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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Cinco perguntas e respostas para entender um acontecimento histórico

João Silvestre 
18:51 Quinta feira, 22 de janeiro de 2015
Banco Central Europeu anunciou esta quinta-feira um programa de compra de 60 mil milhões de euros por mês de dívida pública e privada. 
Arranca em março, prolonga-se até setembro de 2016 e a partilha de risco será feita entre o BCE e os bancos centrais nacionais. 
Este é um guia para entender o que acaba de acontecer - que é histórico - e como é que influencia a vida de todos nós.

QUAL É O OBJETIVO DESTE PROGRAMA?
Serve para amplificar o efeito da política monetária quando já não há margem para baixar as taxas de juro. 
Normalmente, quando precisa de estimular a economia, o banco central baixa os juros e, com isso, torna o crédito mais barato (aumentando o consumo e o investimento), ao mesmo tempo que incentiva a valorização de ativos com maior risco (como ações) e também pressiona a desvalorização da moeda. 
Só que, neste momento, a taxa diretora está praticamente a zero (0,05%) e, além disso, o sistema financeiro continua com problemas. 
A única solução é fazer um curto-circuito ao processo e injetar dinheiro diretamente através da compra de ativos, libertando quem detém esses títulos (bancos e outras entidades, como os fundos). 
A política monetária transmite-se à economia através de quatro canais principais: preço dos ativos (ações, obrigações ou outros que valorizam pela ação do banco central), do crédito (libertando fundos dos bancos para que possam emprestar), taxas de juro (descida das taxas em termos gerais na economia) e expectativas (pode melhorar o sentimento dos agentes económicos).

COMO É QUE ESTA POLÍTICA CHEGA AO BOLSO DOS PORTUGUESES?
Os portugueses são direta e indiretamente afetados por este programa do BCE. 
Em primeiro lugar porque se o objetivo do programa for cumprido e a economia recuperar, todos os cidadãos europeus saem a ganhar. 
Mais crescimento é sinónimo de menos desemprego, maiores rendimentos e até menor pressão fiscal, já que os défices tendem a reduzir-se (pelo crescimento e pela descida dos juros). 
Isso só por si são boas notícias. 
Além disso, as famílias (tal como as empresas e os Estados) são ainda beneficiadas pela descida geral de taxas de juro na zona euro. 
A taxa Euribor tem estado a cair em todos os prazos, alguns dos quais (os mais curtos) estão já negativos - e isso representa uma menor fatura mensal nos créditos que estão ligados a este indexante. 
Por outro lado, a compra de dívida portuguesa no âmbito deste programa pode rondar os €20 mil milhões. 

COMO É QUE O PROGRAMA CRIA INFLAÇÃO?
A compra de ativos tem dois efeitos imediatos: liberta fundos no sistema financeiro que podem ter outras aplicações e baixa as taxas de juro da dívida pública. 
A libertação de fundos permite dar outro destino às aplicações e isso traduz-se na valorização de ativos - como imobiliário ou ações. 
A descida das taxas de juro da dívida pública tem implicações em todas as taxas de juro de economia - como a Euribor, por exemplo -, o que acaba por ter impacto também na vida das empresas e famílias e, ao mesmo tempo, leva muitos investidores a deslocar as suas aplicações para ativos de maior risco para obterem maiores rentabilidades. 
Em simultâneo, a desvalorização da moeda encarece os produtos importados e provoca um efeito de inflação importada. 
Estes três efeitos conjugados - valorização dos ativos, estímulo à procura e inflação importada - afetam o nível de preços.

O OBJETIVO DO BCE NÃO É TER UMA INFLAÇÃO INFERIOR A 2%?
Sim, inferior mas próximo de 2%. 
Ou seja, interessa manter os preços estáveis (e o valor de referência é 2%), mas perto deste valor. 
Esta segunda parte de "próximo de" não fazia parte da formulação original e foi acrescentada em 2003 precisamente depois de a inflação ter caído e o cenário de deflação ter aparecido com uma possibilidade. 
O objetivo do BCE é garantir um nível mínimo de inflação, que é indispensável para não asfixiar o crescimento e dar espaço ao aparecimento de novas tecnologias (mais caras). Um cenário de deflação (inflação negativa prolongada no tempo) é muito difícil de inverter porque se autoalimenta: o consumo é adiado a aguardar por preços mais baixos, o investimento cai porque a procura está estagnada, as empresas não vendem e vão à falência, aumenta o desemprego e a procura continua a cair. 

QUE TIPO DE ATIVOS VÃO SER COMPRADOS?
Vai ser comprada dívida pública e de entidades europeias, onde se pode incluir o Banco Europeu de Investimento ou os fundos de resgate, que se juntam a ativos privados que estão já a ser comprados desde 2014. 
Mario Draghi não avançou a repartição entre dívida pública e privada e disse apenas que vai depender da evolução do mercado, não havendo para já um valor definido. 
Em termos de maturidade, serão entre 2 e 30 anos, havendo limites para a compra por país (33% do total de obrigações do Estado) e por título específico (25%).

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