o seu apoio a este movimento. Estes combatentes de
armas na mão não eram terroristas, como são os palestinianos que lutam pela
independência. São democratas que rasgaram o acordo celebrado dois dias antes
da tomada do poder pelos sitiantes entre os representantes da França, Polónia e
Alemanha para a realização de eleições. Os negociadores não estavam a negociar.
Estavam a fazer de conta até que a situação descambasse.
São os que se empenharam a fundo em aceitar que o Kosovo,
parte integrante da Sérvia, pudesse ser independente sem mais... e porque a
maioria era albanesa... Na Crimeia, é russa... O referendo entretanto realizado
confirma esse facto: neste quadro, os russos da Crimeia não querem ser
governados por Kiev, tal o grau de enfeudamento à NATO do novo poder ucraniano.
Dizem os alemães, os polacos e os franceses e sobretudo
os EUA que os interesses ocidentais coincidem com o novo poder em Kiev e com
ele estão totalmente solidários. Não é nada de novo. Está a acontecer na Venezuela
com um Presidente eleito em eleições universalmente reconhecidos como
livres, tal como na Ucrânia.
Dito de uma maneira simples: para os ocidentais, a
legitimidade de um regime não depende de eleições, tal como não depende nos
emirados, sultanatos e reinos do Golfo, mas sim do modo como os seus interesses
são defendidos.
É a real política das potências que mandam. Só que para
desmitificar o invocado apoio às “democratizações” façamos o seguinte
raciocínio: se no México as eleições forem ganhas pela esquerda, que estabelece
com os países que entender os mais diversos acordos, nomeadamente com Cuba, Equador,
Brasil, Argentina e Venezuela? Decidem celebrar acordos militares dentro das
suas ordens constitucionais. Entabulam relações de carácter militar com a
China, Rússia e com quem mais entenderem. São capazes de imaginar a reação dos EUA? Os EUA iriam
na sua fronteira do sul permitir tais acordos? Não se está sequer a falar de
bases militares, apenas de acordos...
Teríamos seguramente uma crise tão grave como a crise dos
mísseis nas Caraíbas aquando da revolução cubana.
É preciso ter em conta que uma das primeiras decisões do
novo Governo foi proibir o russo na Crimeia, onde a maioria da população fala
russa. Por isso os que os que apregoam as virtudes do Ocidente e as maldades da
Rússia deviam lembrar-se do que se passa nos seus países.
O Presidente Cavaco Silva e o primeiro-ministro Passos
Coelho admitiriam, por mero exercício académico, que trinta ou quarenta mil
manifestantes tomassem os ministérios da Justiça, da Administração Interna, as
escadas do Parlamento e escolhessem no Terreiro do Paço os ministros? Será que
o Ocidente os apoiaria?
ADVOGADO
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