As chamas aquecem os rebeldes mas também marcam os pontos onde houve luta mais violenta
Endurecimento Mesmo com as manifestações
proibidas as barricadas voltaram a erguer-se em Kiev
Texto e Foto de PAULO NUNO DOS
SANTOS enviado a Kiev
Em Maidan, a emblemática Praça da
Independência no coração de Kiev, o ambiente
alterou-se de uma forma radical. O clima festivo
que há menos de um mês aqui se vivia é agora de tensão e fúria.
Milhares de manifestantes, que desde meados de Novembro tornaram Maidan o
quartel-general das manifestações contra o Governo de Viktor lanukovitch,
acabam de receber a notícia que o Presidente rejeitou todas as exigências dos
líderes da oposição que, ao longo do dia, estiveram reunidos em conversações para
pôr termo à violência que tem abalado a
capital na última semana.
“Vergonha!”, grita a multidão após ouvir o antigo campeão de boxe e atual líder da oposição, Vítaii Klitschko,
que falou do topo do palco de Maidan. “Sim, eu tive a mesma reação”, afirma Klitschko ao explicar que a única coisa
que conseguiram garantir, “não foi muito",
“lanukovitch disse que, se não houver resistência, estão prontos a libertar
os prisioneiros e a pôr fim à violência“, conta o ex-pugilista que tinha como
intenção garantir a imediata demissão do Governo é a revogação da legislação
que condiciona o direito de manifestação. O Presidente não cedeu em nenhum
ponto.
A reação não se fez esperar. A polícia
voltou a ocupar posições estratégicas junto à praça e os manifestantes ergueram novas barricadas a pouco mais de cem
metros das posições policiais e em várias ruas que dão acesso a edifícios governamentais.
Homens e mulheres de pás nas mãos recolhem neve para dentro de sacos para as novas barricadas.
Outros, arrancam sinais de trânsito e pedras da calçada para usarem, caso a
polícia ataque. Pneus velhos são postos frente à barricada e regados com gasolina para incendiar caso a polícia avance.
Petrov, um jovem de 28 anos proveniente das províncias ocidentais da Ucrânia,
começa a preparar cocktails-molotov. “Temos de estar prevenidos, explica Petrov. “Pela forma como
o Governo e a polícia estão a agir, é impossível esperar que a crise acabe em breve. lanukovitch não tem intenção de
fazer concessões. As negociações são apenas uma estratégia para ganhar tempo“, diz o jovem enquanto vai enchendo de
gasolina garrafas de vidro que outros lhe vão trazendo.
Questionado sobre o próximo passo, Petrov diz estarem apenas a preparar-se para a eventualidade de ser
necessário defender Maidan e explica que nada se fará sem instruções dos líderes
da oposição. “Não queremos mais violência. Pediram-nos para cessar
hostilidades e nós aceitámos. Mas ninguém pode esperar que fiquemos impávidos
perante provocações".
Impasse e jogo de paciência
Ao virar da esquina, uma cortina de fumo laranja gera um cenário apocalíptico, Os pneus, madeira e lixo
que há mais de uma semana ardem nas ruas de Kiev e cobrem o céu da cidade de fumo
negro, servem para combater o frio e dissuadir a polícia. Suspeita-se que
esteja iminente uma operação para expulsar os manifestantes da Praça da
Independência.
É aqui, junto á entrada do grandioso estádio do Dínamo de Kiev, que se deram os confrontos mais
graves desde o início das manifestações, foi também aqui que quarta-feira, pelo
menos dois manifestantes perderam a vida, vítimas da violência policial.
Uma ação que levou ainda mais ucranianos a juntar-se aos protestos e que
recebeu fortes críticas dos representantes da UE e EUA.
Agora, barricadas entre esqueletos de autocarros e veículos carbonizados da
polícia, demarcam a ultima linha defensiva dos manifestantes.
Do outro lado, um número incerto de elementos policiais de escudos e
bastões nas mãos, rodeado de neve e debaixo de temperaturas de 15 graus negativos,
aguarda pacientemente instruções.
DOIS MESES DE TUMÚLTOS
21 Novembro 2013
lanukovitch desiste do pacto com a EU. A oposição enche a Praça da Independência
(Maidan), coração da Revolução Laranja de 2004, e rebatiza-a Euromaidan.
30 Novembro 2013
Às 4 horas da manhã a polícia ataca a praça, ferindo também dezenas de
transeuntes e jornalistas. O ministro do interior pede desculpa e promete
investigar os abusos. A seguir dirigentes estrangeiros vindos a Kiev para uma
reunião da OSCE visitam a praça e apoiam os rebeldes.
8 Dezembro 2013
Os manifestantes derrubam uma estátua do líder histórico russo Lenine em
Kiev.
17 Dezembro 2013
A Rússia oferece à Ucrânia empréstimos a juros baixos e descontos no gás.
16 Janeiro 2014
Depois de um ex-ministro ter sido ferido num protesto, a maioria
parlamentar favorável a Ianukovitch aprova leis para limitar no direito de
manifestação, que fazem a contestação subir de tom.
22 Janeiro 2014
Confrontos causam primeiros mortos.
Três padres no meio da praça
Passa das seis da manhã, e nos poucos metros que separam a polícia dos manifestantes, três
padres da igreja ortodoxa quedam-se estáticos e desafiantes perante as forças da ordem que minutos antes regavam o
local com jatos de água, transformada agora em
gelo.
Enquanto os padres rezam de cruz na mão, do lado dos manifestantes ecoam palavras
de orgulho nacional e de provocação aos homens de Viktor lanukovitch. Roman,
um jovem de Odessa, que lidera os cânticos no topo de uma das barricadas, faz
uma pausa e explica que é apenas um jogo psicológico.
“Estamos num impasse. Há muita desconfiança dos dois lados, e ninguém acredita
em promessas. Mas não vamos tomar
qualquer ação radical. A nossa atitude é de
esperar para ver. Vai ser assim por mais algum tempo até que nos forcem a
agir".
Nas ruas de Kiev o sol começa a iluminar os céus da cidade. É o início de um
novo dia para uns, mas a
continuação de meses de luta para muitos.
internacional@expresso.impresa.pt
Sem comentários:
Enviar um comentário