NATÁLIA FARIA 09/O2/2014
- 07:32
Os portugueses na Suíça não estão
preocupados com o referendo. Mas apontam a chegada massiva de novos imigrantes
como uma ameaça. Por isso, dizem compreender eventuais limitações no acesso à
assistência social por parte dos imigrantes.
Não acredita que o “sim” vá ganhar no referendo deste Domingo que visa
limitar que o “sim” vá ganhar no referendo de Domingo que visa limitar a
entrada de imigrantes na Suíça. Por isso, Yolanda de Carvalho, uma portuguesa a
residir à 20 anos em Tash, uma aldeia a quatro horas de Genebra, não perdeu o
sono a pensar nas suas consequências. Apesar disso, preocupa-se com o “caos
social” que a chegada diária de milhares de imigrantes à Suíça ameaça. “Em
Zermatt, que é uma das maiores estâncias de esqui, a poucos quilómetros de
Tâsch, o patrão de um hotel decidiu despedir tudo o que era pessoal antigo,
portugueses incluídos, e contratar polacos. Paga-lhes menos 70% do que pagava
aos portugueses e mantém-nos todos juntos em
casas que nem isolamento têm”.
Criou-se o chamado “dumping
salarial”. Com a chegada de novos portugueses (Portugal constitui a terceira
maior comunidade de imigrantes, a seguir à Itália e à Alemanha), mas também de
polacos, búlgaros e albaneses, entre outros provenientes dos países recém-chegados à União Europeia, aumentam os preços das
casas e o caos rodoviário e baixam os salários. “As auto-estradas, mesmo com obras recentes, não têm capacidade de escoamento. Criam-se filas de trânsito de horas”, descreve um
emigrante português em Lausanne, no blogue sonhosmilka.blogspot.pt.
Um “zoom” em Tasch, para ajudar a
perceber por que é que, apesar destas novas realidades, Yolanda não está
demasiado preocupada: “Estamos perfeitamente integrados. Aliás, somos cerca de
700, numa localidade que tem entre 1.100 a 1.200 habitantes. As pessoas
compraram casa, montaram negócios, os filhos já frequentam o ensino
universitário. Eu e o meu marido temos uma loja de fotografia. Há restaurantes,
produtos portugueses nos supermercados. É uma localidade que chega a ter 30 mil
pessoas todos os dias de férias. O desemprego é baixo”.
Em cidades como Genebra, Zurique e Lausanne, a realidade, porém, é mais
sombria.”Há cada vez mais portugueses a viver nos carros ou na estação de comboio
com temperaturas extremamente baixas às quais não estamos habituados!
Portugueses que arriscam tudo ao sair de Portugal sem dinheiro sequer para
comer ou regressar”, lê-se nos sonhosmilka.blogspot.pt.
O autor acrescenta que, como ele, muitos emigrantes já integrados têm-se posto à noite a distribuir sandes na
estação de comboio a sem-abrigo sujeitos a temperaturas de -12°C.
Mais de 318 mil
portugueses na Suíça
Só nos últimos cinco anos, chegaram à Suíça 154.731 novos emigrantes
portugueses. Segundo os indicadores suíços, que o investigador José Carlos
Marques há anos a esmiuçar os fluxos migratórios dos portugueses, analisou, em
2012, chegaram 32.965 portugueses, entre permanentes e temporários. “Penso que
a maioria foi para as profissões pouco qualificadas”, caracteriza Marques.
No final do mesmo ano, contavam-se 238.432 portugueses com
autorização de residência permanente. Se a estes somássemos os 79.752 com
autorização de permanência de curta duração, o universo subia para os 318.184
portugueses na Suíça. Compõem uma comunidade que, segundo José Carlos Marques,
“nunca teve uma imagem negativa associada”. Mas há sinais que podem preocupar.
Por exemplo: o número de portugueses a beneficiar de assistência social não
parou de aumentar nos últimos cinco anos. Fixou-se nos 10.234 no final de 2012.
Tudo somado, a equação sobre o referendo torna-se complexa. Na cabeça de Yolanda, pelo menos: “Por um lado, seria cruel
fecharem as fronteiras aos emigrantes ou seleccionarem entre os bons e os
maus. E penso que isso não vai acontecer porque os empregadores têm muito
peso junto do poder político e a eles interessa-lhes que haja muitas pessoas
dispostas a trabalhar e a servir de moeda de troca. Mas, por outro lado, se os
suíços continuarem a deixar entrar toda a gente, os cofres do país não vão
aguentar, O rombo!?
A Suíça exige 12 meses de descontos para conceder o subsídio de desemprego.
Mas a regra tem nuances.
“Imagine um pai
imigrante que trabalha e a esposa junta-se a ele sem trabalhar e têm um filho
na escola”, exemplifica Yolanda. “Se o pai ficar desempregado antes dos 12 meses, o agregado vai receber
uma ajuda do Estado para garantir que a criança continua a frequentar a escola. É uma questão de direitos humanos, mas,
para mim, esse subsídio devia cessar nos casos em que a pessoa se demitiu ou
foi despedida com justa causa. A lei devia ser modificada, não para travar a
entrada de novos imigrantes, mas para que não se pague tanto aos que já cá
estão sem vontade de trabalhar”.
“Claro que
votei ‘não’"
Até poderia ser
assim não fosse dar-se o caso de uma medida dessas ter de ser aplicada aos
suíços também, sob pena de se estar a discriminar entre suíços e europeus,
opina Alexandre Afonso, filho de emigrantes portugueses na Suíça. “O governo
suíço é obrigado a seguir as regras do tratamento igual para os trabalhadores
do mercado comum”, nota. Nasceu e cresceu na Suíça, doutorou-se em Lausanne.
Agora, Alexandre Afonso é docente no
King’s College, em Londres, e, na qualidade
de emigrante suíço, já foi chamado a votar no referendo. “Claro que votei
‘não’”, revela.
Se o “sim”
vencesse, teria de haver uma maioria no Parlamento para que, antes de
decorridos três anos, o governo suíço renegociasse com a União Europeia o contrato de livre circulação. Alexandre não
acredita que isso venha a acontecer. “O acordo sobre a livre circulação de
trabalhadores é um dos elementos centrais nas relações entre a Suíça e a União Europeia. Se fosse posto em causa, todos os acordos
bilaterais com a União Europeia seriam invalidados, o que colocaria a Suíça numa
situação problemática, nomeadamente por causa da sua dependência da mão-de-obra
europeia”. Os imigrantes representam um
quarto da mão-de-obra suíça. Por outro lado é difícil imaginar a União Europeia
a aceitar, por exemplo, que a Suíça limitasse a reunião familiar, que está garantida por
acordos internacionais”.
Apesar do “previsível ‘não’”, José Carlos Marques admite que a Suíça dê
alguns passos atrás nas políticas de integração dos imigrantes. “Se os países
não puderem controlar a entrada de imigrantes, é natural que procurem medidas
indirectas para travar esse fluxo. Em Inglaterra também se está a discutir as
limitações no acesso aos apoios sociais”, recorda. É “um passo atrás”. Porque
“os emigrantes que saem à procura de trabalho, e que são a maioria, acabam por
ser prejudicados”. Portugueses incluídos. “Começa-se a ver pessoas preocupadas
com a possibilidade de serem mandadas embora”, confirma Rita Rito, 40 anos, há
um ano na Suíça, onde trabalha numa empresa da área da electricidade. “A
senhora que faz limpeza na minha casa, e que é portuguesa também, está
desempregada há mais de um ano e a viver da Segurança Social de cá, está com
medo de ser posta porta fora”.
Com vínculo de trabalho seguro, e à espera de ver deferido o seu pedido de
autorização de permanência por mais um ano, Rita começa a ver uma Suíça
“saturada de tantos imigrantes”. “Tem sido uma loucura, todos os dias chega
gente. Apesar de ser imigrante aqui, tenho que reconhecer que limitar as
entradas é uma atitude inteligente. Uma forma de os suíços se protegerem”.
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