OPINIÃO
TIAGO MOREIRA DE SÁ 10/04/2014 - 01:14
Obama está errado se não adoptar uma linha
dura elativamente a
Moscovo,
No final do século XIX o chanceler alemão, Otto Von Bismark,
confrontado com a escalada da crise balcânica, disse que “os Balcãs não valem
os ossos de um granadeiro da Pomerânia”.
Parece que Barack Obama pensa o mesmo relativamente aos acontecimentos na
Ucrânia, ou seja, que estes não merecem pôr em risco a vida de um só soldado
norte-americano.
É certo que a Ucrânia não é os Balcãs: não é geograficamente, não é em
termos de importância se tomada isoladamente, nem é pensável que possa ter as
mesmas consequências que a crise balcânica, que, como é sabido, teve um papel
essencial na engrenagem da I Guerra Mundial. Todavia, não só os acontecimentos
ucranianos conhecem actualmente novos desenvolvimentos alarmantes, com a
agitação pró-russa na zona oriental, fazendo temer pela ambição de Moscovo à
faixa de território que vai da fronteira entre os dois países até ao rio
Dnieper, como o que está em causa é muito mãos do que a Ucrânia. Estão em causa
quatro questões essenciais do mundo actual.
Em primeiro lugar, está
em causa a ordem internacional. Nenhuma ordem internacional pode
subsistir a prazo se um ou mais Estados acharem que podem actuar contra as suas
regras, leis e instituições e nada lhes acontecer. Ora, foi justamente o que
aconteceu com a invasão e anexação da Crimeia pela Rússia, uma violação clara
do princípio da soberania e do respeito pelas fronteiras dos Estados. Imagine-se que o exemplo pegava e que os países com
problemas com as suas fronteiras - e são muitos - resolviam fazer o mesmo, uma
vez que tal parece ter custos mínimos e ganhos interessantes. Era o fim da
ordem internacional.
Em segundo lugar, está
em causa a definição dos papéis e modelos de actuação dos Estados no sistema
internacional multipolar em emergência. Para além dos interesses geostratégicos
russos evidentes na Ucrânia, como sejam o acesso ao mar Negro, e através
dele aos mares quentes do Mediterrâneo, e a protecção da fronteira ocidental
oferecida pelo sistema de montanhas dos Cárpatos, a Rússia está a procurar na
Ucrânia essencialmente marcar o seu lugar no mundo multipolar em emergência,
dentro do qual quer ser - e ser reconhecida - como uma grande potência.
Em terceiro lugar,
está em causa a Rússia e a sua política para a Europa de Leste (e mesmo da Ásia
Central), ou, na expressão russa, o seu estrangeiro próximo. A realidade simples é
que a Rússia é uma potência revisionista, ainda que por enquanto apenas a nível
regional. Isto é, ela nunca aceitou o alargamento da NATO e da UE para a sua
antiga zona de influência, considera isso uma humilhação e tem como objectivo
recuperar parte da influência perdida nessa zona, com destaque para a Ucrânia,
a Geórgia, a Moldávia e a Transnístria. Resta saber se a sua ambição inclui as
Repúblicas Bálticas, que são vistas por Moscovo como “um míssil” no seu quintal
apontado a si e fazem parte da NATO. Putin não pode pensar que é livre de
alterar as fronteiras na Europa de Leste sem pagar um preço demasiado elevado
por isso, pois, caso contrário, nada o impede de ir mais além e anexar também a
parte Sul e Oriental da Ucrânia e mesmo não ficar por aí.
Em quarto lugar, está em
causa a definição do modo de relacionamento da Rússia com a UE, em particular
com a Alemanha. Não vale a pena iludir a existência de uma sobreposição de áreas de influência
alemã e russa na Europa de Leste. A competição, mesmo que a prazo, entre Berlim
e Moscovo nessa zona-choque de placas tectónicas é inevitável e a sua forma
será moldada pelo desenlace da questão ucraniana.
O que devem então fazer os EUA e a UE?
A abertura da porta da União Europeia à Ucrânia, numa perspectiva a médio
prazo e traduzida por enquanto no acordo de associação, é uma boa medida.
As sanções económicas à Rússia podem ser também relativamente eficazes,
como o demonstra o exemplo do Irão, desde que os países ocidentais estejam
dispostos a ir mais longe do que parecem estar até agora e atinjam o núcleo
duro do poder económico e financeiro que sustenta Putin no poder.
A definição de uma política energética comum, que faça cair a pique o preço
do gás, sobretudo através do recurso às reservas norte-americanas, pode mesmo ser a medida mais eficaz, pelo forte impacto que terá na
“economia de hidrocarbonetos” da Rússia.
É muito importante dar garantias de segurança à Ucrânia, por exemplo
assumindo de forma clara e pública esse compromisso e realizando exercícios
militares conjuntos entre a NATO e as Forças Armadas ucranianas.
Mas nada disto chega. Os EUA e a Europa Unida têm de criar um “pivot
europeu”, que coexista com o “pivot asiático” norte-americano, devendo este compreender três medidas fundamentais:
Primeira, reforçar a importância
da NATO e confirmar o seu papel como garante da defesa colectiva, acabando com
a deriva da organização que dura desde a Cimeira de
Lisboa de 2010.
Segunda, fazer avançar o
projecto de defesa europeia, pensado como contraparte da NATO, e nunca como
contraponto. Ou seja, como complemento e nunca como alternativa. Para isso, os
países da UE têm de começar a fazer a sua parte e, uma vez superada a actual
crise das dívidas soberanas, aumentar de forma significativa a parte dos seus
orçamentos dedicada à defesa.
Terceira, avançar com a Parceria
Transatlântica para o Investimento e o Comércio (TTIP). A criação de uma grande
zona de comércio livre no Atlântico Norte é fundamental para evitar o declínio
do Ocidente e parar a transferência de riqueza, e, a prazo, de poder, para a
Ásia-Pacífico. Além disso, ela evita a “transferência” da Europa para o Leste e
desloca-a novamente para o Atlântico, aspecto crucial para Portugal.
Consideradas as devidas diferenças entre os casos, Barack Obama está
certo ao pensar como Bismarck: uma guerra com a Rússia é impensável. Mas está
errado se não adoptar uma linha dura relativamente a Moscovo perante os
recentes acontecimentos na Ucrânia. É preciso que o Presidente dos EUA diga de
forma clara ao seu homólogo russo: No you
can’t, Putin!
Universidade Nova de Lisboa e
IPRI-UNL
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