Blindados bloqueados
por civis em Kramatorsk
PAULO NUNES DOS SANTOS
Em Kramatorsk (Ucrânia)
Governo de Kiev não consegue assegurar o controlo de
algumas cidades do leste da Ucrânia e desobediência civil leva a melhor
Na pacata cidade de Kramatorsk, junto à linha ferroviária
estratégica que serpenteia de norte a sul o leste Ucraniano, uma coluna
militar da recém-formada Guarda Nacional enfrenta um inesperado desafio. A
população de Pcholkiné, pequena aldeia maioritariamente pró-russa,
saiu à rua para travar o avanço dos militares de Kiev. Os 14 blindados com
cerca de 100 soldados a bordo são bloqueados por homens, mulheres e crianças
que, embora de um modo pacífico, estão determinados a frustrar a tentativa de
os militares prosseguirem em direção ao aeródromo militar de Kramatorsk.
“Estamos a aguardar ordens para ver se
forçamos ou não um avanço", explica Dmitry, um dos soldados que descem do
topo de um tanque para receber oferendas de comida, sumo e cigarros que um
grupo de mulheres distribui aos militares. Confessando-se exausto, o soldado
explica que o grupo não quer abrir fogo nem intimidar a população. “Esta é a
nossa gente, Somos todos filhos da mesma pátria”, afirma.
Entre os voos regulares de dois helicópteros e um jato militares, que vão circundando a aldeia a
baixa altitude, a população tenta persuadir as tropas a entregarem as armas. A
meio da tarde, chega por fim o comandante do batalhão para tentar negociar uma
saída do impasse. Juntamente com um líder local, sobe ao topo de um dos tanques
para falar ao povo. Após breves palavras de unidade nacional e apelando aos
veteranos do exército soviético da guerra no Afeganistão aqui presentes, a
população, agora mais tensa, interrompe o líder militar exigindo que se cale e
que instrua os seus homens a entregar as armas. Frustrado com a atitude da
trupe, o comandante cede às exigências populares e ordena aos seus homens que desativem as armas automáticas AK-47 e depositem as
culatras numa sacola que passa de mão em mão.
Humilhados pela decisão do comandante, e com ar
derrotado, alguns soldados não conseguem conter as lágrimas. Aproveitando o
cenário dramático, há quem comece a exigir aos jornalistas aqui presentes que
filmem e fotografem os soldados mais destroçados. “Mostrem ao mundo a fraqueza
destes homens. Isto é o reflexo do regime que tomou o poder em Kiev. São fracos
e nunca irão travar a nossa vontade”, diz um homem de meia idade, que entre
gargalhadas vai apontado uma barra de ferro ao rosto de um militar, que não
reage, parecendo ver o desfecho de um dia desta quase-guerra no seu pais.
Slavyansk, bastião separatista
Junto ao aeródromo de Kramatorsk, recuperado na véspera
pelas tropas de Kiev, num assalto que culminou com a morte de quatro elementos
de um grupo miliciano pró-Rússia em controlo do local desde o início da semana, centenas de pessoas chegam em
procissão para vingar a morte dos compatriotas. Numa pequena barricada de areia
e pneus, um homem beija, ao estilo de respeito pelos companheiros caídos em
combate, a bandeira da região de Donetsk. A mesma região que o movimento separatista
quer ver independente e mais próxima do regime de Moscovo.
“Esta é a nossa bandeira”, diz, com
orgulho. “Estamos prestes a conquistar aquilo que nos é de direito”, diz ao
explicar que a população da região quer cortar relações com Kiev por temer que
a “junta” revolucionária no poder tenha planos para “transformar a gente de
Donetsk em escravos" “Somos a região mais rica do país. Sem nós a Ucrânia
não sobrevive. Não queremos mais ser nós a alimentar os cofres da gente a
oeste”, conclui.
A uns 500 metros, meia dúzia de soldados da Guarda Nacional tentam
fortificar o acesso àquela que serve agora de base principal à anunciada
grande operação antiterrorista. Esta pretende ser um ataque às sete localidades
da região que na última semana caíram nas mãos de milícias armadas. Entre
insultos e ameaças da população, os soldados apressam-se a estender arame farpado, sob a protecção de atiradores furtivos, posicionados
no topo de uma colina. De binóculos na mão, meia dúzia de indivíduos vão
alertando a população para que não se aproximem dos militares.
De repente, um helicóptero aparece
por trás de uma colina. Dirige-se para junto dos manifestantes que continuam a
crescer em número e confiança, seguido de imediato num voo de reconhecimento em
direção a Slavyansk, a nova cidade bastião separatista onde, uns dias antes, grupos
milicianos armados tomaram de assalto a sede do governo local, a esquadra da
policia e o centro da polícia secreta.
Em Slavyansk, vive-se um clima de tensão, À entrada da cidade, barricadas de pneus bloqueiam o
acesso a quem chega. Ao estilo da praça Maidan, em Kiev, homens armados com
bastões, pedras e cocktails Molotov revistam os carros que chegam
e é obrigatória a identificação dos ocupantes.
No topo dos edifícios
erguidos junto à estrada que liga à praça central, marcam presença embuçados
aparentemente armados. A cidade tornou-se uma prioridade para o Governo de Kiev,
e suspeita-se que intentem a qualquer momento retomar o controlo à força.
Junto à praça, que tem uma imponente
estátua de Lenine, está o edifício do governo local. Sacos de areia bloqueiam o
acesso, e homens armados fazem guarda ao perímetro. Ao virar da esquina, as
barricadas erguidas junto à esquadra da polícia servem agora de atração aos
residentes. Acendem-se fogueiras, discute-se política e aproveita-se para
tirar fotografias junto aos novos homens que controlam a cidade.
”Há aqui agentes russos", afirma
uma mulher. “Quem está por trás destas ações são
esses homens verdes que vêm da Rússia ao serviço de Putin”, acusa, apontando
na direção de uns 20 homens que atravessam a praça a correr. Passam de cara tapada,
munidos de arinas automáticas e trajando um uniforme de cor verde.
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