JOÃO RUELA RIBEIRO - 04/02/2014
- 08:10 (actualizado às 19:00)
Oposição e Presidente cada vez mais inflexíveis
à medida que começam a escassear vias pacíficas para a acabar com confrontos no
país.
Ao fim de 75 dias de
insurreição nas ruas de Kiev, sem precedentes desde o colapso da União
Soviética, tudo parecia mudar e tudo acabou por ficar na mesma. O Parlamento
reuniu esta terça-feira com bancadas barulhentas, gritos de “Assassinos!” e
invocações do risco de uma guerra civil. Intervalo de duas horas e 25 minutos
depois o presidente da Rada Suprema deu por encerrada a sessão.
Os deputados discutiam uma
proposta de revisão da Constituição ucraniana para repor o status quo de
2004, o que implicaria uma perda considerável dos poderes presidenciais. A
expectativa era demasiado elevada. Na véspera, Iuri Mirochnichenko, o representante
do Presidente Viktor Ianukovich, tinha deixado no ar a possível abertura do
Presidente para convocar eleições antecipadas, como forma de resgatar o país da
crise que atravessa há mais de dois meses.
O editor do jornal
ucraniano de língua inglesa Kyiv Post, falava de “um raio de esperança”. “Pela manhã, desapareceu”, observou
Brian Bonner.
Mirochnichenko veio
esclarecer as suas declarações, afirmando que essa “questão é actualmente irrelevante”. Outra declaração matinal veio desfazer o “raio de esperança”
restante. Referindo-se à revisão constitucional proposta pela oposição, Andrei
Portnov, vice-chefe da administração presidencial considerou-a uma
"tentativa fútil sem qualquer perspectiva legal".
O Parlamento chegou, uma
vez mais, a um impasse, com a oposição e os partidos que apoiam Ianukovich -
Partido das Regiões e Partido Comunista - totalmente entrincheirados nas suas
posições.
Durante a tarde, o líder do Udar (Murro), Vitali Klitschko,
deslocou-se ao edifício da Administração Presidencial para reunir directamente
com Ianukovich. Novo impasse. “O Presidente disse-me
que as mudanças
constitucionais vão demorar entre um e seis meses”, revelou o ex-pugilista, que o acusou de
“tomar uma posição irresponsável”.
Com a via parlamentar aparentemente esgotada, o futuro da
Ucrânia está cada vez mais incerto. A próxima grande decisão deverá ser a
nomeação do Governo, depois da demissão do primeiro-ministro Mikola Azarov, na semana passada. O
apaziguamento nas ruas pode depender desta decisão do Presidente Viktor
Ianukovich. Um sinal positivo seria a escolha de um Executivo tecnocrata ou que
privilegie um equilíbrio entre a oposição e a maioria. Mas, segundo a Reuters,
o mais provável será a indicação de um gabinete liderado por Andrei Kliuev,
chefe da Administração Presidencial, considerado da linha dura que esteve por
trás das violentas
cargas policiais sobre os
manifestantes.
O timing da nomeação também ainda não é
conhecido, embora seja previsível que Ianukovich queira resolver a questão do
Governo antes de se deslocar a Sochi (Rússia), para na cerimónia de abertura
dos Jogos Olímpicos de Inverno, na sexta- feira. A Rússia fez depender o acordo com a Ucrânia da formação de um
Governo do seu agrado, e Ianukovich pode aproveitar o encontro com Vladimir
Putin para lhe apresentar o seu plano.
À medida que o tempo vai passando, ambos os lados do
conflito vão coleccionando fragilidades, embora o impasse pareça favorecer mais
Ianukovich. Os jogos de poder na Ucrânia são muito determinados pelo apoio dos
oligarcas mais influentes. Um deles, Rinat Akhmetov, o homem mais rico do país,
publicou um comunicado no final de Janeiro a condenar o uso da violência sobre
os manifestante e a apelar a vias pacíficas
de resolver o conflito.
A notícia foi vista por vários analistas como importante
sinal de que as lealdades das classes mais ricas poderiam estar a mudar com o
rumo dos acontecimentos. Akhmetov fez fortuna na indústria da exploração
mineira na região de Donetsk - onde também é proprietário do clube de futebol
Shakhtar Donetsk - e impulsionou a carreira política de Ianukovich. No entanto,
“os oligarcas mantêm boas relações com a oposição como uma medida de
segurança”, explicou ao The
Guardian o analista Volodimir
Fesenko. A declaração de Akhmetov foi seguida da primeira concessão de
Ianukovich à oposição, quando convidou dois dos líderes a integrarem o Governo, algo que não é considerado
propriamente um acaso.
A oposição sofre também de pressões crescentes, sobretudo
a nível interna. Acumulam-se os indícios de que as ruas já não são controladas pelos
principais partidos e que os grupos mais extremistas pretendem ganhar protagonismo
a expensas das vias pacíficas. Exemplo disso foi o episódio recente da
resistência oferecida por membros de um grupo que ocupavam um edifício
ministerial, chegando mesmo a enfrentar parceiros da oposição. Mais
recentemente, o líder do “Sector Direito”, uma organização de extrema-direita
considerada violenta, reivindicou a participação directa nas negociações com o
Governo.
A própria natureza da coligação tripartida que compõe a
oposição começa a revelar algumas brechas. Um indício é, por exemplo, o constante
afastamento do partido nacionalista Svoboda, cujo líder ficou de fora da
proposta de Governo feita por Ianukovich e também não foi convidado para Conferência de Segurança de Munique no fim-de-semana.
Para já, a oposição tem encontro marcado esta terça-feira
com a chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, onde será certamente
discutido o plano de ajuda financeira à Ucrânia. Em preparação estará um programa de
financiamento que vai depender de
reformas políticas e económicas. No entanto Bruxelas vão esclarecer que não se
trata de um programa diferente do que já estaria acordado no âmbito da parceria
com a EU e que Ianukovich recusou em Novembro. “Não concordamos com a ideia de
que para um país se juntar a um acordo [com a UE] seja necessário pagar por
isso”, afirmou o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, citado pela
Reuters.
A possibilidade de aplicação de sanções à Ucrânia foi
suscitada nesta terça-feira pelo ministro dos Negócios Estrangeiros alemão,
Frank-Walter Steinmeier, que defendeu a sua utilização como uma “ameaça” para
que seja alcançada uma solução política para a crise. A posição de Steinmeier
suscitou alguma estranheza, uma vez que a própria chanceler Angela Merkel havia
afastado esse cenário em declarações recentes.
A diplomacia ucraniana reagiu de imediato e chamou o
embaixador alemão em Kiev. Através de um comunicado, o Ministério dos Negócios
Estrangeiros afirmou que é necessária “uma avaliação objectiva” do progresso
das negociações em curso antes de se passar à aplicação de sanções e advertiu
ainda que “as declarações provocatórias devem ser evitadas”. Varsóvia saiu em
defesa da Ucrânia, considerando que as sanções devem ser afastadas enquanto o
diálogo se mantiver.
A posição da UE tem sido a de evitar a via das sanções.
Já os EUA e o Canadá já tenham procedido à aplicação de algumas medidas nesse
sentido, na sequência dos episódios de repressão violenta das manifestações.
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