ANA DIAS
CORDEIRO
16/02/2014-21:43
Leopoldino
do Nascimento é uma das altas figuras próximas de José Eduardo dos
Santos ainda sob investigação na Procuradoria-Geral da República portuguesa. A Foreign Policy dedica-lhe longo artigo sob o título The 750 Million Dollar Man.
Leopoldino Fragoso do Nascimento é um destacado general ligado à Casa
Militar do Presidente de Angola e uma das figuras do círculo mais restrito de
José Eduardo dos Santos ainda sob investigação pela Procuradoria- Geral da
República portuguesa por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de
capitais. Em Portugal, o seu nome começou a ser notado quando surgiram as
primeiras revelações em Novembro de 2012 sobre a abertura, meses antes, dessa
investigação resultante de um alerta bancário e de denúncias do activista
angolano Rafael Marques e do académico Adriano Parreira. (Desde então, foi
feita a separação de processos e arquivada apenas a parte que dizia respeito ao
vice-presidente Manuel Vicente e ao general Higino Carneiro.) Agora o general
Leopoldino do Nascimento, figura discreta até há alguns anos, aparece como The
Million Dollar Man no título de um
extenso trabalho de investigação do jornalista Michael Weiss
publicado na revista norte-americana Foreign Policy na quinta-feira.
A história do Homem dos 750 Milhões
começa com a compra em 2010 de uma participação de 18,75% de uma empresa - Puma
Energy International - subsidiária da multinacional suíça Trafigura, terceiro
maior negociante privado de petróleo e metais, em todo o mundo, e descrita por
Michael Weiss como tendo multiplicado, nos últimos anos, interesses comerciais
lucrativos através da compra de acções em várias empresas de diferentes
sectores em Angola.
A maioria dos investimentos da
Trafigura neste país, escreve a Foreign
Policy, são geridos por uma companhia registada em Singapura, a
DTS Holdings, de que o general Dino é um dos dois directores. O outro é o
multimilionário francês Claude Dauphin. A Trafigura controla hoje a importação
de derivados de petróleo para Angola e detém
o monopólio da sua
distribuição.
A empresa é conhecida
mundialmente pelo peso que representa mas também pelas acções judiciais de que
foi alvo, como o processo instaurado no Reino Unido e que resultou no pagamento
de indemnizações de 33 mil euros a 31 vítimas do despejo de lixos tóxicos e
letais em Abidjan, na Costa do Marfim, em 2006.
Valores acrescidos
Muito mais do que esse valor está em jogo na compra das acções da Puma
Energy International de que o general Dino é beneficiário e que ascendeu a 213
milhões de dólares (164 milhões de euros). Hoje as acções que detém (que
entretanto foram diluídas e passaram a representar 15% do capital da empresa)
valem 750 milhões de dólares (cerca de 580 milhões de euros) numa empresa que a
Foreign Policy diz valer 5.000
milhões de dólares (3850 milhões de euros)
O investimento (de 213 milhões) foi feito por uma empresa, a Coehan, cujo
único accionista é a Cochan Ltd, registada nas Bahamas, paraíso fiscal
procurado pela confidencialidade das leis relativas a
empresas, nota a Foreign Policy. Daí até à conclusão de que Leopoldino
do Nascimento era o detentor de 15% das acções da Puma Energy e, por essa via,
detentor de uma fortuna de 750 milhões de dólares, foi um passo. A revista teve
acesso a uma auditoria à Cochan, ficando a saber que o proprietário da Cochan
das Bahamas é o general Dino, sendo ele também o proprietário da Cochan
registada em Singapura e detentor de 15% da Puma Energy International (subsidiária
da Trafigura).
“Onde foi um general arranjar 213 milhões de dólares para investir?”, questiona-se Michael Weiss, depois de escrever: “Os regimes revolucionários comunistas têm um estranho
hábito de se transformarem em corruptos que praticam o capitalismo selvagem, e
Angola - com as suas grandes reservas de petróleo e profusão de multimilionários - tem provado não ser excepção”. O autor
também considera que o investimento na Puma Energy “elucida sobre uma crescente
e pouco escrutinada ligação entre a Trafigura (que teve lucros de perto de mil
milhões em 2012) e o regime autocrático de Presidente José Eduardo dos Santos,
no poder desde 1979.”
Aliás, nota a revista,
muito mais do que esse valor - 750 milhões de dólares da empresa Puma Energy -
estará nas mãos do regime angolano. Já depois de vender participações ao
general Dino, a Trafigura, em 2011, vendeu 20% da Puma Energy International à
petrolífera estatal angolana Sonangol; mais tarde vendeu-lhe outros 10% por 500
milhões de dólares (385 milhões de euros), como noticiou o Financial Times
em Novembro de 2013. Conclui pois a Foreign Policy que 45% de uma
multinacional que vale 5.000 milhões “ou pertencente ao regime de Eduardo dos
Santos ou ao general Dibo”.
Além disso, muito mais
dos que 750 milhões valerá Leopoldino Nascimento, constata esta investigação: 0
general angolano, além de ser o único listado como proprietário da Cochan
Bahamas, também detém 50% da DTS Holdings, outra subsidiária da Trafigura, cuja
refinaria de petróleo valia 3,3 mil milhões de dólares em 2011, nota a revista norte-americana.
“Delfim e testa- de-ferro”
O jornalista e activista angolano
Rafael Marques já vinha, no seu site Maka Angola, chamando a atenção
para este general “bem conhecido em Angola como delfim e testa-de-ferro do
Presidente José Eduardo dos Santos”. Este sábado escreveu: “Em Angola, com
participações societárias qualificadas na UNITEL, na Biocom, na rede de
supermercados Kero, no grupo Medianova (detentora da TV Zimbo, semanário O País, e outros), o general Dino ultrapassa largamente a
fasquia de mil milhões de dólares”.
Antes, lembrara que a Lei da
Probidade, aprovada em 2010, deveria impedir figuras com cargos públicos, como
o general Leopoldino, de enriquecer por via de investimentos em interesses
privados ligados ao Estado angolano.
O ex-chefe das
Comunicações da Presidência da República foi nomeado por despacho presidencial,
de Setembro de 2010, para “consultor do ministro de Estado e chefe da Casa
Militar”, general Hélder Vieira Dias Kopelipa, outras das figuras, entre os
cerca de 20 angolanos e portugueses sob investigação em Portugal. Fonte próxima
do processo, contactada pelo PÚBLICO, garante que o cargo de consultor, como o
que ocupa o general Leopoldino, mesmo que nomeado por despacho do Presidente
José Eduardo dos Santos, não é um cargo público.
Seja como for, uma das questões
que se colocam - entre muitas outras - para o jornalista da Foreign Policy é a de conflito de interesses
quando se trata de uma empresa – a Trafigura – que vende uma parte considerável de uma companhia petrolífera
(sua subsidiária) a um alto responsável angolano e ao mesmo tempo investe no sector energético, que
é detido pelo Estado. O autor cita um investigador da Berne Declaration,
organização não governamental suíça que investiga a transparência no mundo
empresarial, e que diz não ter conhecimento “de mais nenhum país onde uma
companhia tenha tal domínio nas importações de petróleo como a Trafígura em
Angola”. Esta situação “efectivamente corresponde a ter um monopólio da
distribuição dos derivados do petróleo no país [Angola]”. E questiona: “Que
sentido tem isso de um ponto de vista angolano?”.
Para Rafael Marques, que
acrescenta que “as bombas de combustível Pumangol [da Trafigura] têm registado
uma expansão meteórica e, em breve, deverão suplantar a rede da Sonangol” em
Angola, a resposta “é muito simples” e prende-se com os imensos interesses em
jogo.
“Os acordos são firmados com a
Sonangol”, explica, “porque a Trafigura tem um acordo através da Puma Energy em
que compra petróleo à Sonangol para revender no mercado internacional”. Depois,
“refinam o petróleo e vendem-no à Sonangol” em “contratos opacos”, diz o
activista e investigador em questões de transparência, frisando que o dinheiro
que circula entre a multinacional suíça e o Estado angolano é “dinheiro
proveniente da Sonangol”, uma empresa pública.
As vantagens beneficiam a
Trafigura, que acede ao mercado “sem competição”, diz Rafael Marques, mas
também as altas figuras do Estado, “que não podendo fazer desvios [...] de
dólares directamente da Sonangol, quebram o monopólio da Sonangol, transferindo
os privilégios de uma empresa estatal para uma privada da qual são
accionistas.”
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