Powered By Blogger

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Rússia torna obsoletos conceitos de defesa ocidentais

OPINIÃO
JOSÉ LOUREIRO DOS SANTOS 16/05/2014 - 03:07
Putin está determinado a agir pela força para recuperar as vantagens geopolíticas perdidas.

A crise da Ucrânia foi desencadeada pela Rússia, na sequência e como resposta à iniciativa alemã de controlar o importante espaço geopolítico ucraniano, ao financiar os extremistas que fizeram a revolta em Kiev e derrubaram o Presidente Ianukovich, afecto à Rússia.

Putin considerou que era o momento oportuno para tirar partido e explorar as vulnerabilidades dos países europeus, resultantes de terem tentado resolver a crise financeira e económica em que se encontram mergulhados, também pela eleição da sustentabilidade financeira como factor prioritário para estabelecer os respectivos sistemas de forças militares, em vez do ambiente estratégico envolvente, ou seja, das ameaças prováveis e tendência da sua evolução.

Tal erro de enquadramento assentava principalmente na convicção de que a Rússia nunca mais tentaria recuperar as condições geopolíticas que ganhara à custa da Segunda Guerra Mundial e perdera no fim da Guerra Fria, pois não veria como ameaça a expansão da NATO em direcção às suas fronteiras, já que seria uma expansão de natureza benigna... Tudo hipóteses dos peritos da NATO baseadas no discurso que eles próprios construíam para justificar a continuação da aliança, agora em acções fora de área, uma vez que deixara de ser necessária a missão essencial para a qual fora criada – a defesa colectiva face ao poder russo.

De acordo com estes pressupostos, o Conceito Estratégico da NATO foi sucessivamente modificado sem considerar Moscovo como ameaça a recear, voltando as suas missões para a defesa cooperativa sobre focos de conflito que apresentassem o potencial de gerar instabilidade capaz de se projectar no espaço da aliança. Ou disponibilizando-se para actuar no quadro das Nações Unidas, participando em missões de imposição e/ou de manutenção da paz.

Esta visão estratégica reflectiu-se nos diversos conceitos dos seus Estados-membros, cuja preocupação se centrava na diminuição dos orçamentos militares, pelo que: reduziram os sistemas de forças a instrumentos quase tipo “manutenção de ordem pública”; pararam os programas de modernização e substituição de equipamentos e armamentos, com muitos dos existentes não disponíveis por falta de manutenção ou de combustível; diminuíram os efectivos, por vezes fazendo roçar o absurdo; fizeram rarear os exercícios e treinos, com efeitos negativos na capacidade operacional; e afectaram gravemente as condições materiais e morais dos militares cuja motivação ficou fortemente ameaçada.

A ofensiva russa na Crimeia, alterando fronteiras ao arrepio da lei internacional, bem com as suas pressões militares no Leste e Sul da Ucrânia, mostrou que Putin está determinado a agir pela força para recuperar as vantagens geopolíticas perdidas com o descalabro da União Soviética, que ele já tinha considerado (parece que ninguém ouviu) o maior desastre geopolítico do século XX. Através de uma combinação de forças especiais infiltradas apoiadas por fortes barragens mediáticas e seguidas por colunas militares de modelo tradicional prontas a avançar.

E Putin também está disponível para sofrer retaliações económicas significativas, embora saiba que será difícil que os membros europeus da NATO as queiram desencadear, uma vez que teriam efeito de boomerang nas próprias economias, profundamente entrelaçadas com a economia russa, nomeadamente a da Alemanha.

Ou seja, os conceitos estratégicos em vigor estão desactualizados e precisam de ser urgentemente ajustados, dando prioridade ao factor ambiente estratégico envolvente para os redefinir. Tanto o da NATO (de 2010) como o dos seus membros europeus.
Recorde-se que o nosso conceito estratégico de defesa nacional foi aprovado em 2013. No respeitante ao vector militar, já não serve.


General

Isto são “militares russos”, não “forças pró-russas”

OPINIÃO
LEONID TRETIAK e VALERIYA NASTASHENKO 16/05/2014 - 06:01
 
Ucrânia não deve ser deixada sozinha face à agressão

Após a anexação da Crimeia, o Kremlin passou à segunda fase da guerra na Ucrânia, começando a operação secreta nas regiões do Leste do país e seguindo o mesmo guião que tinha sido aplicado na Crimeia.

O que prevê, em primeiro lugar, deslocação das forças militares profissionais e dos mercenários no território da Ucrânia, em segundo, suborno dos radicais locais e criminosos para que os mesmos posem como “as forças pró-russas” e, em terceiro, tentativas de fazer pensar que o tumulto vem da população. Mas a realidade é absolutamente outra. Ao contrário da Euromaidan em Kiev entre Dezembro e Fevereiro, o que se passa agora não é uma revolta interna, mas uma agressão plenamente estrangeira contra a Ucrânia.

Há provas substanciais de deslocação dos “grupos de operações especiais” na Ucrânia, mas não há ucranianos neles. Os grupos compõem-se de mercenários profissionais russos a travarem uma guerra no território da Ucrânia. Alguns deles têm sido reconhecidos das acções na Crimeia, alguns são parecidos com os da Geórgia-2008. Sabotadores de nacionalidade russa têm sido detectados em todo o país. Isto e outros factores, incluindo a transmissão de rádio interceptada, confirmam o facto de que os invasores são estrangeiros.

A Ucrânia está a lutar, não podendo permitir que as UNIDADES DE OPERAÇÕES ESPECIAIS EQUIPADAS PELAS Rússia, pagas pela Rússia e deslocadas pela Rússia e espalhem o medo de estrangeiros em uniforme verde a obrigação directa do Governo da Ucrânia é pará-los e proteger o seu próprio povo. Ao fazê-lo, o Governo tem direito de contar com o apoio da comunidade internacional.

A Rússia acha que encontrou um meio infalível de conduzir uma guerra, sem chamar as coisas pelos seus nomes e por negar categoricamente a verdade. Mas a mentira é a mentira, e a agressão é a agressão, e não importa como a Rússia chama a isso e quanto fumo faz a propaganda russa. O mundo deve saber isso. As provas estão em todo o lado.

No dia 13 de Abril, a Rússia convocou a reunião do Conselho de Segurança da ONU para “expressar a preocupação” pela situação criada, na realidade, por ela própria. É notável que a Rússia não tenha convocado nenhuma reunião do Conselho de Segurança quando milhares de pessoas foram assassinadas na Tchetchénia. Mas, desta vez, a Rússia diz que “está preocupada”. Ora bem, se ela estiver, há três passos para resolver o problema:
(1) parar o que a Rússia tem feito na Ucrânia nos últimos dois meses;
(2) começar imediatamente um processo de resolução;
(3) voltar às negociações e às relações bilaterais dentro dos limites do direito internacional.

Neste caso é necessário lembrar que as acções do Governo russo põem em perigo não só a integridade territorial da Ucrânia, mas a segurança da região europeia inteira. Ao ajudar a Ucrânia a resistir à agressão e manter a independência nacional, a Comunidade Europeia protege assim os valores europeus, tomando em conta o risco directo de o Kremlin continuar a realizar as suas ambições imperiais por via da anexação dos territórios adjacentes dos países vizinhos.

A Ucrânia não deve ser deixada sozinha face à agressão.

Apenas os esforços unidos da comunidade internacional inteira ajudarão a evitar uma crise militar de grande escalda, a qual pode destruir os resultados democráticos já alcançados pela humanidade durante os últimos 70 anos posteriores à Segunda Guerra Mundial.

Nesse contexto, os ucranianos apreciam o apoio consistente da parte portuguesa à manutenção da integridade territorial da Ucrânia.

Encarregado de Negócios da Ucrânia e terceira- secretária da Embaixada da Ucrânia em Portugal

(conforme os materiais enviados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia)

Palavras no papel, palavras ao vento

EDITORIAL
DIRECÇÃO EDITORIAL  19/04/2014  -  01:28 
John Kerry avisara na véspera, com alguma lucidez, que o de trabalho” (seis horas de discussões) entre os representantes da política externa dos Estados Unidos, da União Europeia e da Rússia “resultou apenas em
palavras num papel”.


Ou seja, o que ali foi acordado e assinado precisava de ser levado à prática.

E foi? Não, pelo contrário.

Nenhum dos rebeldes separatistas que ocupam edifícios oficiais no Leste da Ucrânia arredou do seu posto, mostrando até vontade de ali continuar; no terreno, as vozes que se exacerbam são mais do que as que apelam à diplomacia (Iulia Timochenko veio até defender brigadas de voluntários para resistir pelas armas a Moscovo); e, em lugar do prometido desanuviamento, o cenário mais evidente é o de uma guerra civil.

Basta seguir as palavras que Putin deixou, não no papel mas ao vento (falou ao ar livre, em Sebastopol): espera “não ser obrigado” a enviar tropas.


Seria preciso dizer mais?

Kiev promove negociações, mas sem sentar os separatistas à mesa

 Os boletins de voto das presidenciais estão a ser impressos
SARA BARATA  14/05/2014  -  18:44
Preparação das eleições presidenciais ucranianas continua, ainda que não devam abranger todo o país.

Abriram-se negociações em Kiev, que juntaram ministros, ex-presidentes, líderes de partidos políticos, empresários, líderes do poder local, candidatos às eleições presidenciais de 25 de Maio, bem como o primeiro-ministro e o Presidente da República interinos. O objectivo era encontrar métodos de descentralizar o Estado, de forma a conceder uma maior autonomia às regiões. Mas fora da discussão ficaram os separatistas do Leste da Ucrânia, que declararam a independência - o verdadeiro motivo pelo qual se estava a realizar esta reunião.

“Estou surpreendido por não ver aqui ninguém de Lugansk”, comentou Oleksandr Iefremov, deputado e ex-governador de Lugansk, uma das regiões do Leste do país, junto com Donetsk, que declarou a independência, após o referendo de domingo sobre a autogovernação. “Temos pessoas que pensam de forma diferente, que têm culturas diferentes, e temos a responsabilidade de criar um Estado que corresponda às necessidades do nosso povo”, afirmou Iefremov, citado pelo New York Times.

“Estamos prontos a escutar as pessoas do Leste. Mas não é preciso disparar, pilhar e ocupar os edifícios administrativos”, afirmou Oleksandr Tourchinov, Presidente interino, ao inaugurar a mesa redonda. Os separatistas não foram convidados, disse. “Os que, de armas na mão, se entregam a uma guerra contra o seu próprio país, que nos impõem a vontade do país vizinho, responderão perante a lei. Nós não cederemos à chantagem.”

Esta posição não mostra grande disposição para um compromisso por parte do Governo interino, quando se aproximam as eleições presidenciais de 25 de Maio - cuja realização é considerada prioritária pela União Europeia. Ainda que os aliados ocidentais gostassem de ver Kiev entrar pela via da negociação - a chanceler alemã Angela Merkel tinha considerado que quantos mais representantes das várias posições da sociedade ucraniana estivessem representadas nesta reunião, melhor seria, salienta a Reuters.

A situação pode estar a deteriorar-se também em Kiev, com o Partido das Regiões, a que pertencia o Presidente deposto Viktor Ianulcovich, a tornar-se cada vez mais crítico da intervenção do Exército ucraniano no Leste do país que, afirma, está apenas a inflamar ainda mais a crise. Numa declaração lida na mesa-redonda, o partido pediu que se “parasse com o banho de sangue”.

Numa altura em que a Ucrânia está sob a ameaça de partição, a União Europeia sublinha a necessidade de as eleições presidenciais de 25 de Maio se realizem com normalidade. Paris e Berlim disseram-no num comunicado conjunto, após a participação do ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Frank-Walter Steinmeier, no conselho de ministros francês - uma estreia absoluta. Mas é bastante provável que a votação não decorra em todo o território, porque Kiev não controla todo o país.

Nem sequer os media ucranianos funcionam já nos territórios do Leste - tal como aconteceu na Crimeia, as frequências de rádio e televisão foram ocupadas por medias russos, relata a AFP. As próprias estações foram ocupadas por homens armados e passaram a transmitir programação dos meios de comunicação russos.


Enquanto isto se passa, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Moscovo, Sergei Lavrov, continua a dizer que a “Ucrânia está à beira de uma guerra civil, com ucranianos a matar ucranianos”. O presidente do Parlamento, Sergei Narishkin, contribuiu para a refrega afirmado que o Presidente que for eleito a 25 de Maio não será completamente legítimo, relata a Reuters. “O grau de legitimidade do regime ou do Presidente eleito, se as eleições se realizarem, não será total”, afirmou na televisão Rossia-24.

Assassínios, raptos e intimidações reinam no Leste da Ucrânia.

Batalhão pró-russo numa estrada que liga duas cidades do Leste
PÚBLICO  16/05/2014  -  14:24
Relatório da ONU enumera violações de direitos humanos, em grande parte da responsabilidade de grupos anti-Kiev.

Há uma “alarmante deterioração” da situação dos direitos humanos no Leste da Ucrânia, concluiu uma equipa de monitores da ONU. A região, parcialmente controlada por forças pró-russas, tem sido cenário de “inúmeros assassínios, casos de tortura, espancamentos, raptos, actos de intimidação e alguns casos de assédio sexual, na maioria realizados por parte de grupos antigovernamentais bem organizados e bem armados no Leste do país”.

O documento, que cobre todo o mês de Abril até 6 de Maio, fala de um “aumento inquietante de raptos e detenções ilegais de jornalistas [que são ameaçados em permanência], activistas, políticos locais, representantes de ONG e militares”. Alguns dos detidos acabam por ser libertados, mas “os cadáveres de outros foram despejados em rios, um problema particularmente notado na cidade de Slaviansk [bastião dos pro-russos] e seus arredores”.

A equipa de 36 monitores do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos também esteve na Crimeia, a península que a Rússia anexou após um referendo não reconhecido pela ONU e realizado em Março, logo depois da mudança de poder em Kiev - quando a oposição tomou o poder, depois de meses de protestos e da fuga do Presidente, Viktor Ianukovich, que em Fevereiro se refugiou na Rússia.

Na Crimeia, escrevem os enviados no seu relatório, os tártaros são vítimas de “assédio” e “perseguições”, enfrentando entraves à sua liberdade de movimento e à prática religiosa: esta minoria da península tem origem turca e religião maioritariamente muçulmana. “Mais de 7200 pessoas originárias da Crimeia - tártaros, na sua maioria - tornaram-se deslocados internos noutras partes do país.” Para além das minorias religiosas, étnicas e sexuais, as principais vitimas das perseguições em curso na região são os jornalistas, doentes de SIDA.

O documento refere “desenvolvimentos alarmantes” depois do acordo entre Moscovo e as autoridades da península que estipula que os cidadãos da Ucrânia e as pessoas sem nacionalidade que residam de forma permanente na Crimeia devem ser reconhecidos como cidadãos da Federação Russa. Quem ainda não pediu cidadania russa também está a ser alvo de assédio e intimidação. Está previsto que quem não obtenha o direito de residência até Janeiro de 2015 seja deportado da península.

A Rússia reagiu ao relatório denunciando contradições e uma “falta total de objectividade”. Trata-se, diz Moscovo, de “uma encomenda política para branquear as autoproclamadas autoridades de Kiev”. O texto também descreve casos em que as tropas regulares ucranianas a operar no Leste “foram acusadas de matar pessoas e de responsabilidade em desaparecimentos forçados”. Os monitores estão a tentar verificar estas denúncias.


“Os que têm influência junto dos grupos armados por muita da violência no Leste da Ucrânia têm de fazer tudo o que puderem para controlar estes homens que parecem decididos a despedaçar o país”, pede a Alta Comissária para os Direitos Humanos, Navi Pillay.

Há um novo exército nas ruas de Mariupol, pago pelo homem mais rico da Ucrânia

Trabalhadores da Metinvest acompanham a polícia e limpam as ruas da cidade
ALEXANDRE MARTINS  16/05/2014  -  14:21 

O oligarca Rinat Akhmetov entrou de forma decidida na crise ucraniana, pondo-se ao lado do Governo interino. Milhares de trabalhadores das suas empresas patrulham, desarmados, uma das cidades ocupadas pelos separatistas.

Durante mais de um mês, as ruas da cidade de Mariupol fizeram parte do mapa sangrento que começou a ser desenhado no Leste da Ucrânia depois da anexação da Crimeia pela Rússia. Poucos esperavam que o cenário se alterasse de um momento para o outro, mas foi isso mesmo que aconteceu: bastou uma ordem disfarçada de apelo ditada pelo oligarca Rinat Akhmetov para que dezenas de milhares de mineiros e trabalhadores da siderurgia, todos incluídos na sua folha de pagamento, formassem um verdadeiro exército e começassem a limpar e a patrulhar as ruas, expulsando as milícias pró-russas dos edifícios que tinham ocupado.

Poucos dias depois do referendo sobre o estatuto de Donetsk, que levou os separatistas a pedirem informalmente a integração na Federação Russa, os ventos podem ter começado a mudar na região, soprados pelos receios económicos do homem mais rico da Ucrânia.

Na quarta-feira, Rinat Akhmetov, outrora apoiante e financiador do Presidente Viktor Ianukovich e do seu Partido das Regiões, revelou publicamente o resultado da equação que lhe tinha sido apresentada pela crise política no país. Apesar de ser conhecido pela aversão às câmaras de televisão, Akhmetov entrou nas casas dos ucranianos durante quatro minutos para anunciar que estava definitivamente ao lado da "Ucrânia unida" e dos projectos do Governo interino para uma maior autonomia - ele que continua a oscilar entre a desconfiança e a fúria dos manifestantes que ocuparam a Praça da Independência e que acabaram por levar à deposição de Ianukovich.

No mesmo dia, milhares de trabalhadores da poderosa Metinvest, uma das cinco maiores fabricantes de aço do mundo, começavam a patrulhar, desarmados, as ruas de Mariupol ao lado dos agentes da polícia local. Grupos constituídos por seis a oito trabalhadores e dois polícias percorrem agora a cidade, para assegurarem a ordem pública, mas também para deixarem as ruas como elas estavam antes do início da crise - sem pneus empilhados, sem sacos de areia, e sem combatentes determinados a arrancar uma parte do mapa da Ucrânia.

Para além de Mariupol, Rinat Akhmetov despertou também o seu exército de trabalhadores em outras cidades da região de Donetsk, segundo o relato do enviado do jornal norte-americano New York Times, mas em nenhuma delas com o mesmo sucesso. Slaviansk, o bastião dos separatistas, continua a resistir a todas as investidas das tropas fiéis a Kiev, e não dá sinais de tremer perante as mais recentes milícias no campo de batalha emque se transformou o Leste da Ucrânia.

O facto de o homem mais rico da Ucrânia - e um dos 100 mais ricos do mundo, com uma fortuna avaliada em mais de 12 mil milhões de dólares (quase nove mil milhões de euros), segundo a revista Forbes - ter finalmente entrado na batalha entre Kiev e Moscovo não é propriamente uma surpresa. Mas a forma directa e decidida como o fez indica que a crise política no país está a pôr em risco o seu império e, como ele e os seus administradores fizeram questão de sublinhar, os postos de trabalho de quase 300.000 ucranianos.

"Ninguém quer que a região de Donetsk se transforme numa espécie de zona cinzenta, sem reconhecimento internacional. Isso seria muito doloroso para nós", disse à agência Reuters o director-geral de uma das fábricas da Metinvest, Iuri Zinchenko.

O risco de que a autoproclamada República Popular de Donetsk se junte a entidades como a Abkházia, na Geórgia, ou a Transnístria, na Moldova, na lista de territórios fechados à maior parte do resto do mundo, é grande de mais para os interesses de Rinat Akhmetov, que gere um império assente nas exportações.

Um risco que aumenta à medida que o tempo passa e Moscovo não responde ao pedido dos líderes separatistas para que a República Popular de Donetsk seja integrada na Rússia.

Ao contrário do que aconteceu com a Crimeia, a Rússia tem dado mostras de não querer enterrar-se até ao pescoço no Leste da Ucrânia - uma coisa é desestabilizar a região, como acusam as novas autoridades de Kiev, os Estados Unidos e a União Europeia, e outra é repetir a estratégia seguida na península.

Depois de o Presidente russo, Vladimir Putin, ter apelado ao adiamento do referendo de domingo passado, sem sucesso, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros veio dizer nesta sexta-feira que Moscovo ainda não recebeu um pedido oficial por parte dos separatistas.

"Não tenho conhecimento de que tenha sido enviado um pedido oficial, apesar de os media terem especulado muito sobre isso", afirmou Alexander Lukashevich.

O responsável sublinhou que a Rússia está mais interessada "no lançamento de um diálogo abrangente entre os ucranianos, com assistência internacional, sobre os caminhos para a futura estrutura do Estado da Ucrânia".

Mas o principal teste ao futuro da Ucrânia está a pouco mais de uma semana de distância, e tudo pode ainda acontecer até lá - ninguém sabe ao certo se o exército de trabalhadores de Rinat Akhmetov será suficiente para travar o separatismo no Leste do país, mas as notícias do regresso da calma a Mariupol vieram acompanhadas de indícios de dissensões entre os pró-russos.

Um dos homens que liderou a ocupação da câmara da cidade, German Mandrakov, disse à agência Associated Press que os seus homens foram "forçados" a abandonar o edifício.

"Toda a gente fugiu. Alguém está a tentar semear a discórdia entre nós, alguém assinou alguma coisa, mas nós vamos continuar com a nossa luta", disse Mandrakov.

Pelo menos por enquanto, os milhares de braços que Akhmetov enviou para Mariupol parecem estar a ganhar terreno. Nesta sexta-feira, a porta-voz da polícia local, Iulia Lafazan, falou numa "melhoria drástica" da situação desde que os homens da Metinvest começaram a patrulhar a cidade.

Entre eles há várias tendências em relação ao conflito - muitos não apoiam o Governo interino de Kiev, mas o receio de perderem o trabalho fala mais alto.

“Toda a gente tem direito à sua opinião mas não no trabalho. No trabalho, temos de fazer o que a fábrica exige”, disse ao The New York Times um dos chefes de turno da Metalúrgica Illitch de Mariupol, Sergei Istratov.


Uma convicção partilhada por Iuri Rizhenkov, director executivo da Metinvest: "A coisa mais importante que nós temos é a fábrica. Se tivermos a fábrica, temos postos de trabalho, salários e estabilidade familiar."

domingo, 11 de maio de 2014

Putin quer adiar referendo dos separatistas na Ucrânia « para favorecer o diálogo »

O Presidente russo classificou as eleições presidenciais na Ucrânia como "um passo na direcção certa"
ALEXANDRE MARTINS 07/05/2014 - 17:58
Líderes pró-russos só respondem na quinta-feira, mas sublinham que têm "o maior respeito pelo Presidente Putin". Moscovo diz também que retirou as suas tropas da fronteira com a Ucrânia.

O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, pediu nesta quarta-feira aos separatistas pró-russos que adiem o referendo sobre a autonomia marcado para o próximo domingo, mas salientou que as tropas ucranianas devem também parar a sua ofensiva no Leste do país, se o objectivo for "criar as condições necessárias ao diálogo”.

No final de uma reunião em Moscovo com Didier Burkhalter, actual presidente da Confederação Helvética e presidente em exercício da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, Vladimir Putin anunciou também que ordenou a retirada das tropas russas da fronteira com a Ucrânia.

"Estão sempre a dizer-nos que as nossas forças na fronteira ucraniana constituem uma preocupação. Hoje elas já não estão na fronteira ucraniana. Estão em zonas onde desempenham as suas tarefas normais em áreas de treino", disse o Presidente russo. Pouco depois das declarações de Putin, representantes da Casa Branca e da NATO disseram que não têm ainda provas da retirada das tropas russas.

Os líderes militares da NATO acusaram a Rússia de ter colocado cerca de 40.000 soldados ao longo da fronteira, prontos para iniciarem uma ofensiva em território ucraniano, se fosse essa a decisão de Vladimir Putin, mas Moscovo sempre negou a intenção de invadir a Ucrânia após a anexação da península da Crimeia, em Março passado.

Vladimir Putin referiu-se também às eleições presidenciais ucranianas marcadas para o próximo dia 25 de Maio. Um dia depois de o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, ter declarado que a realização desse acto eleitoral nas condições actuais seria "invulgar", Putin afirmou nesta quarta-feira que é, afinal, "um passo na direcção certa".

Mas, ao contrário da novidade da posição sobre o referendo dos separatistas, a declaração do Presidente russo sobre as eleições presidenciais na Ucrânia não vem alterar nada de substantivo - apesar de ser "um passo na direcção certa", a escolha do futuro Presidente ucraniano só deveria ser feita após a aprovação de reformad constitucionais no país, dontinua a defender Vladimir Putin.

Mas o anúncio da retirada das tropas da fronteira e da declaração sobre as eleições presidenciais no país vizinho, é o apelo ao adiamento do referendo dos separatistas que pode abrir as portas a um novo período, de diálogo, no final de um semana particularmente violenta no Leste e no Sul da Ucrânia-

Os líderes da autoproclamada República Popular de Donetsk reagiram de imediato, mas a decisão só será conhecida na quinta-feira. “Temos o maior respeito pelo Presidente Putin. Se ele considera que isso é necessário, vamos discutir a proposta com o conselho popular”, disse à agência Reuters um dos representantes dos separatistas, Denis Pushilin, em Donetsk.

Depois da morte de 46 pessoas na cidade de Odessa (a maioria pró-russos) na sequência de uma manifestação de apoio às autoridades interinas de Kíev, na sexta-feira passada, as forças ucranianas reforçaram a sua ofensiva contra os combatentes separatistas, a quem chamam "terroristas".

Na segunda-feira, pelo menos quatro membros da polícia paramilitar ucraniana foram mortos e mais 30 ficaram feridos em combates nos arredores de Slaviansk, o bastião dos separatistas no Leste do país. Do outro lado, pelo menos dez pessoas – entre civis e membros das autoproclamadas forças de autodefesa de Slaviansk - morreram e 25 ficaram feridas, avançou na terça-feira a agência russa ITAR-TASS, citando um representante dos separatistas que não foi identificado. Na segunda-feira, o ministro do Interior interino da Ucrânia Arsen Avakov, tinha dito que o número de vítimas mortais entre os separatistas chegara às três dezenas.

Já nesta quarta-feira, as tropas ucranianas recuperaram por breves momentos o controlo do edifício da câmara municipal da cidade portuária de Mariupol, no Sudeste, mas não demorou muito até que os separatistas voltassem a controlar a situação. Segundo testemunhos recolhidos pela agência Reuters, os soldados ucranianos abandonaram o edifício depois de terem destruído mobília e material de escritório.

A repetição dos episódios de violência levou a um novo esforço diplomático nos últimos dias, com vários líderes mundiais a tornarem público o receio de que a Ucrânia tenha entrado num caminho sem retorno para a guerra civil. No âmbito desses esforços, o presidente da Confederação Helvética e presidente em exercício da OSCE deslocou-se a Moscovo nesta quarta-feira para se reunir com Vladimir Putin.


Apesar do apelo aos separatistas, o Presidente russo fez questão de sublinhar que não há propostas de sentido único: "Moscovo está interessada numa resolução rápida da crise na Ucrânia, mas que tenha em consideração os interesses de toda a população do país."

sábado, 10 de maio de 2014

Merkel e Hollande ameaçam Rússia com sanções “apropriadas”

Hollande e Merkel dizem que o adiamento das presidenciais desestabilizará ainda mais a Ucrânia alaín

PUBLICO 10/05/2014 - 12:08
Paris e Berlim endurecem discurso contra Moscovo, mas pedem também a Kiev a suspensão das “acções ofensivas" no Leste da Ucrânia.

A chanceler alemã e o Presidente francês avisaram que a Rússia vai sofrer “consequências apropriadas” se as suas acções na Ucrânia impedirem a realização das eleições presidenciais, a 25 de Maio. Angela Merkel e François Hollande reafirmaram que os referendos que os separatistas agendaram para este domingo não têm qualquer legitimidade.

O alerta – na senda de muitos outros enviados a Moscovo pelos europeus desde o início da crise na Ucrânia – está escrito num comunicado divulgado em Stralsund, cidade numa ilha do Báltico onde Merkel recebe neste fim-de-semana o Presidente francês numa visita que os dois Governos descrevem como informal.

“O fracasso na realização de eleições presidenciais reconhecidas internacionalmente desestabilizará ainda mais o país. A Alemanha e a França estão de acordo que, se isso acontecer, então terão de ser adoptadas as consequências apropriadas que foram delineadas na reunião do Conselho Europeu de 6 de Março”.

Mesmo sem a nomear, os dois dirigentes deixam claro que cabe à Rússia impedir acções de desestabilização que poderiam levar à suspensão das eleições numa parte do país - na reunião a que o comunicado se refere, os líderes da UE acordaram adoptar sanções de terceiro nível (medidas que visam sobretudo a economia russa) se Moscovo interviesse no Leste da Ucrânia, onde a maioria da população fala russo e mantém fortes ligações ao país vizinho.~

Inicialmente as sanções estavam reservadas para o caso de uma invasão do território ucraniano por parte do Exército russo. Mas Paris e Berlim fazem agora saber que estão disponíveis para avançar se as acções dos grupos pró-russos impedirem as presidenciais, vistas como uma etapa crucial para estabilizar o país, em convulsão desde que manifestantes pró-ocidentais saíram às ruas em Novembro para denunciar a decisão do então Presidente Viktor Ianukovich de não assinar um acordo que aproximaria o país da UE.

Os dois dirigentes exigem ainda ao Presidente russo que ordene uma “retirada visível” das suas forças da fronteira com a Ucrânia. Na semana passada, Vladimir Putin disse ter dado ordens para a redução dos efectivos na zona, mas a NATO (que mantém a zona sob vigilância constante) afirmou não ter constatado qualquer movimentação significativa.

Mas a lista de obrigações não se resume à Rússia: no comunicado, Merkel e Hollande aconselham o governo interino da Ucrânia a “abster-se de acções ofensivas” no Leste da Ucrânia, de maioria russófona. “O uso legítimo da força para proteger pessoas e infra-estruturas deve ser proporcional”, acrescentam. Na semana passada, Kiev pôs em marcha o que chama de “operação antiterroristas” contra os separatistas armados que ocuparam dezenas de edifícios nas regiões de Donetsk e Lugansk, autoproclamando-as “repúblicas autónomas”.


É precisamente aí que, neste domingo, os separatistas se propõem organizar um referendo para decidir sobre a cisão com Kiev, cujo governo não reconhecem, ainda que sejam pouco claros os moldes e a forma como a consulta vai ser organizada - em muitas cidades não controlam mais do que um punhado de edifício públicos. Estes referendos, lê-se no comunicado conjunto de Stralsund, “são ilegais” e não serão reconhecidos internacionalmente.

Quem são os chefes da rebelião separatista

Denis Puchiline, presidente da autoproclamada República Popular de Donetsk
AFP   10/05/2014  - 19:01
 Os cinco principais líderes do Leste da Ucrânia.

Autoproclamaram-se presidentes, comandantes e governador. Querem o Leste da Ucrânia próximo da Rússia, não do Ocidente.

Pavio Gobarev
Tem 31 anos e é, no autoproclamado governo de Donetsk, governador. Tinha sido preso em Março por “atentado à integridade territorial” mas foi trocado na quarta-feira por três membros das forças especiais ucranianas que tinham sido capturados pelos separatistas. Putin saudou a sua libertação. Pugilista amador e dono de uma agência de publicidade, tornou-se porta-voz dos separatistas depois da destituição, em Fevereiro, do regime do Presidente ucraniano Viktor Ianukovitch. Militou no Partido Socialista Progressista da Ucrânia, uma formação nascida nos anos 1990 cujo principal programa é a rejeição da Europa, dos Estados Unidos e do Fundo Monetário Internacional, e a união com a Rússia.


Denis Pushilin
Tem 33 anos e é o co-presidente da autoproclamada República Popular de Donetsk. Diz ser membro do partido My Maiemo Metu (MMM, Nós Temos um Objectivo), herdeiro do esquema de pirâmide financeira MMM criada pelo russo Serguei Mavodi, que passou anos na prisão por fraude (foi depois libertado e relançou as suas actividades na Rússia e noutros antigos territórios da URSS). Nos anos 2000 foi o responsável pela distribuição de chocolate no grupo Dolce Vita a que está ligado um deputado pró-Rússia, Boris Klesnikov. Na biografia que distribuiu em Novembro do ano passado dizia estar desempregado e pertencer ao grupo paramilitar Oplot. Afirmou que ia “tirar olhos e partir pernas” aos pró-ocidentais.


Valeri Bolotov
É o “governador popular” de Lugansk e um dos comandantes do “exército do sudoeste”. Tem 43 anos e é um antigo paraquedista que combateu na Arménia e na república separatista de Nagorno-Karaback. Estudou engenharia e economia. Num vídeo divulgado no início de Maio declara a “mobilização geral dos homens de Lugansk”. “Vamos defender a nossa terra dos ocupantes neonazis. O nosso objectivo é Kiev”.


Tem 49 anos e é o autoproclamado presidente da câmara de Slaviansk. Foi o homem que pediu a Putin soldados e armas e prometeu “exterminar” os que estejam contra ele. Diz que as presidenciais de 25 de Maio não se vão realizar nem que tenha que “prender toda a gente”. Foram os seus homens que rapataram, durante uma semana, os inspectores militares da OSCE. Faltam-lhe dois dedos na mão esquerda e gosta de contar episódios do tempo que passou nas operações especiais.


Igor Strelkov

Também conhecido por Igor Guirkine, tem 43 anos e é o comandante das milícias separatistas de Slaviansk. De acordo com os serviços de segurança ucranianos, nasceu em Moscovo e é coronel dos serviços secretos russos. Esteve implicado no rapto dos inspectores da OSCE. Numa entrevista ao jornal russo Komsomolskia Pravda, disse que não pretende ficar em Donetsk. “Vamos libertar a Ucrânia dos fascistas”, disse, acrescentando que vão ser bem sucedidos pois a comunidade internacional “não vai começar a terceira guerra mundial” por causa de um país em “diluição”. Explicou que as milícias sob o seu comando são compostas por “dois terços de ucranianos com experiência de combate na Tchetchénia, Ásia Central, Iraque e Jugoslávia”.?