Trabalhadores da Metinvest acompanham a polícia e limpam as ruas da cidade
ALEXANDRE
MARTINS 16/05/2014 -
14:21
O oligarca Rinat
Akhmetov entrou de forma decidida na
crise ucraniana,
pondo-se ao lado do Governo interino. Milhares de trabalhadores das suas
empresas patrulham, desarmados, uma das cidades ocupadas pelos separatistas.
Durante mais de um
mês, as ruas da cidade de Mariupol fizeram parte do mapa sangrento que começou
a ser desenhado no Leste da Ucrânia depois da anexação da Crimeia pela Rússia.
Poucos esperavam que o cenário se alterasse de um momento para o outro, mas foi
isso mesmo que aconteceu: bastou uma ordem disfarçada de apelo ditada pelo
oligarca Rinat Akhmetov para que dezenas de milhares de mineiros e
trabalhadores da siderurgia, todos incluídos na sua folha de pagamento,
formassem um verdadeiro exército e começassem a limpar e a patrulhar as ruas,
expulsando as milícias pró-russas dos edifícios que tinham ocupado.
Poucos dias depois do
referendo sobre o estatuto de Donetsk, que levou os separatistas a
pedirem informalmente a integração na Federação Russa, os ventos podem ter
começado a mudar na região, soprados pelos receios económicos do homem mais
rico da Ucrânia.
Na quarta-feira,
Rinat Akhmetov, outrora apoiante e financiador do Presidente Viktor Ianukovich
e do seu Partido das Regiões, revelou publicamente o resultado da equação que
lhe tinha sido apresentada pela crise política no país. Apesar de ser conhecido
pela aversão às câmaras de televisão, Akhmetov entrou nas casas dos ucranianos
durante quatro minutos para anunciar que estava definitivamente ao lado da
"Ucrânia unida" e dos projectos do Governo interino para uma maior
autonomia - ele que continua a oscilar entre a desconfiança e a fúria dos
manifestantes que ocuparam a Praça da Independência e que acabaram por levar à
deposição de Ianukovich.
No mesmo dia,
milhares de trabalhadores da poderosa Metinvest, uma das cinco maiores
fabricantes de aço do mundo, começavam a patrulhar, desarmados, as ruas de
Mariupol ao lado dos agentes da polícia local. Grupos constituídos por seis a
oito trabalhadores e dois polícias percorrem agora a cidade, para assegurarem a
ordem pública, mas também para deixarem as ruas como elas estavam antes do
início da crise - sem pneus empilhados, sem sacos de areia, e sem combatentes
determinados a arrancar uma parte do mapa da Ucrânia.
Para além de
Mariupol, Rinat Akhmetov despertou também o seu exército de trabalhadores em
outras cidades da região de Donetsk, segundo o relato do enviado do jornal norte-americano New York Times, mas em nenhuma delas com o mesmo
sucesso. Slaviansk, o bastião dos
separatistas, continua a resistir a todas as investidas das tropas fiéis a Kiev, e não dá
sinais de tremer perante as mais recentes milícias no campo de batalha emque se
transformou o Leste da Ucrânia.
O facto de o homem
mais rico da Ucrânia - e um dos 100 mais ricos do mundo, com uma fortuna
avaliada em mais de 12 mil milhões de dólares (quase nove mil milhões de
euros), segundo a revista Forbes - ter finalmente entrado na
batalha entre Kiev e Moscovo não é propriamente uma surpresa. Mas a forma
directa e decidida como o fez indica que a crise política no país está a pôr em
risco o seu império e, como ele e os seus administradores fizeram questão de
sublinhar, os postos de trabalho de quase 300.000 ucranianos.
"Ninguém quer
que a região de Donetsk se transforme numa espécie de zona cinzenta, sem
reconhecimento internacional. Isso seria muito doloroso para nós", disse à
agência Reuters o director-geral de uma das fábricas da Metinvest, Iuri
Zinchenko.
O risco de que a
autoproclamada República Popular de Donetsk se junte a entidades como a
Abkházia, na Geórgia, ou a Transnístria, na
Moldova, na lista de territórios fechados à maior parte do resto do mundo, é
grande de mais para os interesses de Rinat Akhmetov, que gere um império
assente nas exportações.
Um risco que aumenta
à medida que o tempo passa e Moscovo não responde ao pedido dos líderes
separatistas para que a República Popular de Donetsk seja integrada na Rússia.
Ao contrário do que
aconteceu com a Crimeia, a Rússia tem dado mostras de não querer enterrar-se até ao pescoço no
Leste da Ucrânia - uma coisa é desestabilizar a região, como acusam as novas
autoridades de Kiev, os Estados Unidos e a União Europeia, e outra é repetir a
estratégia seguida na península.
Depois de o
Presidente russo, Vladimir Putin, ter apelado ao adiamento do referendo de
domingo passado, sem sucesso, o porta-voz do Ministério dos Negócios
Estrangeiros veio dizer nesta sexta-feira que Moscovo ainda não recebeu um
pedido oficial por parte dos separatistas.
"Não tenho
conhecimento de que tenha sido enviado um pedido oficial, apesar de os media
terem especulado muito sobre isso", afirmou Alexander Lukashevich.
O responsável
sublinhou que a Rússia está mais interessada "no lançamento de um diálogo
abrangente entre os ucranianos, com assistência internacional, sobre os
caminhos para a futura estrutura do Estado da Ucrânia".
Mas o principal teste
ao futuro da Ucrânia está a pouco mais de uma semana de distância, e tudo pode
ainda acontecer até lá - ninguém sabe ao certo se o exército de trabalhadores
de Rinat Akhmetov será suficiente para travar o separatismo no Leste do país,
mas as notícias do regresso da calma a Mariupol vieram acompanhadas de indícios
de dissensões entre os pró-russos.
Um dos homens que
liderou a ocupação da câmara da cidade, German Mandrakov, disse à agência
Associated Press que os seus homens foram "forçados" a abandonar o
edifício.
"Toda a gente
fugiu. Alguém está a tentar semear a discórdia entre nós, alguém assinou alguma
coisa, mas nós vamos continuar com a nossa luta", disse Mandrakov.
Pelo menos por
enquanto, os milhares de braços que Akhmetov enviou para Mariupol parecem estar
a ganhar terreno. Nesta sexta-feira, a porta-voz da polícia local, Iulia
Lafazan, falou numa "melhoria drástica" da situação desde que os
homens da Metinvest começaram a patrulhar a cidade.
Entre eles há várias
tendências em relação ao conflito - muitos não apoiam o Governo interino de
Kiev, mas o receio de perderem o trabalho fala mais alto.
“Toda a gente tem
direito à sua opinião mas não no trabalho. No trabalho, temos de fazer o que a
fábrica exige”, disse ao The New York
Times um dos chefes de turno da Metalúrgica Illitch de Mariupol, Sergei
Istratov.
Uma convicção
partilhada por Iuri Rizhenkov, director executivo da Metinvest: "A coisa
mais importante que nós temos é a fábrica. Se tivermos a fábrica, temos postos
de trabalho, salários e estabilidade familiar."
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