Sem imigração restavam
poucos jogadores à selecção suíça
TIAGO PIMENTEL 12/02/2014
- 21:41
Mais de metade da equipa tem raízes
estrangeiras. Que consequências terá o “sim” no referendo às quotas para
imigrantes?
Dos 50,3% de eleitores suíços que votaram a favor de imposição de quotas
para imigrantes da União Europeia, no referendo do passado fim-de-semana, quantos
serão adeptos de futebol? E, desses, quantos terão consciência das implicações
que uma tal medida teria para a selecção helvética? É que uma fatia
significativa da equipa orientada por Ottmar Hitzfeld - que se qualificou com
distinção para o Mundial 2014 ao vencer o Grupo E de apuramento sem sofrer
qualquer derrota - é constituída por filhos de imigrantes. Rejeitar a livre
circulação na União Europeia é o equivalente a sacrificar a prestação
desportiva da equipa nacional, que disputará no Brasil, pela terceira vez
consecutiva, a fase final de um Campeonato do Mundo.
A questão foi ilustrada de forma esclarecedora numa imagem do portal satírico
Extra 3, da televisão regional alemã NDR: pegando na foto da equipa que alinhou
de início num particular frente à Coreia do Sul, em Novembro de 2013, o Extra 3
apagou os jogadores cujas origens não estão na Suíça. Jogadores como Tranquillo
Barnetta, Gõkhan Inler ou Diego Benaglio “desapareceram” e sobravam apenas três
futebolistas no “onze”. “Com três homens no Mundial?”, questionava-se no
título. “O treinador [alemão] Ottmar Hitzfeld também não estaria na foto,
naturalmente! Xherdan Shaqiri, habitual titular, ficou excepcionalmente de fora
neste jogo, por isso removemos outro jogador no lugar dele”, explicava ainda o
portal alemão. O artigo, publicado no início desta semana, já tinha merecido
até ontem à noite 143 comentários. E a imagem começou a circular rapidamente
pelas redes sociais.
A neutralidade fez da Suíça um destino apelativo para a imigração ao longo do século XX, nomeadamente para os refugiados dos
conflitos nos Balcãs, na década de 1990. Isso, aliado ao forte investimento que
a Suíça fez no futebol de formação sensivelmente nessa mesma altura, está agora
a reflectir-se na composição da equipa helvética.
Sem multiculturalismo a suíça não estará
no Campeonato do Mundo, escreveu Ishaan Tharoor na revista Time, num
texto com o qual pretendia demonstrar o que há de errado com a “histeria anti-imigração
na Suíça”. “O núcleo dinâmico do futebol suíço é um produto directo de políticas
viradas para fora, que aceitaram imigrantes e acolheram os refugiados dos
conflitos nos Balcãs nos anos 1990.
Uma pequena maioria dos suíços pode estar ressentida pela incursão de
grupos tradicionalmente não-suíços na sua sociedade, mas serão poucos os que se
queixam quando Shaqiri, Inler e companhia vestem a camisola da equipa
nacional”, podia ler-se.
“Os filhos dos imigrantes, árabes, portugueses, espanhóis, sul-americanos, são um reforço importante. As segundas e
terceiras gerações estão a aparecer agora e dão outras características, como
maior criatividade”, explicava João Alves ao PÚBLICO, em 2009 -
durante três temporadas o treinador português orientou o Servette no principal
escalão do futebol helvético.
Metade da selecção
Dados do Eurostat relativos a 2012 mostram que havia na Suíça ligeiramente
mais de dois milhões de pessoas nascidas fora das fronteiras helvéticas - um
quarto da população. Mas, dentro das quatro linhas, essa percentagem é mais
elevada. Do total de 26 jogadores utilizados por Ottmar Hitzfeld durante a
qualificação para o Mundial 2014, mais de metade tem raízes fora da Suíça.
Alguns exemplos: Johan Djourou (nascido na Costa do Marfim mas que foi viver
com o pai para a Suíça quando tinha um ano e meio), Ricardo Rodríguez (filho de
pai espanhol e mãe chilena, nascido em Zurique) ou Gelson Fernandes (que
representou o Sporting em 2012-13 e nasceu em Cabo Verde).
O grupo dos jogadores com ascendência turca ou dos Balcãs é o mais
numeroso. E é aquele que, a médio prazo, pode colocar o maior desafio para a
selecção suíça. Dele fazem parte as principais figuras da equipa, como Gollan,
Inler e Xherdar Shqiri. Este último, aliás, celebrou a conquista da Liga dos
Campeões 2013-13, ao serviço do Bayern Munique, com duas bandeiras: uma da
Suíça e outra do Kosovo.
Em Janeiro, o comité de emergência da FIFA autorizou os clubes e selecções
kosovares a disputarem jogos particulares com equipas de federações
reconhecidas pelo organismo que tutela o futebol mundial. “Assim que o Kosovo
se tornar membro de pleno direito da UEFA e da FIFA, será nossa obrigação moral
abrir as portas aos jogadores que nasceram aqui ou têm origens kosovares”,
garantiu o secretário-geral da Federação kosovar, Eroll Salihu. O primeiro jogo está marcado para 5 de Março, com o Haiti.
Candidatos não hão-de faltar nos vários escalões do futebol suíço. E há
precedentes, como o jovem Amir Abrashi, que alinhou nas selecções jovens da
Suíça mas decidiu jogar pela equipa nacional da Albânia.
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