Voluntários russos juntaram-se na praça Lenine, em Sinferopol
PAULO MOURA (em
Sinferopol) 14/03/2014 - 20:18 (actualizado às 20:19)
Para não perturbar as
pessoas com notícias de que a península estava a ser
ocupada pelos russos, as televisões privadas ucranianas foram banidas. Os
observadores internacionais não vão estar presentes. Nas mesas de voto, só
estarão "pessoas de
confianca".
O referendo foi organizado à pressa, para evitar as
provocações, explicou o primeiro-ministro. “Quanto mais depressa, melhor”,
disse ele ao PÚBLICO, durante a conferência de
imprensa de ontem, quando
colocado perante a hipótese de ter preparado a consulta com tempo e legalidade.
Quanto à presença de
observadores internacionais ou organizações independentes, Sergei Aksionov disse
não saber. “Esses pormenores, terá de perguntar nas comissões do parlamento”.
Já para a questão das restrições e agressões a jornalistas tem uma explicação
própria: “Só houve problemas com certos jornalistas que vieram lançar
provocações sobre as milícias de auto-defesa. Nós queremos que todos os
jornalistas possam fazer uma cobertura adequada do referendo”.
O director da
comissão eleitoral, Michail Malichev, dissera que todos os jornalistas poderão
ter acesso aos locais de voto, embora não durante a fase de contagem. Aí, será
à porta fechada. Mas as acreditações para o evento ainda não foram emitidas.
Registos por email foram solicitados para endereços diferentes, além de
preenchimentos de fichas e outros papelinhos que eram sistematicamente perdidos
pelas jovens jornalistas recém-transformadas em funcionárias em traje formal do
novo
Centro de Imprensa, que
funcionou
no Crim TV, o canal
estatal onde um novo produtor leva todas as manhãs as notícias já escritas para
serem lidas pelos pivots.
Aos canais privados
ucranianos foi dito explicitamente que não poderiam cobrir o referendo. Além
disso, para não haver riscos, os canais foram encerrados. Só lhes restam as
emissões por cabo
e satélite. O deputado Sergei Shuvainikov,
um dos responsáveis pela organização do referendo, explicou-nos as razões da
medida: “Esses canais andavam a dizer que a Crimeia estava ocupada pelos
russos, que havia armas por todo o lado. Só tinham notícias negativas.
Decidimos fechá-los, para que as pessoas
se sintam em paz, e possam ir votar sem pressões”.
Quanto aos
observadores internacionais, Shuvainikov garante que os convidou. “Enviámos convites
para a Europa, EUA, ONU. Não responderam”. Questionado sobre a possibilidade de
não ter havido tempo sequer para a volta do correio, o deputado admitiu que
foram obrigados a encontrar um compromisso: “Por um lado precisávamos de mais
tempo para organizar isto melhor. Por outro, era urgente avançar, antes que os
fascistas de Kiev viessem por aí abaixo”.
"Eram provocadores”
Apesar da pressa, alguns observadores conseguiram chegar
a tempo. Foi o caso de um grupo da OSCE (Organização para a Segurança e
Cooperação na Europa), que no entanto foi barrado na fronteira. “Não eram
verdadeiros observadores, mas sim homens fardados, que só vinham recolher
informações militares”, explica Shuvainikok. “Eram provocadores. Se tivessem
vindo com roupa normal, teriam entrado”. Quanto ao representante do
secretário-geral da ONU, que foi ameaçado na rua em Sinferopol e obrigado a
fugir, isso deveu-se ao facto de “não ter
pedido autorização ao governo e deputados para os contactos e as declarações
que vinha fazer”.
Em suma, observadores não haverá nenhum. Excepto
“organizações de activistas e os grupos de auto-defesa”. Os partidos não foram
convidados, porque “isto não é uma eleição de partidos. Não tem nada a ver com
política”.
Nas mesas de voto haverá “representantes da população”,
pessoas comuns que puderam inscrever- se, nos últimos dias. “Mas não era
qualquer pessoa na rua que podia dar o nome. Tinha de ser alguém de confiança,
para evitar provocações”.
As equipas, constituidas pelos “activistas”, os elementos
da “auto-defesa”, os representantes do Estado e os voluntários farão uma
primeira contagem dos votos, à porta fechada. Elaborarão relatório, assinado
por todos. Depois enviarão os boletins para o parlamento, onde será feita a
contagem final, na presença apenas dos deputados.
Pelo menos 80% das pessoas votarão a favor da integração
na Rússia, disse o primeiro-ministro e vários deputados, citando uma vaga
sondagem, de que nunca precisaram a autoria nem a ficha técnica. O anunciado
boicote da população tártara não é de levar a sério, disse Aksionov, porque,
explicou, “O conselho dos tártaros (Majliss) não é representativo de toda a população tártara”.
E se a maioria da população não votar? Para o deputado
Shubainikov, isso implicará a anulação do referendo, e a elaboração de um “novo
plano”. Já o primeiro-ministro não é tão categórico. Não sabe o que fará nessa
circunstância. Se a pergunta sobre a integração na Rússia não obtiver a
maioria, aí sim, “será criada uma comissão para decidir o que fazer a seguir.
Mas essa hipótese é absurda”.
Alerta máximo
As unidades de auto-defesa estarão em alerta máximo,
durante a realização do referendo, entre as 8 da manhã e as 8 da noite, “para
combater quaisquer provocações”. As bases militares ucranianas continuam
cercadas por forças russas, que as obrigarão a entregar as armas até segunda-feira.
Apenas uma base parece não estar cercada. É o quartel da
zona A4408, em Sebastopol. “Os russos estiveram cá, mas foram embora”, contou o
soldado de sentinela. “Voltaram. Fizeram um ultimato: teríamos de entregar as
armas dentro de uma hora. O nosso comandante recusou. Depois disseram que
tínhamos um dia. Já fizeram cinco ultimatos”, disse o soldado, olhando
apreensivo para os veículos militares russos que iam passando na rua em frente.
“Nós gostaríamos de votar no referendo”, disse ainda. “Mas acho que não
podemos. Os nossos nomes não constam das listas”
Há checkpoints em todas as estradas da
península. Os mais rigorosos instalaram-se na zona da fronteira, que separa
a Crimeia do resto da Ucrânia. Por aí é difícil passar. Até as equipas de
jornalistas estrangeiros foram barradas, ou obrigadas a entregar todo o
equipamento.
Em redor de Sebastopol há seis checkpoints, com um total
de cerca de 300 homens. Num deles, na estrada que liga Sebastopol a Sinferopol,
o comandante explicou que todos os que ali
estão são
voluntários. Ele próprio, Alec Galavai, de 48 anos, decidiu ir para ali quando soube que “os
fascistas se preparavam para atacar a Crimeia”.
Alec foi oficial do exército em Kamchetka, no leste da
Sibéria, hoje está reformado. Ofereceu-se como voluntário e constituiu uma
equipa. Recorreu a organizações de cossacos em Sebastopol, que por sua vez
chamaram os colegas cossacos da Rússia.
Sotnia Nicolai, 55 anos e uma estatura de gigante, é um
deles. Veio da região russa do Don. “Os camaradas de Sebastopol convidaram-me”,
diz. “Tudo pago, hotel de luxo, não estamos nada mal aqui”. A sua missão é
revistar os carros em busca de armas. Até agora não encontrou nada.
O checkpoint tem vários veículos, uma tenda,
um tanque coberto com panos. “É um tanque antigo, propriedade de um amigo meu
que tem uma agência turística”, disse o comandante. “Pedi-lhe o tanque só para
enfeitar. É para meter medo”. Como armas de fogo, o piquete tem só duas
espingardas. Mas se for preciso chamam a polícia que usa armas automáticas.
Todas as unidades de auto-defesa da região de Sebastopol são comandadas por um
mesmo homem, chamado Alexei Michaelich Xalei,
diz o comandante. “As
unidades de Sinferopol estão sob o controlo pessoal por Aksionov.
Na tenda, um grupo de mulheres preparou sopa, sandes e
vários petiscos para os voluntários. “Não nos conhecíamos, agora somos muito
amigas. Já combinámos, todos os anos nesta data viremos aqui para comemorar a
entrada da Crimeia na Rússia”, disse Znaida Raustava, servindo a todos,
jornalistas incluídos, uma sopa Salanka.
Sem comentários:
Enviar um comentário