A visão de Taras IIkiv, um jornalista ucraniano, a viver na capital há sete
anos, em 10 pontos que, defende, o Ocidente tem de saber para compreender o que
se passa em Kiev
9:30 Sábado, 25 de Janeiro de 2014 – Visão 20 anos
1 - Os manifestantes estão a lutar pelos seus direitos, não pela integração da
União Europeia
Ao contrário do que é veiculado pela maioria das agências de notícias
internacionais, os protestos na Ucrânia não são pró-UE. A rutura do acordo com
a União Europeia, em Novembro, deu apenas origem a manifestações locais. Mas
depois de um protesto pacífico de estudantes ter sido dispersado com violência
pela "Berkut" (polícia especial) em Kiev, a 30 de Novembro, um milhão
de pessoas em fúria tomou de assalto a praça central da capital. Desde então, a
rebelião não desapareceu. Pelo contrário, transformou-se numa revolta anti-governamental, exigindo a demissão do primeiro-ministro e do
ministro do Interior e também a resignação do Presidente Viktor Yanukovych.
Agora, os radicais juntaram-se
ao protesto, e foram
eles que começaram os confrontos violentos, do domingo, fartos de esperarem por
uma atitude da oposição liberal. No entanto, têm apoio entre a maioria dos
manifestantes.
Nas eleições presidenciais
em 2010, segundo os
testemunhos de observadores internacionais, Viktor Yanukovych venceu legitimamente o seu principal
adversário, a antiga chefe de governo Yulia Tymoshenko. Já durante o seu
mandato, esta foi condenada a sete anos de prisão por um contrato de gás lesivo
com a Rússia, que depois Yanukovych não reviu nem tentou anular. Este facto
teve um impacto negativo na relação do Presidente ucraniano com os líderes
ocidentais. O Presidente Obama ignora Yanukovych e Vladimir Putin declarou-se disposto a receber Tymoshenko na
Rússia para um tratamento às costas de que necessitava.
3 - Muitos ucranianos estão preocupados com o poder da "família"
A chamada "Família” (uma estrutura de poder informal que consiste nos
elementos próximos do presidente) tem um papel muito importante na difícil
situação do país, uma vez que os setores mais lucrativos da economia ucraniana estão sob o seu
controlo. Esta estrutura procura expandir-se no mercado dos media, adquirindo
grandes editoras. A maior holding do setor, que publica marcas como a Forbes,
foi adquirida por 300 a 400 milhões de dólares (220 a 290 milhões de euros).
Como a maioria dos canais também tem tentado evitar críticas das autoridades,
as notícias mais ou menos verdadeiras só estão disponíveis na Internet.
4 - Outro problema: O forte poder vertical na Ucrânia
Durante o seu mandato, Yanukovych transformou o país de uma república
parlamentar para um sistema presidencial. Construiu uma cadeia de comando, onde
todas as estruturas de poder, órgãos fiscais, procuradores e tribunais estão diretamente subordinados ao seu poder.
5 -É difícil perceber o que é a verdade
A Ucrânia não tem praticamente nenhum meio de comunicação independente sem
ser a Internet. Algumas pessoas do Leste, que faz fronteira com a Rússia, nem
sabem a verdade sobre o que se está a passar em Kiev. Os canais de televisão
simplesmente não mostram ou então distorcem a informação. A imprensa é monopolizada
pelos oligarcas. Até há pouco tempo, a única verdadeira ilha de liberdade era a
Internet, mas, na última sexta-feira, Yanukovych assinou uma lei que permite o
encerramento de sites
à mínima queixa, sem
necessidade de julgamento. Os jornalistas sofrem uma enorme pressão e várias
campanhas que visam desacreditá-los. Uma jornalista, Tatyana Chornovol, que escreveu sobre a riqueza de
Yanukovych foi espancada por cinco intrusos.
6 - A intimidação passou a fazer parte do dia a dia
Com esta forte máquina repressiva, os tribunais podem intimidar os ativistas e figuras públicas que discordem
do regime. Algumas pessoas são forçadas a fugir do país, e quando outras vêem
as suas propriedades confiscadas. O presidente culpa os tribunais, mas todos
sabem que estes são inteiramente controlados por ele. Por exemplo, na
sexta-feira, 17, Yanukovych assinou um decreto que permite que uma pessoa seja
condenada sem estar presente em tribunal, como no tempo de Estaline, em meados
do século XX. O Governo chega a contratar lutadores, de clubes desportivos,
para fazerem o "trabalho sujo" de intimidação.
7 - A oposição é fraca
A oposição ucraniana atravessa tempos difíceis. É representada por, pelo
menos, três forças políticas. Uma delas, que foi liderada por Tymoshenko, tem
sido repetidamente eleita para o Parlamento e está amplamente desacredita, mas
continua a ser eleita. A segunda é liderada pelo antigo campeão de boxe Vitali
Klitschko e tem conseguido um grande apoio ultimamente. A terceira é
constituída pelos nacionalistas, que ganharam popularidade devido ao sucesso
dos seus slogans radicais entre um eleitorado desiludido. Depois de dois meses
de protestos, nenhum destes partidos conseguiu um compromisso com o governo e
nenhum propôs nenhum plano de ação claro.
Os seus líderes estão a lutar tacitamente entre eles para conseguirem o único
lugar de candidato da oposição nas eleições de 2015. As suas ações descordenadas desapontam os
radicais que estiveram na origem dos confrontos de domingo, 19. Depois de
quatro dias de confrontos sangrentos, estes líderes políticos têm sido incapazes
de encontrar uma solução e já não têm qualquer controlo sob as manifestações.
8 - As unidades da "Berkut" representam um problema especial
As forças especiais "Berkut" são parte do Ministério do Interior.
Embora não tenham um estatuto oficial, são formadas por agentes treinados
especificamente para controlar a rebelião. São em pequeno número - apenas 4 mil
- mas são particularmente severos e são bem pagos. Só nos últimos dias têm
circulado online imagens desta força a agredir
brutalmente jornalistas e manifestantes pacíficos. Recentemente, detiveram,
alegadamente, manifestantes, despiram-nos e encharcaram-nos com água gelada.
Além disso, nos últimos dias, dispararam indiscriminadamente contra os
manifestantes.
9 - A maioria acha que o Ocidente tem sido demasiado passivo
Até esta semana, a reação dos
EUA e outros países do Ocidente aos acontecimentos na Ucrânia foi muito
discreta. Muitos manifestantes não acreditam que a União Europeia e os EUA
estejam prontos para ajudar os ucranianos na luta por valores democráticos.
Além disso, correram rumores na imprensa local de que os EUA teriam concordado
em entregar a Ucrânia a Putin em troca de um aumento da influência norte-americana
na Síria e noutros pontos chave. A primeira mudança foi detetada apenas a 22 de
janeiro, quando os EUA anunciaram sanções contra os funcionários envolvidos em
violência contra os manifestantes pacíficos na capital ucraniana. A UE só
emitiu comunicados diplomáticos, dizendo que não vão, para já, impor sanções.
10 - Os protestos têm sido incrivelmente inovadores
Quem andar pelo centro de kiev ficará chocado com a forma como está a
funcionar o coração dos protestos, a Praça da Independência: Pessoas de todo o
país estão a chegar ali, trazendo
tudo o que é preciso para viver em condições militares. Há várias tendas para
descansar, barris para aquecer, cozinhas, um hospital de campanha, segurança
privada e até uma universidade improvisada. Não há álcool e vigora uma
disciplina rigorosa. Nos limites da Praça foram construídas enormes barricadas.
Sem comentários:
Enviar um comentário