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sábado, 24 de janeiro de 2015

Banca vai ditar (in)sucesso do programa de Draghi em Portugal

Sem surpresas, mas com riscos, o presidente do BCE apostou todos os trunfos para evitar a deflação na zona euro e garantir crescimento económico. A compra de dívida pelo BCE é impulso precioso para esses países, Portugal incluído, mas o sucesso da estratégia de Marui Dragui vai depender muito da capacidade desses mesmos países em aplicar medidas e estímulos à economia
A ESTRATÉGIA DE FRANKFURT
Rui Barroso, Filipe Alves e Luís Reis Pires
rui.barroso@economico.pt
Liquidez Portugal poderá beneficiar de compras de dívida até 28,3 mil milhões de euros. 
Banca nacional avisa, contudo, que não lhe falta liquidez - o que falta são projectos de empresas saudáveis.

Como antecipado pelo mercado, Mario Draghi colocou ontem as fichas todas na mesa para evitar que a zona euro entre em deflação e para assegurar um crescimento sustentável da economia do bloco económico. 
Mas a probabilidade de sucesso da aposta de risco do BCE, que criou divisões entre os líderes europeus, será tanto maior quanto mais apoio tiver dos governos e do sector bancário.

Os bancos centrais do Eurosistema farão compras mensais de 60 mil milhões de euros entre Março e, pelo menos, Setembro de 2016, num total de 1,14 biliões de euros, ao abrigo dos programas de compra já existente e do novo programa alargado de compra de activos que inclui dívida pública (‘quantitative easing’ QE).

As compras terão uma proporção semelhante às quotas de cada país no capital do BCE. 
Portugal tem uma quota de 2,48% pelo que poderá beneficiar de compras de 28,3 mil milhões de euros, ou mais de 1,4 mil milhões por mês. 
Mas o montante deverá ser menor já que o BCE detém entre dez a 12 mil milhões de euros de obrigações soberanas no seu balanço, que serão descontados do valor global do programa.
No entanto, haverá limites ao montante de dívida que o BCE poderá adquirir, pelo que ainda não é claro que possam ser efectuadas compras na totalidade daquela proporção.

Banca nacional relutante em aumentar crédito apesar do QE

Mas apesar das injecções de milhares de milhões de euros no sistema financeiro nacional, a banca aparenta estar relutante em fazer passar esse dinheiro para a economia real. 
“Os bancos portugueses não têm problemas de liquidez para financiar as empresas. O problema não é de liquidez, mas sim de risco de crédito de um conjunto de PME altamente endividadas, que não serão financiadas pela banca comercial”, defendeu o presidente do Banco BIC, Mira Amaral. 
Em conclusão, o banqueiro considera que o programa do BCE “não vai resolver o problema dessas empresas”.

As posições mais recentes dos banqueiros portugueses são de que não há problemas na oferta de crédito, mas sim na baixa procura e na falta de qualidade
das empresas que solicitam financiamento. 
Apenas ponderam subir de forma significativa o crédito à economia, caso exista maior crescimento económico.

O presidente da Sociedade Financeira para o Desenvolvimento (SOFID), António Rebelo de Sousa, referiu que apesar do QE ser um passo positivo, o problema é que “os bancos têm de fazer uma gestão sensata do risco da carteira de crédito e muitas empresas não têm colaterais de qualidade para obterem financiamentos”.

Uma fonte de um banco nacional, que pediu para não ser identificada, até admitiu que “a medida é positiva para a economia europeia”. 
Realçou, no entanto, que, “no caso da banca portuguesa, o problema não é a falta de liquidez para financiar a economia, mas sim a existência de bons projectos que possam ser apoiados”.

Apesar disto, o presidente do Banco BiG, Carlos Rodrigues,considera que a banca nacional vai ter mais espaço para financiar a economia com melhores condições. Também o economista da IMF, Filipe Garcia, considera que “estas medidas são um convite à concessão de mais crédito”. 
Mas ressalva que “para tal é preciso que haja procura, o que não tem acontecido”.

Mesmo a nível da zona euro, Mario Draghi constatou que “o crédito às empresas não-financeiras continua fraco” e que um dos motivos para a utilização do programa alargado de compra de activos passa por “apoiar uma melhoria adicional nos fluxos
de crédito”.

O programa de compra de dívida visa libertar os balanços dos bancos de activos de forma a que estes tenham mais liquidez para apoiar a economia, fomentando o investimento, ajudando ao crescimento de forma a espicaçar as taxas de inflação.

Draghi considera que as medidas do BCE, no seu conjunto, “deverão fortalecer a procura e apoiar o crescimento da base monetária e do crédito e, dessa forma, contribuir para o regresso das taxas de inflação para níveis próximos de 2%.

Draghi apela aos esforços dos governos

O próprio BCE considera que apesar do programa alargado de compra de activos ser uma base para o crescimento sustentado da zona euro, tem de ser apoiado pelos governos europeus que têm folga orçamental.

“As políticas orçamentais devem apoiar a recuperação económica, ao mesmo tempo que asseguram a sustentabilidade da dívida em conformidade com o Pacto de Estabilidade e Crescimento, que permanece uma âncora para a confiança”, referiu Draghi. 
Mas deixou um alerta: “Seria um grande erro se os países considerassem que a presença deste programa como um incentivo para a expansão orçamental”.

Um dos receios dos economistas com o programa do BCE é que desincentive o ritmo de reformas nos países do euro. 
“O risco dos Estados-membro adiarem as reformar num contexto de custos de
financiamento muito baixos é, na nossa perspectiva, real”, avisaram os economistas do Barclays.
A perspectiva é partilhada pelos países do Norte da Europa, que utilizaram esse argumento para se opor a mais medidas de estímulo
por parte do BCE. ■


AS CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS DA DECISÃO DE MARIO DRAGUI

Preços vão subir
Agir sobre os preços é a principal intenção de Mario Draghi com o ‘quantitative easing’. 
Com a zona euro à beira da deflação, o que o BCE quer é aumentar os preços. 
Este efeito é conseguido através de um encarecimento das importações. 
Mas também através de uma gestão de expectativas, ou seja, perante a ameaça de deflação as famílias podiam continuar a adiar decisões de compra à espera que os preços descessem. 
Agora sabem que é melhor comprar já o que necessitam. 
Por outro lado, o BCE espera que o sistema financeiro canalize essa liquidez extra para a concessão de crédito de forma a haver mais investimento e crescimento, que se traduziria numa subida dos preços.

Depósitos menos atractivos
As reduzidas taxas de juro e o euro barato, que o BCE quer promover, reduziram para quase nada a rentabilidade dos depósitos, o produto de poupança favorito dos portugueses. 
Por outro lado, as famílias que investiram as suas poupanças na Bolsa verão aumentar a sua riqueza financeira no curto e médio prazo, já que a história demonstrou que as operações de ‘quantitative easing’ ajudam a impulsionar as bolsas. 
Por outro lado, investir em dívida pública também poderá ser uma opção interessante para as famílias já que se prevê um aumento dos preços.

Menos austeridade
Com os juros da dívida pública a descer – uma tendência que já se vinha a verificar há vários meses – o Governo poderia sentir-se mais à vontade para, em ano eleitoral, aproveitar esta margem para aliviar algumas das medidas de austeridade impostas. 
A descida que se tem vindo a verificar nos prémios de risco resulta do facto de os mercados há muito anteciparem esta medida do Banco Central Europeu.

Remessas dos imigrantes
O euro caiu ontem para o mínimo de 11 meses, na casa dos 1,15 dólares. 
Para os imigrantes que enviam remessas em dólares para os seus países de origem, um euro mais barato é uma má notícia, já que o dinheiro que mandam tem menos valor noutras partes do mundo.

Crédito à habitação
A Euribor, o principal indexante da maior parte dos créditos à habitação em Portugal, será uma das mais afectadas pelo programa de compra de dívida do BCE. 
Apesar de os mercados se anteciparam a estas decisões e o nível da Euribor já estar em níveis historicamente baixos, novas descidas são uma boa notícia para as famílias portuguesas já que no momento de revisão das taxas de juro verão o custo dos empréstimos descer.


Mercado imobiliário
Com o plano de Draghi é expectável que o mercado imobiliário tenha um impulso. 
Se a banca obtém liquidez nos mercados financeiros de forma mais vantajosa poderá impulsionar o negócio de concessão de crédito aos cidadãos. 
Por outro lado, a liquidez que chegar aos grandes fundos de investimento poderá acabar investida em imóveis para rendimento, já que um edifício arrendado é um activo seguro e rentável para os grandes investidores. 
Em Portugal, o sector já está a antecipar que 2015 seja um ano de crescimento, quer em número de casas vendidas, quer em termos do valor das transacções.

Mais turismo e exportações
Outro dos efeitos de um euro mais barato, na sequência da decisão do BCE, é por um lado tornar as exportações mais competitivas, o que para as empresas é uma boa notícia e, em última análise, até se pode traduzir num aumento do emprego. 
Por outro lado, os países europeus também se tornam mais atractivos para os turistas de países fora da zona euro. 
Mas para os cidadãos da zona euro, viajar para fora da Europa fica mais caro.

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