Janet Yellen é desde sábado a
presidente da Reserva Federal norte americana ALEX WONG/GETTY IMAGES/AFP
SÉRGIO ANÍBAL 02/02/2014 -
08:43
Janet Yellen é, desde este sábado, a nova presidente da Reserva Federal norte-americana. Recebeu de Ben Nernanke a difícil tarefa de retirar os estímulos monetários dados à economia nos Últimos anos sem desencadear nova crise
O que vai fazer Janet Yellen, a
economista que se tornou este sábado na primeira mulher a liderar um dos
grandes Bancos centrais do mundo, com os quatro biliões de dólares de activos
que a Reserva Federal (Fed) acumulou nos últimos anos para ajudar a economia norte-americana a sair da crise? Esta
é a questão que os norte-americanos - mas também os argentinos, os turcos, os húngaros e,
porque não, os portugueses - devem colocar na hora de mudança de liderança na
mais poderosa instituição financeira do Mundo.
É que os quatro biliões de
dólares que Yellen tem de gerir representam todo o dinheiro que a Fed decidiu
criar para evitar a queda da economia norte-americana e constituem agora, numa altura
em que se ensaia a recuperação, o foco da principal discussão económica do
planeta. Para alguns, são um enorme excesso que é preciso começar rapidamente a
reduzir para evitar que se formem novas bolhas especulativas e a inflação
dispare. Para outros são um estímulo necessário e talvez mesmo ainda
insuficiente para impedir que a economia norte-americana
caia na mesma
armadilha da deflação que afundou o Japão nos anos 90.
Aquilo que a Fed decidir fazer
irá determinar em larga medida a evolução das cotações das bolsas, das taxas de
juro, da taxa de inflação e de muitos outros indicadores económicos em todo o
mundo. Nos últimos meses, no final do mandato de Ben Bernanke, a Fed optou por
começar aos poucos a reduzir o ritmo a que estava a realizar compras de activos
nos mercados (a forma encontrada de injectar dinheiro na economia). Até aqui
fazia compras de 85 mil milhões de dólares ao mês, mas em Dezembro reduziu esse
montante para 75 mil milhões e na semana passada para 65 mil milhões. E os
impactos no exterior dessa pequena medida progressiva não se fizeram esperar.
Os investidores, perante a
perspectiva de uma redução da liquidez oferecida pela Fed, começaram a retirar
os seus fundos de economias emergentes, provocando quedas nas divisas mais
frágeis, onde a percepção de risco é maior, como a argentina ou a turca. O
cenário de uma crise nos mercados emergentes semelhante à vivida na Ásia no
final do século passado não está colocada de parte.
Esta imediata reacção negativa
nos mercados emergentes ao início ainda tímido da retirada de estímulos da Fed
mostra bem a dificuldade da tarefa que Janet Yellen herdou de Ben Bernanke e a
responsabilidade que foi assumida por esta economista de 67 anos.
Focada no desemprego
Numa coisa todos concordam,
dificilmente se encontraria alguém com mais experiência e currículo para
desempenhar a tarefa do que Janet Yellen. É uma veterana do sistema da Reserva
Federal nos Estados Unidos, onde ocupou diversos cargos desde os anos 70,
incluindo a vice-presidência nos dois últimos
anos. Foi líder da equipa de conselheiros económicos de Bill Clinton. Tem uma
carreira de topo a nível académico com estudos em diversas áreas da economia. É
casada com o prémio Nobel da economia de 2001, George Akerlof. E todas as
pessoas que com ela trabalharam na Fed garantem que tem uma grande capacidade
para gerar consensos (essencial já que o comité que decide a política monetária
é um órgão colegial), mas também para tomar decisões.
Que decisões serão essas, é
aquilo que nos mercados agora se tenta adivinhar.
A ideia geral é de que Janet
Yellen, na eterna disputa entre “falcões” e “pombas” na Reserva Federal vestiu
na grande maioria das vezes a pele de “pomba”. Ou seja, foi menos rígida no
combate à inflação, apoiando uma política monetária mais preocupada com os
dados do crescimento e do emprego.
Em 1995, declarou que “deixar
ocasionalmente a inflação subir mesmo quando está acima do objectivo pode ser
uma política sábia e humana”, uma frase que lhe chegaria para garantir, por si
só, um lugar no campo das “pombas” durante décadas.
Aliás, juntar a palavra “humana”
à definição de uma boa política monetária é uma característica que a nova
presidente da Fed partilha com poucos banqueiros centrais. Isso e o que parece
ser uma colocação do desemprego no centro das suas preocupações.
Alan Blinder, ex-vice-presidente
da Fed, contou, em declarações ao National
Journal, o que diz ser um exemplo da “procupação
visceral” de Yellen
com o desemprego. “Ela passou grande parte a sua carreira a estudar porque é
que o desemprego se mantém alto. Lembro-se de uma conversa na Fed nos anos 90,
quando eu era o vice-presidente e ela governadora. Tínhamos conseguido evitar que a Fed
subisse muito as taxas de juro e ela disse: se calhar salvámos 500 mil pessoas
de ficarem no desemprego”. Outro colega de Yellen na Fed, John Williams, diz
que “para ela [o desemprego] não é apenas uma abstracção e se o tentas tratar
demasiado como uma abstracção ao pé dela, ela reage”, afirma.
Em declarações recentes, a
própria Yellen descreveu o desemprego de longa duração como algo que “é
devastador para os trabalhadores e as suas famílias”, com “um peso que é
simplesmente terrível na saúde fisica e mental dos trabalhadores”. E já depois
de ter sido nomeada por Barack Obama para a presidência da Fed, disse em
relação às políticas de estímulo da Fed à economia e ao emprego que “embora
tenhamos tido progressos, ainda temos um caminho a percorrer”, defendendo que o
papel da Fed não é só manter o dólar saudável mas também “servir todos os
americanos [...] garantindo que toda a gente tem a possibilidade de trabalhar
arduamente e construir uma vida melhor”.
Estas declarações de Yellen e o
historial de decisões na Fed fazem adivinhar que, com ela ao leme, será mais difícil ver a política monetária norte-americana passar a abandonar muito
rapidamente o papel intervencionista e expansionista que tem tido desde 2008
até agora.
Yellen deverá, com toda a
probabilidade, querer ser muito cuidadosa na redução do balanço da Fed dos
actuais mais de 4 biliões de dólares para os menos de um bilião que se
registavam antes da Grande Recessão. Pelo menos enquanto a taxa de desemprego
nos EUA - que desceu de um máximo de 10% no auge da crise para os actuais 6,7%
- não cair para o nível médio nos EUA nas últimas décadas.
Quem avisa que essa redução de
estímulo é indespensável para evitar a criação de uma nova bolha especulativa
no mercado e de pressões inflacionistas nos mercados deverá ficar preocupado.
Mas se estes economistas não tiverem razão, Janet Yellen pode dizer no fim que
salvou mais alguns mihões de pessoas do desemprego. Não só nos EUA, mas em todo o
mundo.
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