Os ministros dos Negócios
Estrangeiros russo e ucraniano frente a frente
ALEXANDRE MARTINS 17/04/2014 -
20:22 (actualizado às 21:16)
Estados Unidos, União Europeia, Rússia e
Ucrânia assinam documento com o objectivo de desarmar “todos os grupos ilegais”
e terminar com as ocupações de edifícios no Leste e no sudeste da Ucrânia.
Afastada qualquer hipótese de um
acordo mais abrangente sobre a situação na Ucrânia que levasse a uma
reaproximação entre a Rússia e o Ocidente, a atenção da diplomacia internacional
focou-se nesta
quinta-feira, em Genebra, nas negociações sobre o fim das ocupações de símbolos
da autoridade de Kiev no Leste e no Sudeste do país.
No final de seis horas de
conversações, os representantes da política externa
dos Estados Unidos
(EUA), da União Europeia (UE), da Rússia e da Ucrânia assinaram um acordo que
prevê o desarmamento de “todos os grupos ilegais” e a devolução das dezenas de
edifícios governamentais e administrativos controlados por separatistas pró-russos
desde o dia 6 de Abril.
O acordo prevê a concessão de
amnistia a todos os que entreguem as armas e abandonem pacificamente os
edifícios nas regiões de Donetsk e Lugansk (à excepção dos que sejam condenados
por homicídio), e o envio de uma equipa da Organização para a Segurança e
Cooperação na Europa (OSCE), que terá como missão “pôr em prática imediatamente
medidas com vista ao alívio da tensão”. Esta equipa
da OSCE será apoiada por enviados dos Estados Unidos, da União Europeia e da
Rússia.
O plano foi traçado e o papel está
assinado, mas o
secretário de Estado norte-americano, John Kerry, salientou que as
palavras escritas num papel só terão algum significado se as acções forem
concretizadas no terreno. No final das conversações, durante uma conferência de imprensa
em que surgiu ao lado
de Catherine Ashton, alta representante da UE para a Política Externa, Kerry
deixou essa ideia bem vincada: “Foi um bom dia de
trabalho.
Mas este dia de
trabalho resultou apenas em palavras num papel.”
O compromisso alcançado nesta
quinta-feira é o primeiro avanço digno de registo desde o início da ocupação de
edifícios por separatistas e milícias pró-russas, mas a mesma diplomacia que
aponta direcções também evita impor prazos concretos.
O “processo de alívio da tensão”
no Leste e no Sudeste da Ucrânia, disse John Kerry, terá de produzir resultados
palpáveis “ao longo do fim-de-semana, ou no início da próxima semana”.
E não é preciso que todos os pontos do acordo sejam cumpridos em poucos dias —
o que interessa, salientou o secretário de Estado norte-americano,
é que haja “uma
indicação de que se está a caminhar no sentido certo”.
O Presidente dos EUA, Barack
Obama, foi ainda mais cauteloso do que o seu secretário de Estado, ao comentar o acordo
alcançado em Genebra: “Acho que neste momento não podemos ter a certeza de
nada, mas a diplomacia pode aliviar a tensão” no Leste da Ucrânia. “Não vamos
saber durante muitos dias se a situação vai avançar”, sublinhou.
Numa postura que pode ser interpretada
como a concessão que a Ucrânia e os seus parceiros ocidentais teriam de fazer
para que Moscovo se dispusesse a assinar um acordo, não terá sido por acaso que
o responsável norte-americano começou a sua
intervenção na conferência de imprensa com uma referência à condenação de
“todas as formas de extremismo, racismo e intolerância religiosa, incluindo anti-semitismo”.
Denúncias de anti-semitismo
John Kerry frisou que todas as
partes “condenaram unanimemente” as recentes notícias que dão conta do envio de
cartas a judeus da região de Donetsk para que se apresentem perante o
auto-intitulado “comissário para as nacionalidades na administração regional de
Donetsk”, e também as queixas de perseguições contra membros da Igreja Ortodoxa
Russa.
Durante as negociações, houve o cuidado de não se acusar explicitamente a
Rússia de orquestrar as ocupações de edifícios no Leste da Ucrânia — na declaração
conjunta ninguém atribui culpas a ninguém. Mas na conferência de imprensa, John
Kerry não precisava de ser mais directo: “A responsabilidade será de quem os
organizou e de quem lhes deu as armas. Não
vamos fazer qualquer tipo de julgamento, mas a Rússia tem um enorme impacto”
junto dos separatistas pró-russos que ocuparam os edifícios no Leste e no
Sudeste da Ucrânia.
Apesar de ter afirmado que nenhuma das partes se sentou à mesa de
negociações com a intenção de “fazer ameaças”, o secretário de Estado norte-americano
sublinhou que Washington irá impor “mais custos” à Rússia, o que se traduz numa
ameaça de novas sanções.
Indo ao encontro das exigências de Moscovo pela segurança dos cidadãos
russófilos, o acordo alcançado nesta quinta-feira
salienta ainda que “o anunciado processo de revisão constitucional [na Ucrânia]
será inclusivo, transparente e responsável, abrangendo todas as regiões da
Ucrânia, e aberto à discussão pública e à proposta de emendas”.
A proposta de revisão constitucional apresentada durante a reunião pelo
ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Andri Deshchitsia, foi aliás bastante elogiada por John Kerry e Catherine Ashton.
“Ficámos ambos muito impressionados pela descrição do que estão dispostos a
fazer, com a sua própria visão de autonomia”, disse Kerry, numa ideia
complementada por Ashton: “É um momento muito emocionante tentar fazer isso de
uma forma adequada. Queremos dar o nosso apoio de todas as formas possíveis.”
O responsável
norte-americano disse mesmo que, de acordo com a proposta de revisão
constitucional ucraniana, Kiev ficaria apenas com o controlo da Defesa, da
Justiça e da Política Externa, o que abre as portas a uma autonomia “muito
vasta”, com a transferência da gestão de áreas como a Educação e a Saúde para
as várias regiões. Saindo do seu discurso diplomático e composto, John Kerry
deu uma ferroada a Moscovo: “É francamente
muito mais vasta do que qualquer proposta de autonomia que existe em qualquer
região da Rússia.”
Já o ministro
russo, Sergei Lavrov, reafirmou que o seu país “não tem nenhum desejo” de
enviar tropas para a Ucrânia, algo que diz ser “contrário aos interesses
fundamentais” de Moscovo.
No final da
conferência de imprensa de John Kerry e Catherine Ashton, o responsável
norte-americano irritou-se com a pergunta de um jornalista sobre a Crimeia.
Será que a reunião desta quinta-feira significa que os EUA e a UE já desistiram
de condenar a anexação da península pela Rússia? “Não desistimos da Crimeia,
mas não viemos aqui hoje [quinta-feira] para discutir a questão da Crimeia.
Viemos aqui para pôr fim à espiral de confrontação no Leste da Ucrânia”,
respondeu Kerry.
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