OPINIÃO
RUI TAVARES 12/02/2014 -
00:40
O problema é que vivemos num tempo de absolutismos. E
os absolutismos nunca fizeram bei democracia.
Um dos debates mais estéreis na política é aquele que opõe adeptos de um
tipo de democracia contra outros tipos de democracias como se um tipo de
democracia devesse substituir todos os outros.
Alguns adeptos da democracia direta querem acabar de vez com
a democracia representativa; há adeptos da democracia constitucional que não
gostam nem de ouvir falar em democracia direta, etc. Este debate é estéril porque: a democracia serve para estruturar o
pluralismo. E não há, nem pode haver, uma única forma de estruturar o
pluralismo. Só pode haver uma pluralidade de métodos, todos eles imperfeitos,
todos eles aproximativos, a utilizar ou a evitar caso a caso, conforme a sua adequação
à falta de melhor ou a sua inadequação completa. Um método pode ser superior a
outro num determinado caso, mas nunca será superior em todos os casos.
Acontece que esta semana temos dois exemplos que deveriam dar que pensar a
quem é adepto de um método contra todos os outros.
Na Suíça tivemos um referendo que, por curta margem, decidiu limitar os
direitos de entrada dos estrangeiros naquele país. As consequências, contudo,
serão mais vastas, uma vez que grande parte dos estrangeiros vêm da União Europeia
resultará na quase certa violação dos tratados do livre circulação que a Suíça
tem com a EU. Tal como tenho afirmado aqui repentinamente em relação àqueles
que propõem uma saída do euro para Portugal, no caso da UE os tratados estão
normalmente interligados, até para um país extracomunitário como a Suíça que os
negociou em pacote ao invés de entrar na União. Não é possível para a Suíça pôr
em causa a parte que lhe interessa (livre-circulação) sem pôr em causa também
as partes que não gostaria de enjeitar (acesso ao mercado único).
Mesmo supondo informação total e sabedoria instantânea sobre tudo isto por
parte dos votantes no referendo, há evidentemente uma coisa aqui que é
perturbante (e de que se tem falado muito em Portugal): quando uma maioria
referenda os direitos de uma minoria, o mais provável é que a maioria decida
com os seus instintos e interesses, e não com justiça e sabedoria.
Mas isto, que poderia parecer uma crítica à democracia direta, deve ser comparado com o que se passou do
outro lado dos Alpes, no Tribunal Constitucional Alemão. Aí não tivemos a
multidão decidindo, mas um conjunto de sábios juízes com décadas ou até séculos
de formação jurídica entre eles e acesso à melhor informação possível sobre o
tema em análise, a saber: se o chamado “efeito Draghi” que tem aguentado o euro
com alguma estabilidade era constitucional ou não. E a decisão foi quase
igualmente má: apesar de se terem abstido de dar a última palavra, os juízes
alemães praticamente sentenciaram que o pára-quedas que tem sustentado o euro
não pode ser aberto com o apoio da Alemanha. Enquanto durar a incerteza, basta
falir um banco ou cair um governo para voltarmos aos tempos do pânico nos
mercados.
Em ambos os casos, os portugueses saíram a perder: seja os que emigraram
para a Suíça, seja os que se vão aguentando em Portugal.
O problema, contudo, não está nos cidadãos suíços nem nos juízes alemães. O
problema é que vivemos num tempo de absolutismos. E os absolutismos nunca
fizeram bem à democracia.
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