QUE FAZER? 0 italiano que lidera
o BCE tem os olhos da Europa postos no que poderá decidir amanhã
TEXTO JOÃO SILVESTRE e JORGE NASCIMENTO
RODRIGUES
BANCO CENTRAL EUROPEU
Uma simples pesquisa
no Google Trends,
uma
ferramenta que permite analisar o volume de pesquisas no motor de busca, mostra
como a expressão quantitative easing (conhecida pelo acrónimo QE e que representa
um programa de compra de ativos pelo banco central) motivou um interesse
crescente.
Houve uma rápida
subida nas últimas semanas e os números de janeiro são os mais elevados desde 2012,
quando a Reserva Federal dos EUA lançou a terceira ronda de QE na economia norte-americana.
Quer isto dizer que é
100% certo que o Banco Central Europeu (BCE) avance com um programa de QE na
reunião de amanhã?
Não, não há certezas
quanto a isso.
Até porque apesar de a
questão estar a ser estudada, de Mario Draghi ter reafirmado que fará tudo o que for
necessário e de a probabilidade ser bastante elevada, o Conselho do BCE tem que
debater o assunto.
E são bem conhecidas
as resistências que alguns países, a começar na Alemanha e no seu Bundesbank,
têm a este tipo de políticas.
Mas estes números das
pesquisas na Internet ilustram bem o interesse e a onda que se tem vindo a
formar.
A reunião que se
realiza amanhã em Frankfurt está a marcar a semana e os mercados de dívida
estão ao rubro com os investidores a procurar valores refúgio na Europa e a
ocorrer em massa a emissões de dívida em países periféricos do euro.
A expectativa de que Draghi anuncie
amanhã um programa de compra de dívida pública é enorme.
Vários órgãos de
informação internacionais avançaram esta tarde que o que está em cima da mesa é uma compra de dívida
a um ritmo de €50 mil milhões por mês durante um período entre um e dois anos.
A este ritmo, o pacote
de estímulo (quantitative easing, QE, como é conhecido no jargão económico)
deverá somar entre €600 mil milhões e €1,2 biliões.
Para muitos
investidores, não parece haver grandes dúvidas que o BCE vai mesmo avançar e o
que falta saber são os detalhes do programa, nomeadamente a sua dimensão,
duração, tipo de dívida visada (se existe um rating mínimo, por exemplo) ou,
entre outras coisas, se o risco é partilhado com compras através do BCE ou se
cada banco central nacional adquire os títulos do seu país.
Neste momento, a taxa
da dívida a 5 anos está em terreno negativo na Alemanha (-0,029%) e na
Dinamarca (-0,035%) e, no caso da Suíça, a rentabilidade é negativa até no
prazo de 10 anos (-0,104%), único caso no mundo.
Portugal tem, neste
momento, uma taxa de 2,5% a 10 anos e também está a beneficiar da onda de
descida dos juros na Europa e que se deve, por um lado, à expectativa de uma intervenção do
BCE mas também, por outro lado, à reduzida taxa de inflação.
O QE ISTO?
O BCE VAI MESMO
AVANÇAR JÁ COM O QE?
Tudo indica que sim e
os mercados não parecem acreditar noutra coisa.
Depois da 'luz verde’
ao programa OMT (compra de dívida no mercado, anunciado em 2012, para defender
os países de ataques especulativos) dada na semana passada pelo parecer do
advogado geral do Tribunal de Justiça europeu.
O advogado considerou
o OMT "compatível" com o enquadramento legal da União.
O OMT não é exatamente
a mesma coisa que um programa de QE mas ficou a porta aberta.
"Há uma
probabilidade de 75% para que o novo programa seja apresentado na próxima
reunião e de 25% para que seja anunciado sem detalhes e com a implementação
adiada para mais
tarde,
eventualmente para março", diz-nos o analista nova-iorquino Marc Chandler.
Draghi já afirmou que
o banco central poderá avançar para um tal programa mesmo sem unanimidade no
conselho de governadores, ou seja, mesmo que se mantenha a oposição do
Bundesbank, o banco central alemão.
Até porque a sua
obrigação é ter uma inflação inferior mas próxima de 2% e isso não está a
acontecer.
PARA QUE SERVE ESTE
TIPO DE POLÍTICA?
Serve para amplificar o
efeito da política monetária quando já não há margem para baixar as taxas de
juro.
A taxa diretora está praticamente a zero (0,05%) desde
setembro e, para continuar a estimular a economia, o BCE tem que aumentar o
balanço comprando ativos.
Principalmente porque o
ativo do BCE está hoje muito abaixo do que foi em 2012 (ver gráfico).
A política monetária
transmite-se à economia através de quatro canais principais: preço dos ativos
(ações, obrigações ou outros que valorizam pela ação do banco central), do
crédito (libertando fundos dos bancos para que possam emprestar), taxas de juro
(descida das taxas em termos gerais na economia) e expectativas (pode melhorar o
sentimento dos agentes económicos).
PORQUE SÃO INEVITÁVEIS
NOVAS MEDIDAS?
Porque a inflação caiu
para valores negativos e o alvo do BCE (2%) está cada vez mais distante.
Em dezembro, a taxa
homóloga desceu para -0,2%, reforçando a ameaça de deflação, apesar das várias
medidas de política monetária já adotadas.
Em entrevista ao
jornal alemão "Die Welt", na quinta-feira passada, Draghi mostrou a
sua preocupação ao lembrar que as expectativas no mercado para a taxa de inflação do próximo
ano é de apenas 0,37% e para daqui a cinco anos está em 1,68%.
Além disso, as medidas
já tomadas pelo BCE não estão a surtir o efeito pretendido.
As duas primeiras
injeções de liquidez condicionadas pela concessão de crédito (conhecidas pelo
acrónimo TLTRO) ficaram aquém do esperado.
E o balanço do banco
está praticamente
idêntico
ao que era no início de 2014.
QUAL É A DIMENSÃO DO
ESTÍMULO DO BCE?
A Bloomberg referiu €500 mil
milhões.
Com várias opções, com
maior ou menor partilha política de riscos pelo conjunto dos membros do euro e
com uma fatia maior ou menor de compra por parte do BCE ou descentralizadamente pelos bancos centrais
nacionais.
"Tudo indica que
vai optar por um programa que separe o risco de incumprimento, que ficaria nas mãos
dos bancos centrais nacionais, dos riscos de mercado", refere o economista
Constantin Gurdgiev, professor em Dublin.
Outro ponto em aberto
é saber quem poderá beneficiar, havendo duas opções em cima da mesa: apenas os que tenham
notação de crédito triplo A, o que afastaria os periféricos e a França, ou
abrangendo todos os que tenham notação de 'investimento', o que excluiria a
Grécia e o Chipre mas pode incluir Portugal que tem nota de 'investimento' na
agência canadiana DBRS.
AS MEDIDAS ANTERIORES
NÃO ESTÃO A FUNCIONAR?
Até agora a liquidez
injetada no sistema foi diminuta.
Desde o lançamento dos
três novos programas em setembro de 2014, a intervenção do BCE somou, até 9 de
janeiro, menos de €250 mil milhões.
Em particular, as duas
primeiras operações de refinanciamento direcionado (TLTRO) realizadas em
setembro e dezembro foram um fiasco, alocando apenas €212,5 mil milhões, quando
se esperava que pudessem atingir €400 mil milhões.
Para 2015 estão
previstas quatro novas operações da linha TLTRO, com a primeira a 26 de
fevereiro.
Os outros dois
programas de compra de ABS (asset-backed securities, que são títulos sobre
ativos financeiros privados) e as designadas covered bonds (obrigações sobre
créditos hipotecários e sobre o sector público), têm limitações de dimensão no
mercado europeu.
Os dois anteriores
programas de covered bonds, lançados em julho de 2009 e novembro de 2011,
somaram um valor nominal de €76,4 mil milhões.
O QE PODE EVITAR A
DEFLAÇÃO?
Não há certezas sobre
os efeitos do QE na zona euro e vários especialistas têm levantado dúvidas
sobre o sucesso de um programa deste tipo, principalmente se não for
acompanhado pela política orçamental.
Dos canais de
transmissão tradicionais, apenas o canal dos ativos pode funcionar com
facilidade.
A compra de dívida
pública ajuda diretamente a valorizar as obrigações dos Estados e,
indiretamente, isso transmite-se à generalidade dos ativos financeiros.
Só que não chega por
si só para relançar a procura.
E o problema é que o
impacto da descida geral das taxas de juro no mercado está limitado pelo facto de
muitos Estados, empresas e famílias estarem endividados.
Ao mesmo tempo, as
expectativas sobre a procura futura levam muitas empresas a adiar
investimentos.
E o crédito não está a
reagir como pretendido.
A QUEDA DO EURO VAI CONTINUAR?
Com O avanço do QE, o
mais provável é que continue a cair.
Mais euros no mercado pressionam
a sua descida.
A moeda europeia
perdeu 6,1% contra um cabaz de divisas dos 19 parceiros comerciais da zona euro
nos últimos 12 meses.
Este ano já caiu quase
2% e, em relação à moeda norte-americana, a queda ultrapassa 3,1%, com o euro a
valer actualmente menos de 1,2 dólares, um câmbio que já não se registava desde
2003.
“As actuais diferenças
macro-económicas entre a zona euro e os EUA, sugerem que o euro vai evoluir
para a paridade do dólar no segundo ou terceiro trimestre de 2015”, refere-nos
Constantin Gurdgieva, professor do Trinitry College em Dublin.
A paridade entre as
duas divisas já não se observa desde o início de dezembro de 2002.
Na quinta-feira,
depois do Banco Central Suíço anunciar o fim do tecto para a sua divisa contra
o euro, a moeda única atingiu o valor mais baixo desde 2003.
DEPOIS DISTO O QUE PODE AINDA O BCE FAZER MAIS?
O leque de armamento
começa a estreitar-se mas, no limite, há sempre margem para aumentar os
estímulos.
Seja pelo reforço da
sua magnitude – comprando mais dívida, por exemplo – seja alargando o tipo de
activos que são comprados para facilitar o ‘contágio’.
De qualquer maneira, a
margem do BCE é cada vez menor e cada novo programa que não é suficiente pode
levar a uma situação de descrença por parte dos investidores que dificulta
ainda mais a vida de Dragui.
A Reserva Federal ou o
Banco de Inglaterra, por exemplo, fixaram metas e mantiveram o pé no aceleradoraté
serem cumpridas.
Pode ser esta uma das
saídas do BCE, mas ao contrário dos seus pares americano e britânico, Frankfurt
não tem o mesmo espaço de manobra legal.
A POLÍTICA MONETÁRIA É SUFICIENTE?
Não.
O próprio Dragui
tem-se cansado de o dizer, particularmente desde a sua intervenção na
Conferência de Jackson Hole em agosto de 2014.
O presidente do BCE
apontou claramente a importância de impulsionar a procura por meios que não são
os da política monetária, mas através dos que estão nas mãos dos governantes,
que dispõem da política orçamental e da realização de reformas estruturais.
“Se estamos num barco
com dois motores e um deles não funciona, mesmo que façamos com que o que
funciona trabalhe mais, isto não nos levará mais rapidamente a bom porto,
andaremos aos círculos, diz Daniel Stelter, presidente do think tank Think
Beyond The Obvius.
Uma das boas notícias
da semana passada foi que a Comissão Europeia propôs uma intervenção flexível
das regras orçamentais, o que dá alguma liberdade à política orçamental.
PORTUGAL PODE SER BENEFICIADO?
Portugal está a ser
beneficiado pelo ambiente geral de taxas de juro baixas, que permitiram, por
exemplo, uma dupla emissão de 10 e 30 anos num total de €5,5 mil milhões na
semana passada.
Desde 2006 que o
estado português não fazia emissões a 30 anos.
Com um programa de QE,
a dívida portuguesa continuará a ser beneficiada pela descida dos juros e o
impacto será tanto maior quanto maiores forem as compras directas do BCE de
obrigações portuguesas.
Se os títulos
nacionais forem incluídos nas compras, a descida dos juros será mais
pronunciada, mas acontecerá em qualquer caso.
O que pode permitir
antecipar o pagamento ao FMI e reduzir a factura com juros.
Além disso, se o Estado
pagar juros ao BCE e depois os receber, parcialmente, como dividendos, também
consegue poupança.
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