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quinta-feira, 17 de abril de 2014

“Um bom dia de trabalho” em Genebra terminou em acordo para aliviar tensão na Ucrânia

Os ministros dos Negócios Estrangeiros russo e ucraniano frente a frente
ALEXANDRE MARTINS 17/04/2014 - 20:22 (actualizado às 21:16)
 Estados Unidos, União Europeia, Rússia e Ucrânia assinam documento com o objectivo de desarmar “todos os grupos ilegais” e terminar com as ocupações de edifícios no Leste e no sudeste da Ucrânia.

Afastada qualquer hipótese de um acordo mais abrangente sobre a situação na Ucrânia que levasse a uma reaproximação entre a Rússia e o Ocidente, a atenção da diplomacia internacional focou-se nesta quinta-feira, em Genebra, nas negociações sobre o fim das ocupações de símbolos da autoridade de Kiev no Leste e no Sudeste do país.

No final de seis horas de conversações, os representantes da política externa dos Estados Unidos (EUA), da União Europeia (UE), da Rússia e da Ucrânia assinaram um acordo que prevê o desarmamento de “todos os grupos ilegais” e a devolução das dezenas de edifícios governamentais e administrativos controlados por separatistas pró-russos desde o dia 6 de Abril.

O acordo prevê a concessão de amnistia a todos os que entreguem as armas e abandonem pacificamente os edifícios nas regiões de Donetsk e Lugansk (à excepção dos que sejam condenados por homicídio), e o envio de uma equipa da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), que terá como missão “pôr em prática imediatamente medidas com vista ao alívio da tensão”. Esta equipa da OSCE será apoiada por enviados dos Estados Unidos, da União Europeia e da Rússia.

O plano foi traçado e o papel está assinado, mas o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, salientou que as palavras escritas num papel só terão algum significado se as acções forem concretizadas no terreno. No final das conversações, durante uma conferência de imprensa em que surgiu ao lado de Catherine Ashton, alta representante da UE para a Política Externa, Kerry deixou essa ideia bem vincada: “Foi um bom dia de trabalho. Mas este dia de trabalho resultou apenas em palavras num papel.”

O compromisso alcançado nesta quinta-feira é o primeiro avanço digno de registo desde o início da ocupação de edifícios por separatistas e milícias pró-russas, mas a mesma diplomacia que aponta direcções também evita impor prazos concretos.

O “processo de alívio da tensão” no Leste e no Sudeste da Ucrânia, disse John Kerry, terá de produzir resultados palpáveis “ao longo do fim-de-semana, ou no início da próxima semana”. E não é preciso que todos os pontos do acordo sejam cumpridos em poucos dias — o que interessa, salientou o secretário de Estado norte-americano, é que haja “uma indicação de que se está a caminhar no sentido certo”.

O Presidente dos EUA, Barack Obama, foi ainda mais cauteloso do que o seu secretário de Estado, ao comentar o acordo alcançado em Genebra: “Acho que neste momento não podemos ter a certeza de nada, mas a diplomacia pode aliviar a tensão” no Leste da Ucrânia. “Não vamos saber durante muitos dias se a situação vai avançar”, sublinhou.

Numa postura que pode ser interpretada como a concessão que a Ucrânia e os seus parceiros ocidentais teriam de fazer para que Moscovo se dispusesse a assinar um acordo, não terá sido por acaso que o responsável norte-americano começou a sua intervenção na conferência de imprensa com uma referência à condenação de “todas as formas de extremismo, racismo e intolerância religiosa, incluindo anti-semitismo”.

Denúncias de anti-semitismo

John Kerry frisou que todas as partes “condenaram unanimemente” as recentes notícias que dão conta do envio de cartas a judeus da região de Donetsk para que se apresentem perante o auto-intitulado “comissário para as nacionalidades na administração regional de Donetsk”, e também as queixas de perseguições contra membros da Igreja Ortodoxa Russa.

Durante as negociações, houve o cuidado de não se acusar explicitamente a Rússia de orquestrar as ocupações de edifícios no Leste da Ucrânia — na declaração conjunta ninguém atribui culpas a ninguém. Mas na conferência de imprensa, John Kerry não precisava de ser mais directo: “A responsabilidade será de quem os organizou e de quem lhes deu as armas. Não vamos fazer qualquer tipo de julgamento, mas a Rússia tem um enorme impacto” junto dos separatistas pró-russos que ocuparam os edifícios no Leste e no Sudeste da Ucrânia.

Apesar de ter afirmado que nenhuma das partes se sentou à mesa de negociações com a intenção de “fazer ameaças”, o secretário de Estado norte-americano sublinhou que Washington irá impor “mais custos” à Rússia, o que se traduz numa ameaça de novas sanções.

Indo ao encontro das exigências de Moscovo pela segurança dos cidadãos russófilos, o acordo alcançado nesta quinta-feira salienta ainda que “o anunciado processo de revisão constitucional [na Ucrânia] será inclusivo, transparente e responsável, abrangendo todas as regiões da Ucrânia, e aberto à discussão pública e à proposta de emendas”.

A proposta de revisão constitucional apresentada durante a reunião pelo ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Andri Deshchitsia, foi aliás bastante elogiada por John Kerry e Catherine Ashton.

“Ficámos ambos muito impressionados pela descrição do que estão dispostos a fazer, com a sua própria visão de autonomia”, disse Kerry, numa ideia complementada por Ashton: “É um momento muito emocionante tentar fazer isso de uma forma adequada. Queremos dar o nosso apoio de todas as formas possíveis.”

O responsável norte-americano disse mesmo que, de acordo com a proposta de revisão constitucional ucraniana, Kiev ficaria apenas com o controlo da Defesa, da Justiça e da Política Externa, o que abre as portas a uma autonomia “muito vasta”, com a transferência da gestão de áreas como a Educação e a Saúde para as várias regiões. Saindo do seu discurso diplomático e composto, John Kerry deu uma ferroada a Moscovo: “É francamente muito mais vasta do que qualquer proposta de autonomia que existe em qualquer região da Rússia.”

Já o ministro russo, Sergei Lavrov, reafirmou que o seu país “não tem nenhum desejo” de enviar tropas para a Ucrânia, algo que diz ser “contrário aos interesses fundamentais” de Moscovo.


No final da conferência de imprensa de John Kerry e Catherine Ashton, o responsável norte-americano irritou-se com a pergunta de um jornalista sobre a Crimeia. Será que a reunião desta quinta-feira significa que os EUA e a UE já desistiram de condenar a anexação da península pela Rússia? “Não desistimos da Crimeia, mas não viemos aqui hoje [quinta-feira] para discutir a questão da Crimeia. Viemos aqui para pôr fim à espiral de confrontação no Leste da Ucrânia”, respondeu Kerry.

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