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segunda-feira, 21 de abril de 2014

Pró-russos desarmam soldados de Kiev

Blindados bloqueados por civis em Kramatorsk
PAULO NUNES DOS SANTOS
Em Kramatorsk (Ucrânia)

Governo de Kiev não consegue assegurar o controlo de algumas cidades do leste da Ucrânia e desobediência civil leva a melhor

Na pacata cidade de Kramatorsk, junto à linha ferroviária estratégica que ser­penteia de norte a sul o leste Ucraniano, uma coluna militar da recém-formada Guarda Nacional enfrenta um inesperado desafio. A população de Pcholkiné, pequena aldeia maioritariamente pró-russa, saiu à rua para travar o avanço dos militares de Kiev. Os 14 blindados com cerca de 100 soldados a bordo são bloqueados por homens, mulheres e crianças que, embora de um modo pacífico, estão determina­dos a frustrar a tentativa de os mi­litares prosseguirem em direção ao aeródromo militar de Kramatorsk.

“Estamos a aguardar ordens para ver se forçamos ou não um avanço", explica Dmitry, um dos soldados que descem do topo de um tanque para receber oferendas de comida, sumo e cigarros que um grupo de mulheres distribui aos militares. Confessando-se exausto, o soldado explica que o grupo não quer abrir fogo nem inti­midar a população. “Esta é a nossa gente, Somos todos filhos da mesma pátria”, afirma.

Entre os voos regulares de dois heli­cópteros e um jato militares, que vão circundando a aldeia a baixa altitude, a população tenta persuadir as tropas a entregarem as armas. A meio da tarde, chega por fim o comandante do batalhão para tentar negociar uma saída do impasse. Juntamente com um líder local, sobe ao topo de um dos tanques para falar ao povo. Após breves palavras de unidade nacional e apelando aos veteranos do exército soviético da guerra no Afeganistão aqui presentes, a população, agora mais tensa, interrompe o líder militar exigindo que se cale e que instrua os seus homens a entregar as armas. Frustrado com a atitude da trupe, o comandante cede às exigências po­pulares e ordena aos seus homens que desativem as armas automáticas AK-47 e depositem as culatras numa sacola que passa de mão em mão.

Humilhados pela decisão do co­mandante, e com ar derrotado, al­guns soldados não conseguem conter as lágrimas. Aproveitando o cenário dramático, há quem comece a exigir aos jornalistas aqui presentes que filmem e fotografem os soldados mais destroçados. “Mostrem ao mundo a fraqueza destes homens. Isto é o reflexo do regime que tomou o poder em Kiev. São fracos e nunca irão tra­var a nossa vontade”, diz um homem de meia idade, que entre gargalhadas vai apontado uma barra de ferro ao rosto de um militar, que não reage, parecendo ver o desfecho de um dia desta quase-guerra no seu pais.

Slavyansk, bastião separatista

Junto ao aeródromo de Kramatorsk, recuperado na véspera pelas tropas de Kiev, num assalto que culminou com a morte de quatro elementos de um grupo miliciano pró-Rússia em controlo do local desde o início da semana, centenas de pessoas chegam em procissão para vingar a morte dos compatriotas. Numa pequena barricada de areia e pneus, um ho­mem beija, ao estilo de respeito pelos companheiros caídos em combate, a bandeira da região de Donetsk. A mesma região que o movimento se­paratista quer ver independente e mais próxima do regime de Moscovo.

“Esta é a nossa bandeira”, diz, com orgulho. “Estamos prestes a conquis­tar aquilo que nos é de direito”, diz ao explicar que a população da região quer cortar relações com Kiev por temer que a “junta” revolucionária no poder tenha planos para “transfor­mar a gente de Donetsk em escravos" “Somos a região mais rica do país. Sem nós a Ucrânia não sobrevive. Não queremos mais ser nós a alimentar os cofres da gente a oeste”, conclui.

A uns 500 metros, meia dúzia de soldados da Guarda Nacional tentam fortificar o acesso àquela que serve agora de base principal à anuncia­da grande operação antiterrorista. Esta pretende ser um ataque às sete localidades da região que na última semana caíram nas mãos de milícias armadas. Entre insultos e ameaças da população, os soldados apressam-se a estender arame farpado, sob a protecção de atiradores furtivos, po­sicionados no topo de uma colina. De binóculos na mão, meia dúzia de indivíduos vão alertando a popula­ção para que não se aproximem dos militares.

De repente, um helicóptero apare­ce por trás de uma colina. Dirige-se para junto dos manifestantes que continuam a crescer em número e confiança, seguido de imediato num voo de reconhecimento em direção a Slavyansk, a nova cidade bastião separatista onde, uns dias antes, gru­pos milicianos armados tomaram de assalto a sede do governo local, a esquadra da policia e o centro da polícia secreta.

Em Slavyansk, vive-se um clima de tensão, À entrada da cidade, barrica­das de pneus bloqueiam o acesso a quem chega. Ao estilo da praça Maidan, em Kiev, homens armados com bastões, pedras e cocktails Molotov revistam os carros que chegam e é obrigatória a identificação dos ocu­pantes. No topo dos edifícios erguidos junto à estrada que liga à praça cen­tral, marcam presença embuçados aparentemente armados. A cidade tornou-se uma prioridade para o Go­verno de Kiev, e suspeita-se que inten­tem a qualquer momento retomar o controlo à força.
Junto à praça, que tem uma im­ponente estátua de Lenine, está o edifício do governo local. Sacos de areia bloqueiam o acesso, e homens armados fazem guarda ao perímetro. Ao virar da esquina, as barricadas erguidas junto à esquadra da polícia servem agora de atração aos residen­tes. Acendem-se fogueiras, discute-se política e aproveita-se para tirar fotografias junto aos novos homens que controlam a cidade.


”Há aqui agentes russos", afirma uma mulher. “Quem está por trás destas ações são esses homens ver­des que vêm da Rússia ao serviço de Putin”, acusa, apontando na direção de uns 20 homens que atravessam a praça a correr. Passam de cara tapa­da, munidos de arinas automáticas e trajando um uniforme de cor verde.

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