Um dos cartazes da
campanha do SVP a favor da imposição de quotas de imigrantes MICHAEL
BUHOLZER/AFP
SOFIA LORENA 09/02/2014
-13:54 (actualizado às 16:47)
Iniciativa da direita nacionalista do
Partido do Povo Suíço foi aprovada em referendo na maioria dos 26 cantões.
Foi por pouco, mas foi. A iniciativa “contra a imigração em massa” foi
mesmo aprovada, com o apoio de 50,3% dos eleitores suíços. “O acordo com a
União Europeia sobre a livre circulação de pessoas está posto em causa”
concluiu Didier Buckhalter, ministro dos Negócios Estrangeiros suíço.
As sondagens davam a vitória do “não” mas mostravam que o “sim”
estava a ganhar terreno e os analistas avisavam que tudo podia acontecer. Assim
foi. A taxa de participação chegou aos 56,6%, alta como já não se via num
referendo desde 2005, quando 56,8% dos eleitores disseram “sim” aos acordos de
associação de Shengen e Dublin.
Os suíços votaram contra o que a esmagadora maioria dos partidos lhes
pediam, contra o conselho federal (Governo), onde seis dos sete membros
rejeitavam a iniciativa, contra o que os sindicatos e o patronato defendiam.
Venceu o Partido do Povo Suíço (SVP, coligação de movimentos da direita
nacionalista e populista) e a ideia de que os imigrantes - desde a entrada em
vigor da livre circulação, em 2002, chegaram anualmente à Suíça 80 mil pessoas de
estados membros - ameaçam os postos de trabalho e os salários, e provocam uma
pressão incomportável nas infra-estruturas
e no mercado de habitação.
Os "cidadãos suíços aceitaram a iniciativa popular 'contra a imigração
em massa' e pronunciaram-se assim por uma mudança de sistema na política suíça
de imigração", disse a ministra da Justiça, Simonetta Sommaruga, na conferência de imprensa que juntou
vários membros do Governo. “É uma mudança de sistema com grandes consequências
para os suíços e para as nossas relações com a UE”, notou a ministra. “É um
voto de desafio às autoridades” e “também um voto contra os meios económicos”,
concluiu.
“É um mau resultado, a Suíça precisa de boas relações com a União
Europeia”, disse Paul Rechsteiner, sindicalista e deputado do Partido
Socialista Suíço. Para a Economiesuisse, organização que reúne todas as
associações do patronato, "começa agora um período de incerta para a
economia suíça, o nue não é bom”. Durante a campanha, as organizações patronais
lembraram a burocracia e os custos administrativos do sistema de quotas que
vigorou até à livre circulação: assim é muito mais difícil conseguir, em tempo
útil, a mão-de-obra qualificada que muitas vezes não está
disponível entre os suíços.
Acordos bilaterais
O politólogo Pascal Sciarini, da Universidade de Genebra, antecipa o
“caos”, com todos os acordos que unem o país à UE a terem de ser renegociados.
“Agora, convém fazer tudo o que for possível para manter os acordos
bilaterais”, reagiu, assim que foram conhecidos os resultados, o comité de
partidos que se uniu para defender o “não” (todos menos os socialistas, que
decidiram fazer campanha sozinhos). A reacção da União Europeia permanece
incerta, dizem estes partidos, defendendo que o conselho federal deve encontrar
com Bruxelas uma solução que permita à Suíça respeitar a nova disposição
constitucional sem pôr em causa as relações bilaterais com a União.
De facto, não é ainda completamente certo como é que Bruxelas vai reagir.
Antes do referendo, não houve posição oficial, mesmo se vários responsáveis
europeus avisaram os suíços para os riscos de pôr em causa a livre circulação.
“A Suíça não pode ficar só com o que gosta”, disse Viviane Reding, comissária
da Justiça Direitos Fundamentais e Cidadania, em declarações aos media
suíços durante a campanha. A livre circulação, explicou, faz parte de um pacote
de sete acordos que tanto beneficiam a Suíça como a UE.
Este domingo, a Comissão Europeia lamentou que a iniciativa "para a
introdução de quotas sobre a imigração tenha passado" e fez saber que
Bruxelas "avaliará as implicações desta iniciativa no conjunto das
relações entre a UE e a Suíça". Segundo uma fonte europeia citada pela
AFP, se o acordo de livre circulacão
for denunciado os outros seis acordos ficarão obsoletos em
seis meses.
Estes acordos regulam a comercialização de produtos, os concursos públicos,
a agricultura, a investigação, os transportes aéreos e terrestres. A lógica é
sempre a da facilitação das trocas - com estes acordos, acabaram os controlos
veterinários especiais, e as companhias aéreas suíças passaram a ter acesso a
todas as linhas, por exemplo.
Saldo positivo
Todos os indicadores mostram que a abertura da Suíça à UE tem saldo
positivo. O desemprego manteve-se perto dos 3% - está em
3,4% para o conjunto da população e em 2% para os suíços de origem -, os salários
cresceram em média 0,6% desde 2002 (mais do que no período anterior) e a
economia do país nunca parou de crescer acima da média europeia, com
estimativas de um crescimento de 2% para 2014. Mais de metade das exportações
suíças vão para o mercado único.
Quando a livre circulação entrou em vigor, há 12 anos, a Suíça tinha 20% de
imigrantes, hoje são 23,5% (e 22% da força de trabalho) numa população de oito
milhões. Italianos e alemães são os maiores grupos, com perto de 291 mil e 284
mil pessoas. A seguir, estão os portugueses, que são quase 240 mil. E os suíços,
certa ou erradamente, temem que os recém-chegados estejam a mudar o seu
país e a sua qualidade de vida para pior.
Numa conversa com o PÚBLICO, o politólogo Lukas Golder explicou que depois
de uma grande controvérsia sobre a abertura à UE, “seguiu-se um período em que crescia a tendência a favor da livre circulação”. Nos últimos
anos, porém, a opinião geral voltou a mudar, com a direita nacionalista do SVP
a ser “muito bem-sucedida no reforço da percepção de que os imigrantes são
responsáveis por tudo o que não está bem”.
O Governo admite um problema de infra-estruturas,
por exemplo, e até aponta a livre circulação como uma das suas causas, mas
insiste que a Suiça precisa destas pessoas.
Como as sondagens já indicavam, o maior apoio ao “não” veio da Suíça
italiana, com resultados mistos na Suíça alemã e a vitória do “não” nos cantões
franceses. Ainda à espera de uma análise mais detalhada, Golder antecipa que a
iniciativa do SPV não tenha sido necessariamente mais votada onde se sentem de
facto problemas com o aumento recente da população.
O SVP, claro, celebrou. “Trata-se de uma viragem na nossa
política de imigração”, disse o presidente, Toni Brunner. O vice-presidente, Christoph Blocher, escolheu outra frase:
“Conservámos a nossa independência”.
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