JOÃO RUELA RIBEIRO - 18/02/2014
- 22:26 ( ACTUALIZADO ÀS 07:19 DE
19/02/2014)
O dia mais violento
nos protestos na Ucrânia fez pelo menos 25 mortos, segundo os números mais
actuais. A polícia anti-motim cercou e desmobilizou os ocupantes da Praça da
Independência, pondo fim a três meses de ocupação
Muito fumo, chamas, explosões e
um caos interminável. Ao fim de três meses, a polícia entrou na Praça da
Independência, local ocupado pelos manifestantes que, mesmo no momento crítico,
não deixaram de cantar o hino nacional.
A comparação entre o centro de
Kiev e um campo de batalha foi utilizada por diversas vezes nos últimos meses,
mas talvez nunca tenha sido tão certeira como na última noite. Durante o dia, a
capital ucraniana assistiu ao auge da violência entre a oposição e as forças de
segurança, com pelo menos 25 mortes confirmadas. À noite, a Praça da Independência,
símbolo máximo da luta dos manifestantes, foi cercada pelas forças anti-motim e
teve início uma batalha que ninguém queria travar, mas que ninguém conseguiu
evitar.
Estava prevista uma concentração
pacífica à frente do Parlamento com o objectivo de pressionar os deputados, que
se reuniam para discutir a revisão constitucional, e que juntou cerca de 20 mil
pessoas. No entanto, em poucos minutos o protesto tornou-se
violento. Os
manifestantes atiravam pedras, paus e cocktails molotov improvisados, e a polícia ripostava com gás
lacrimogénio e balas de borracha. Várias fotografias de balas de metal
circularam pelas redes sociais, que teriam sido utilizadas pela Berkut, a
polícia
anti-motim.
anti-motim.
Os confrontos estalaram em vários
locais do centro de Kiev. Um grupo de 200 a 300 pessoas chegou mesmo a invadir
o edifício da sede do Partido das Regiões, no poder. A polícia conseguiu
retirar os manifestantes do local ao fim de alguns minutos, mas um funcionário
do edifício acabaria por morrer, segundo um comunicado do partido.
Pelo menos 25 pessoas morreram,
incluindo nove polícias, e cerca de 300 ficaram feridas, entre manifestantes e
agentes de segurança, segundo as agências. A linha vermelha da violência nas
ruas de Kiev foi ultrapassada uma vez mais.
Ruas
perderam a paciência
O caos deste dia do “Juízo Final”
- como lhe chamou um jornalista ucraniano - que se juntou ao caos dos últimos
três meses, surgiu depois de uma fase de negociação muito lenta, em que o
Parlamento e o Presidente Viktor Ianukovich testaram a paciência das ruas.
As reivindicações da oposição
eram conhecidas desde o início do processo negocial: o retorno à Constituição
de 2004, com a consequente perda de poderes do Presidente, e a marcação de
eleições antecipadas. A estratégia de Ianukovich também era conhecida: ganhar o
máximo de tempo para tentar fortalecer o apoio de Moscovo e cansar os
manifestantes.
Foi assim que foram feitas várias
concessões à oposição, tais como a demissão do governo, o chumbo das leis
anti-protestos e a concessão de uma amnistia condicional. Mas estas eram apenas
cedências conjunturais para os manifestantes, que procuram nada menos do que a
queda de Ianukovich e do actual sistema.
As sessões parlamentares foram-se
sucedendo nas últimas semanas, sem que as verdadeiras reivindicações fossem
atendidas. No início do mês, uma pequena multidão concentrou-se
em frente ao
Parlamento. Traziam consigo uma faixa que transparecia um alerta: “Estamos
fartos de esperar.” Volodimir, um homem de 50 anos entrevistado pela AFP,
reflectia precisamente esta fadiga. “As pessoas estão cansadas de esperar pelas
emendas constitucionais, precisam de actos.”
Por trás dos receios dos
manifestantes estava também a perspectiva de que Ianukovich fosse nomear uma
personalidade da linha dura pró-russa para chefiar o governo. Na véspera,
Moscovo anunciou que ia disponibilizar a segunda tranche (cerca de 1,5
mil milhões de euros) do empréstimo que tinha acordado com Ianukovich, de mais
de 11 mil milhões. O anúncio foi visto como um estímulo para que o Presidente
nomeasse um gabinete favorável aos olhos do Kremlin. A Rússia suspendeu o apoio
económico à Ucrânia depois da queda do governo, afirmando querer aguardar pelo
novo executivo. A linha de financiamento russa surgiu depois de Ianukovich ter
rejeitado assinar um acordo comercial com a União Europeia, despertando um
protesto generalizado em Novembro a favor de uma aproximação do país à Europa.
A oposição desdobrou-se nos
últimos tempos em contactos internacionais para tentar obter um acordo
semelhante do Ocidente, mas o máximo que conseguiu foram palavras de apoio e
incentivo. Bruxelas faz depender uma possível ajuda financeira da implementação
de um rigoroso programa de reformas económicas e já recusou entrar num “leilão”
com Moscovo.
As cinzas da Maidan
O jogo da espera de Ianukovich
terminou na noite desta terça-feira da pior forma possível. Ao dia mais
violento seguiu-se a noite em que a
Praça da Independência foi tomada pela polícia numa operação “anti-terrorista”
como foi descrita pelos seus responsáveis.
A meio da batalha, o líder do
partido da oposição Udar, Vitali Klitschko, dirigiu-se
directamente aos
“países democráticos”. “O poder desencadeou uma guerra contra o seu próprio
povo, os responsáveis dos países democráticos não podem continuar inactivos”,
disse. O pedido de sempre foi repetido, mesmo durante o caos: “O único homem
que pode resolver este conflito deve convocar eleições presidenciais e
parlamentares antecipadas.”
Do lado do poder, o ministro dos
Negócios Estrangeiros, Leonid Kozhara, apelou à comunidade internacional que
condene “as forças radicais” que perpetraram “ataques armados a órgãos do
governo, incendiaram edifícios e causaram danos pesados às forças de
segurança”.
O futuro é agora incerto para a
Ucrânia. A via negociai falhou, as ruas vão estar mais inflamadas do que nunca
e parece ser difícil que as duas partes, cada vez mais polarizadas, consigam
alcançar um acordo.
A violência levada a cabo pelos
membros mais extremistas da oposição deu a Ianukovich a oportunidade de que
estava à espera desde o início dos protestos - o desmantelamento dos
acampamentos da Praça da Independência, a EuroMaidan.
Enquanto a polícia anti-motim
dispersava a multidão da Praça da Independência, em várias cidades da parte
ocidental da Ucrânia os edifícios da polícia eram invadidos, revelando, uma vez
mais, um país dividido. Uma guerra civil seria o pior dos cenários, mas será
uma ideia que poucos poderão afastar.
No espaço que simbolizou a luta
da oposição nos últimos meses apenas irá ficar muita cinza. Em cinza parecem
estar também as hipóteses de uma saída pacífica para a crise que engoliu o
segundo maior país europeu.
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