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quinta-feira, 8 de maio de 2014

Uma pausa na escalada?

COMENTÁRIO
JORGE ALMEIDA FERNANDES 08/05/2014 - 07:33
No dia dos confrontos e das dezenas de mortos em Odessa, o primeiro-ministro ucraniano, Arseni Iatseniuk, anunciou o começo dos “10 dias mais perigosos desde a independência”. Referia-se ao crescendo da tensão no Leste e no Sul da Ucrânia e ao referendo de autodeterminação previsto para domingo, dia 11, imposto pelos separatistas de Donetsk. Os enviados ocidentais sublinhavam entretanto a rapidez com que o país prosseguia a corrida para o caos e facilidade com que se estava a desenvolver uma “mentalidade de guerra civil”.

É neste quadro que Vladimir Putin apela ao adiamento do referendo separatista. Significará uma travagem da escalada e não uma inflexão estratégica. O Kremlin exige, em contrapartida, que Kiev suspenda as acções militares no Leste e no Sul. O governo ucraniano deslocou forças para as regiões críticas mas sem desencadear verdadeiras acções ofensivas, tanto por incapacidade militar como pelo temor de um banho de sangue.

Dois meses após a ocupação da Crimeia, a política de desestabilização da Ucrânia é um êxito para Moscovo. Segundo uma análise do Conselho do Atlântico, Putin pôs em acção “um novo tipo de guerra”, baseado numa propaganda maciça e na acção de redes ucranianas pró-russas enquadradas por agentes de serviços de segurança russos. Por fim, a estratégia de federalização da Ucrânia, que visa garantir a influência russa, continua inexoravelmente em marcha.

Uma derrapagem que aproximasse o país da guerra civil suscitaria a hipótese de uma intervenção militar russa — através de uma “força de paz” para congelar a situação do terreno. Putin está refém das expectativas nacionalistas que suscitou na Rússia e entre os russófilos ucranianos.

O exemplo de Odessa
Num “cenário do pior”, nem todos os trunfos estariam do lado de Moscovo. Mesmo no Leste, o separatismo continua a ser uma acção de minorias. A maioria permanece “silenciosa”. O referendo de Donetsk poderia revelar-se um fiasco.

A tragédia de Odessa deu a Moscovo um dramático tema de propaganda — a “imolação” de russófilos “atacados por fascistas” — mas também mostrou o risco da perda de controlo dos acontecimentos. Revelou ainda uma forte e inequívoca oposição à divisão do país. Ao contrário de Donetsk, em Odessa os partidários da unidade nacional têm força e parecem mobilizados. Anota a analista russa Lilia Shevtsova, uma radical crítica de Putin: “Talvez os acontecimentos de Odessa assinalem um ponto de viragem — indicando que a própria sociedade ucraniana quer travar a fragmentação do país. Em certo sentido, Odessa salvou Kiev.”

Moscovo tem a força mas corre o risco de radicalizar o nacionalismo ucraniano. Uma intervenção armada teria um preço elevado, no terreno e no plano diplomático. Não seria a “operação low cost” da Crimeia.

Moscovo continua a dispor de poderosas “alavancas” políticas e económicas para enfraquecer e influenciar a Ucrânia mas é politicamente vulnerável, sublinham analistas. Se tem meios de pressão, pouco de atractivo tem a oferecer à grande maioria dos ucranianos. Por isso, a estratégia mais vantajosa consiste em intimidar, dividir e enfraquecer a Ucrânia.

O próximo teste será a realização da eleição presidencial, que os russófilos podem tornar impossível no Leste. Nas declarações de ontem, Putin escolheu a ambiguidade, “aconselhando” uma mudança constitucional antes das presidenciais.

Do lado de Kiev
As presidenciais de 25 de Maio continuam a ser encaradas por Kiev, e pelos ocidentais, como um marco essencial para a legitimação das novas autoridades. Mas será uma legitimação parcial e pouco efectiva em termos de governação. Vários analistas e políticos ucranianos consideram indispensável uma antecipação das eleições legislativas. A reintrodução, em Fevereiro, do modelo semi-presidencial da Constituição de 2004 significa uma forte limitação dos poderes Presidenciais e a supremacia do Parlamento. Por fim, mantém-se a perspectiva de um boicote no Leste e a exigência de um referendo sobre a federalização do país e a autonomia das regiões.

A qualidade dos principais candidatos — o oligarca Petro Porochenko e a antiga primeiro-ministra Iulia Timochenko, também ela antiga oligarca — não entusiasma nem dá segurança aos ucranianos. O sistema político não foi reformado pelo Euro-Maidan. As jovens elites que o desencadearam não tiveram uma tradução política. O corrupto modelo oligárquico continua em vigor. Os enviados a Kiev dão conta do desencanto da população.

A par da ameaça russa, os ucranianos têm outra preocupação imediata: a rápida deterioração da situação económoca-social. Continua a ignorar-se a dimensão da ajuda económica ocidental. A Europa continua dividida.


Convém no entanto relembrar que a dependência da Ucrânia não se deve apenas ao poderio do vizinho russo mas também à completa falência das suas elites na reforma da economia e do sistema político.

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