Com a luz verde do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o programa anterior de compra de dívida, Mario Draghi sentiu-se mais aliviado
João Silvestre e Jorge Nascimento Rodrigues 13:05 Quarta feira, 21 de janeiro de 2015
Os olhos estão todos postos na reunião do Banco Central Europeu desta quinta-feira.
A expectativa de que Mario Draghi anuncie um programa de compra de dívida pública, na linha do Quantitative Easing (QE) americano ou britânico, é cada vez maior.
A inflação está a zero, o petróleo continua a cair e a deflação espreita ao virar da esquina.
Saiba tudo o que está em causa.
1 O BCE vai mesmo avançar já com o QE?
Tudo indica que sim, depois da 'luz verde' ao programa OMT (compra de dívida no mercado, anunciado em 2012, para defender os países de ataques especulativos) dada esta semana pelo parecer do advogado geral do Tribunal de Justiça europeu.
O advogado considerou o OMT "compatível" com o enquadramento legal da União.
Não é exatamente a mesma coisa que um programa de QE mas ficou a porta aberta.
"Há uma probabilidade de 75% para que o novo programa seja apresentado na próxima reunião e de 25% para que seja anunciado sem detalhes e com a implementação adiada para mais tarde, eventualmente para março", diz-nos o analista nova-iorquino Marc Chandler.
Draghi já afirmou que o banco central poderá avançar para um tal programa mesmo sem unanimidade no conselho de governadores, ou seja, mesmo que se mantenha a oposição do Bundesbank, o banco central alemão.
Até porque a sua obrigação é ter uma inflação inferior mas próxima de 2% e isso não está a acontecer.
2 Para que serve este tipo de política?
Serve para amplificar o efeito da política monetária quando já não há margem para baixar as taxas de juro.
A taxa diretora está praticamente a zero (0,05%) desde setembro e, para continuar a estimular a economia, o BCE tem que aumentar o balanço comprando ativos. Principalmente porque o ativo do BCE está hoje muito abaixo do que foi em 2012 (ver gráfico).
A política monetária transmite-se à economia através de quatro canais principais: preço dos ativos (ações, obrigações ou outros que valorizam pela ação do banco central), do crédito (libertando fundos dos bancos para que possam emprestar), taxas de juro (descida das taxas em termos gerais na economia) e expectativas (pode melhorar o sentimento dos agentes económicos).
3 Porque são inevitáveis novas medidas?
Porque a inflação caiu para valores negativos e o alvo do BCE (2%) está cada vez mais distante.
Em dezembro, a taxa homóloga desceu para -0,2%, reforçando a ameaça de deflação, apesar das várias medidas de política monetária já adotadas.
Em entrevista ao jornal alemão "Die Welt", na quinta-feira, Draghi mostrou a sua preocupação ao lembrar que as expectativas no mercado para a taxa de inflação do próximo ano é de apenas 0,37% e para daqui a cinco anos está em 1,68% (ver gráfico com evolução das expectativas para a inflação dentro de cinco anos medida por dois métodos diferentes).
Além disso, as medidas já tomadas pelo BCE não estão a surtir o efeito pretendido.
As duas primeiras injeções de liquidez condicionadas pela concessão de crédito (conhecidas pelo acrónimo TLTRO) ficaram aquém do esperado.
E o balanço do banco está praticamente idêntico ao que era no início de 2014.
4 Qual é a dimensão do estímulo do BCE?
A Bloomberg referiu €500 mil milhões.
Com várias opções, com maior ou menor partilha política de riscos pelo conjunto dos membros do euro e com uma fatia maior ou menor de compra por parte do BCE ou descentralizadamente pelos bancos centrais nacionais.
"Tudo indica que vai optar por um programa que separe o risco de incumprimento, que ficaria nas mãos dos bancos centrais nacionais, dos riscos de mercado", refere o economista Constantin Gurdgiev, professor em Dublin.
Outro ponto em aberto é saber quem poderá beneficiar, havendo duas opções em cima da mesa: apenas os que tenham notação de crédito triplo A, o que afastaria os periféricos e a França, ou abrangendo todos os que tenham notação de 'investimento', o que excluiria a Grécia e o Chipre mas pode incluir Portugal que tem nota de 'investimento' na agência canadiana DBRS.
5 As medidas anteriores não estão a funcionar?
Até agora a liquidez injetada no sistema foi diminuta.
Desde o lançamento dos três novos programas em setembro de 2014, a intervenção do BCE somou, até 9 de janeiro, menos de €250 mil milhões.
Em particular, as duas primeiras operações de refinanciamento direcionado (TLTRO) realizadas em setembro e dezembro foram um fiasco, alocando apenas €212,5 mil milhões, quando se esperava que pudessem atingir €400 mil milhões.
Para 2015 estão previstas quatro novas operações da linha TLTRO, com a primeira a 26 de fevereiro.
Os outros dois programas de compra de ABS (asset-backed securities, que são títulos sobre ativos financeiros privados) e as designadas covered bonds (obrigações sobre créditos hipotecários e sobre o sector público), têm limitações de dimensão no mercado europeu.
Os dois anteriores programas de covered bonds, lançados em julho de 2009 e novembro de 2011, somaram um valor nominal de €76,4 mil milhões.
6 O QE pode evitar a deflação?
Não há certezas sobre os efeitos do QE na zona euro e vários especialistas têm levantado dúvidas sobre o sucesso de um programa deste tipo, principalmente se não for acompanhado pela política orçamental.
Dos canais de transmissão tradicionais, apenas o canal dos ativos pode funcionar com facilidade.
A compra de dívida pública ajuda diretamente a valorizar as obrigações dos Estados e, indiretamente, isso transmite-se à generalidade dos ativos financeiros.
Só que não chega por si só para relançar a procura.
E o problema é que o impacto da descida geral das taxas de juro no mercado está limitado pelo facto de muitos Estados, empresas e famílias estarem endividados.
Ao mesmo tempo, as expectativas sobre a procura futura levam muitas empresas a adiar investimentos.
E o crédito não está a reagir como pretendido (ver gráfico).
7 A queda do euro vai continuar?
Com o avanço do QE, o mais provável é que continue a cair.
Mais euros no mercado pressionam a sua descida.
A moeda europeia perdeu 6,1% contra um cabaz de divisas dos 19 principais parceiros comerciais da zona euro nos últimos 12 meses.
Este ano já caiu 1,6%.
Em relação à moeda norte-americana a queda foi de 3,1%, com o euro a valer atualmente menos de 1,2 dólares, um câmbio que já não se registava desde novembro de 2003.
"As atuais diferenças macroeconómicas entre a zona euro e os EUA sugerem que o euro vai evoluir para a paridade com o dólar no segundo ou terceiro trimestre de 2015", refere-nos Constantin Gurdgiev, professor do Trinity College em Dublin.
A paridade entre as duas divisas já não se observa desde o início de dezembro de 2002. Na quinta-feira, depois de o banco central suíço anunciar o fim do teto para a sua divisa contra o euro, a moeda única atingiu o valor mais baixo desde 2003.
8 Depois disto o que pode ainda o BCE fazer mais?
O leque de armamento começa a estreitar-se mas, no limite, há sempre margem para aumentar os estímulos.
Seja pelo reforço da sua magnitude - comprando mais dívida, por exemplo - seja alargando o tipo de ativos que são comprados para facilitar o 'contágio'.
De qualquer maneira, a margem do BCE é cada vez menor e cada novo programa que não é suficiente pode levar a uma situação de descrença por parte dos investidores que dificulta ainda mais a vida a Draghi.
A Reserva Federal ou o Banco de Inglaterra, por exemplo, fixaram metas e mantiveram o pé no acelerador até serem cumpridas.
Pode ser esta uma das saídas do BCE mas, ao contrário dos seus pares americano e britânico, Frankfurt não tem o mesmo espaço de manobra legal.
9 A política monetária é suficiente?
Não.
O próprio Draghi tem-se cansado de o dizer, particularmente desde a sua intervenção na conferência de Jackson Hole em agosto de 2014.
O presidente do BCE apontou claramente a importância de impulsionar a procura por meios que não são os da política monetária, mas através dos que estão nas mãos dos governantes, que dispõem da política orçamental e da realização de reformas estruturais. "Se estamos num barco com dois motores e um deles não funciona, mesmo que façamos com que o que funciona trabalhe mais, isto não nos levará mais rapidamente a bom porto, andaremos aos círculos", diz Marc Chandler.
O principal erro dos políticos europeus foi fazer um uma espécie de outsourcing ao BCE para a resolução da crise, diz-nos Daniel Stelter, presidente do think tank Think Beyond the Obvious.
Uma das boas notícias da semana foi que a Comissão Europeia propôs esta semana uma interpretação flexível das regras orçamentais, o que dá alguma liberdade à política orçamental.
10 Portugal pode ser beneficiado?
Portugal já está a ser beneficiado pelo ambiente geral de taxas de juro baixas, que permitiram, por exemplo, uma dupla emissão de 10 e 30 anos num total de €5,5 mil milhões esta semana.
Desde 2006 que o Estado português não fazia emissões a 30 anos.
Com um programa de QE, a dívida portuguesa continuará a ser beneficiada pela descida dos juros e o impacto será tanto maior quanto maiores forem as compras diretas do BCE de obrigações portuguesas.
Se os títulos nacionais forem incluídos nas compras, a descida dos juros será mais pronunciada, mas acontecerá em qualquer caso.
O que pode permitir antecipar o pagamento ao FMI e reduzir a fatura com juros.
Além disso, se o Estado pagar juros ao BCE e depois os receber, parcialmente, como dividendos, também consegue uma poupança.
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