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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

AS REGRAS DE JOGO - Fortalecer a Bancarrota Financeira

MARK J. ROE
Este esforço dos reguladores para obter um mercado financeiro mais sólido tem-se concentrado
até agora em exigir mais capital, em criar produtos mais seguros e em estabelecer estruturas de
negócio mais resilientes. Efectivamente, estas são
as prioridades certas.   

28 Janeiro 2014, 22:00 por Mark J. Roe  - Jornal de Negócios

Quatro dos mais importantes reguladores financeiros do mundo - o Banco de Inglaterra, a Autoridade Federal de Supervisão Financeira da Alemanha (BaFin), a US Federal Deposit Insurance Corporation e a Autoridade de Supervisão Financeira e de Mercado da Suíça - pediram recentemente à indústria mundial de derivados para mudar a forma como trabalha. A questão agora é saber se os reguladores o conseguem com um pedido ou se apenas o conseguem com algo mais substancial. Não vai ser fácil.

A carta, escrita de forma lacónica pelos reguladores, e que foi endereçada à Associação Internacional de Swaps e Derivados (ISDA) pediu a esta última para renunciar a uma componente central do esforço de várias décadas desta indústria para se colocar à margem da falência dos devedores financeiros - uma isenção que piora não apenas a estabilidade do devedor, mas também a da economia global. Muitos observadores acreditam que estas isenções atingiram o sistema financeiro mundial de forma particularmente dura quando o Lehman Brothers faliu em 2008.

Os reguladores estão a concentrar-se numa característica importante dos contratos de derivados, que permite à indústria terminar os seus acordos de forma abrupta com qualquer entidade com problemas financeiros, tornando-a incapaz de recuperar. Os outros credores não costumam poder fazer isso; numa falência nos EUA, por exemplo, primeiro têm de esperar que o tribunal decida se a empresa do devedor pode ser reestruturada. Só depois podem cobrar as suas dívidas.

Os reguladores de todo o mundo têm feito esforços para tornar mais seguro o sistema financeiro. Com esta recente missiva à indústria dos derivados, começam a lidar com as falências - e já era tempo de o fazerem.

Até agora, as falências desempenhavam um papel de segundo nível nos esforços de reforma, apesar de as leis das insolvências já fazer pelas empresas industriais muito do que os reguladores querem aplicar às empresas financeiras. Ao reestruturar as dívidas de uma empresa falida, salvaguardando os negócios lucrativos, e vendendo os que causam prejuízos, a falência pode minimizar os custos que uma empresa falhada pode implicar para os seus credores e para a economia como um todo.

Mas apesar de a lei de insolvências dos EUA fazer, em geral, um bom trabalho a reestruturar empresas industriais, ela não pode reestruturar empresas financeiras, porque as regras básicas da insolvência - que permitem que o tribunal consolide os activos da empresa, os recoloque e venda o resto - não se aplica à maioria dos contratos financeiros, como os derivados. Por isso, a insolvência tanto é parte do problema como da solução que se espera - isto caso possa ser corrigida e posta ao serviço das empresas financeiras.

Olhemos para a queda do Lehman Brothers. Quando o então secretário do Tesouro Americano, Henry Paulson, decidiu não resgatar o Lehman, a empresa pediu a insolvência e vendeu rapidamente as suas operações de corretagem. Mas, como mau prenúncio, não conseguiu vender o seu grande portefólio de contratos de derivados - negócios que se baseiam nas variações das taxas de juro e de câmbio. De acordo com quase todos os relatos, o portefólio de derivados do Lehman era atractivo quando este faliu, mas as isenções da falência para derivados permitiu às outras partes liquidar as suas posições rapidamente, de uma maneira que foi dispendiosa para o Lehman, caótica para os mercados financeiros e prejudicial para a economia real.

O mercado de derivados está isento das regras que impedem os credores de agarrar nos colaterais e rescindir os seus contratos quando o devedor apresenta a insolvência. Também estão isentos das regras que impedem credores bem informados de se apropriarem de activos e fugirem mesmo antes da falência, mesmo que essas posições sejam necessárias para, digamos, vender o portefólio intacto a outra empresa, e mesmo que esse credor fugitivo viesse no final a ser pago na totalidade e com juros.

Este esforço dos reguladores para obter um mercado financeiro mais sólido tem-se concentrado até agora em exigir mais capital, em criar produtos mais seguros e em estabelecer estruturas de negócio mais resilientes. Efectivamente, estas são as prioridades certas. Mas o Congresso americano e os reguladores disseram até agora que a insolvência é a sua maneira preferida de reestruturar empresas financeiras na falência. Se um processo judicial de insolvência puder funcionar, crê-se que isso poderia minimizar a possibilidade de resgates financiados pelos contribuintes e a perturbação dos mercados financeiros e da economia real.

O problema é que a insolvência, hoje, não é mais capaz de reestruturar uma empresa financeira falida do que era em 2009; um Lehman falido em 2014 não seria menos prejudicial para a economia mundial. Os reguladores americanos, por exemplo, não podem tentar um processo de insolvência antes de aplicarem os seus poderes ampliados pela legislação de reforma financeira de Dodd-Frank, de 2010; se o fizessem, as contrapartes dessa empresa nos mercados de derivados e de recompra iriam rescindir os contratos e livrar-se das garantias tão rápido quanto possível.

Assim que isso acontecesse - provavelmente horas depois da apresentação da insolvência - seria impossível recuperar a empresa. Os reguladores não poderiam voltar atrás e salvar a empresa com os seus novos poderes Dodd-Frank, porque a empresa já estaria feita em bocados. Por isso, no quadro actual, os reguladores devem evitar a falência, ao invés de usá-la, porque no momento em que uma empresa financeira se apresentar à insolvência estará a assinar a sua própria sentença de morte.

A carta dos reguladores à ISDA pede ao sector dos derivados que reescreva os seus contratos "standard", para que o portefólio de uma empresa falida não seja desbaratado assim que ela se apresentar à insolvência. Este é um grande passo na direcção certa. Porém, quando os reguladores reflectirem um pouco mais, vão reconhecer que não podem confiar em que o sector dos derivados reveja os contratos, tal como a falência de uma indústria não confia nos contratos dos credores para evitar que as empresas falidas sejam destruídas. Muitos, simplesmente, não vão respeitar os termos do contrato.

Talvez os reguladores venham a descobrir que devem exigir que os regulados tenham as disposições contratuais desejadas. Essa solução será, contudo, incompleta, porque nem todos os “traders” de derivados são instituições financeiras reguladas, e porque muitos credores vão encontrar forma de contornar o contrato e os requisitos. Se a cobertura não estiver completa, pode-se esperar que os regulados se queixem por terem sido colocados em desvantagem competitiva.

Os reguladores também podem ter de recorrer às leis de insolvência para resolver o problema. O pedido dos reguladores à ISDA para que esta actue voluntariamente não vai ter grande significado se for apenas um pedido ao sector dos derivados para agir contra os seus próprios interesses financeiros. Mas põe os reguladores no caminho de reformas mais sérias.

Mark Roe é professor na Harvard Law School.
© Project Syndicate, 2014.

Tradução: Bruno Simões

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