Polícia montou cordão de segurança em torno do edifício incendiado
RITA SIZA 03/05/2014 -
19:35
Violência na terceira cidade ucraniana, junto ao Mar Negro, matou 46
pessoas. “O que está a acontecer no país não é uma revolta passageira, é uma
guerra”, considera o responsável da unidade anti-terrorismo
Os candidatos à presidência da
Ucrânia acorreram neste sábado para Odessa, a terceira maior cidade do país, e
que acordou praticamente em estado de sítio depois de uma batalha campal entre
claques de futebol apoiantes do Governo de Kiev e activistas pró-russos, que culminou
no incêndio do edifício onde se refugiaram os separatistas. O conflito fez pelo
menos 46 mortos - a maior parte das vítimas sucumbiu ao fogo, mas várias foram mortalmente
atingidas a tiro. O Governo decretou dois dias de luto.
Os sinais da violência da véspera
estavam por todo o lado. Nas imediações da central sindical que foi ocupada
pelos rebeldes, sentia-se um cheiro intenso a querosene: aparentemente, o fogo deveu-se ao arremesso de cocktails molotov. Perfilado à volta do edifício, um cordão de polícias de
choque resistia aos insultos de uma multidão pró-russa.
Segundo os serviços de segurança
da Ucrânia (SBU), nos confrontos de sexta-feira estiveram envolvidos “grupos
paramilitares e mercenários da Transnístria”, uma província da Moldávia, que
estarão a soldo dos rebeldes pró-russos. “Os incidentes do dia 2 de Maio em
Odessa, que fizeram dezenas de vítimas, resultaram da interferência
estrangeira”, resumiu a porta-voz da SBU, que apontou o antigo vice
primeiro-ministro Sergei Arbuzov e o ex-ministro das Finanças, Alexander Klimenko,
como os financiadores das manobras para
desestabilizar a região do mar Negro.
O ex-pugilista
Vitali Klitschko,
líder do partido Udar (Murro), apareceu com Petr Poroshenko, o candidato à
presidência que lidera as sondagens para as eleições marcadas para 25 de Maio.
A sua adversária política Iulia Timoshenko, foi para a cidade logo na
sexta-feira à noite. Os principais protagonistas políticos da Ucrânia “unida”
esforçaram-se por transmitir a ideia de um ataque injustificado e orquestrado
pela Rússia. “O desastre poderia ter sido evitado”, disse Poroshenko, acusando
a polícia de Odessa de inacção. “Esta tragédia foi produzida pelo Kremlin, que
está a tentar criar um cenário jugoslavo para retalhar o país”, atacou
Timoshenko.
Em Odessa, como em Donetsk, Slaviansk e Kramatorsk - onde
violentos confrontos entre o Exército ucraniano e as forças rebeldes pró-russas
se prolongavam pelo segundo dia consecutivo -,
cada vez é mais difícil iludir ou disfarçar o ambiente de desagregação
iminente que paira no ar. “O que está a acontecer na região de Donetsk e no
Leste do país não é nenhuma espécie de revolta passageira: é uma guerra”,
resumiu à Reuters o responsável pela unidade anti-terrorismo da Ucrânia, Vasil
Krutov.
Como Timoshenko, os veteranos
repórteres de guerra europeus diziam neste sábado que já tinham visto este
filme: há mais de 20 anos, quando a união das repúblicas que formam hoje a ex-Jugoslávia
entrou em colapso. “Mas desta vez, a grande potência com poder e influência é o
vizinho do lado”, distinguia Jeremy Bowen, da BBC.
A Rússia negou qualquer
responsabilidade na violência de sexta-feira (até agora o dia mais sangrento
desde o início da sublevação separatista) e insistiu que a multiplicação de
incidentes em vários pontos do país, é a prova irrefutável de que a Ucrânia não
está em condições de realizar eleições no final do mês. “A ideia é absurda”,
considerou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
Em declarações à Reuters, o
assessor sublinhou que Moscovo tem recebido “milhares” de pedidos de
assistência da população ucraniana que fala russo. “As pessoas pedem apoio,
estão desesperadas. Naturalmente, estes pedidos são transmitidos ao
Presidente”, informou Peskov. Pelo seu lado, os aliados ocidentais têm apelado
ao Kremlin para “refrear” os ânimos dos separatistas ucranianos - no entanto,
como admitiu o porta-voz de Putin, as autoridades russas perderam a sua
capacidade de influenciar as acções dos militantes armados. “Esse elemento é
absolutamente novo para nós”, frisou.
Em mais um telefonema para
debater os últimos desenvolvimentos da crise ucraniana, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, repetiu
que Moscovo tem deixar de colaborar com os separatistas e respeitar a
integridade territorial do país vizinho. Na resposta, o seu homólogo russo,
Sergei Lavrov, disse que o Ocidente devia pressionar o Governo interino de Kiev
a desistir da ofensiva militar no Leste, que “ameaça mergulhar o país num
conflito fraticida”.
Em Slaviansk e Kramatorsk, a
operação militar para dominar os separatistas e recuperar o controlo dos
edifícios tomados pelos rebeldes foi “reactivada” nas primeiras horas da
madrugada, informou o ministro do Interior, Arsen Avakov, que garantiu que as
tropas ucranianas “não vão parar de avançar”.
Logo pela manhã, as forças
nacionais reclamaram um sucesso: a libertação dos sete observadores
internacionais da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE),
que foram para a Ucrânia avaliar o respeito pelos termos do acordo de cessar-fogo negociado em Genebra
e subscrito pela Ucrânia, Rússia, União Europeia e Estados Unidos, no dia 17 de
Abril, depois de três meses de hostilidades.
Os homens da OSCE foram
sequestrados pelas forças pró-russas e mantidos durante oito dias - a sua
libertação, que foi negociada por um enviado de Putin à região e anunciada pelo
líder dos rebeldes de Slaviansk, Viacheslav Ponomarev, como um
“acto humanitário voluntário”, vem contrariar a acepção do Kremlin de que não
controla as movimentações dos separatistas.
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