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sábado, 25 de janeiro de 2014

Indómitas barricadas

As chamas aquecem os rebeldes mas também marcam os pontos onde houve luta mais violenta
Endurecimento Mesmo com as manifestações proibidas as barricadas voltaram a erguer-se em Kiev

Texto e Foto de PAULO NUNO DOS SANTOS  enviado a Kiev

Em Maidan, a emblemática Praça da Independência no coração de Kiev, o am­biente alterou-se de uma forma radical. O clima fes­tivo que há menos de um mês aqui se vivia é agora de tensão e fúria.

Milhares de manifestantes, que desde meados de Novembro tor­naram Maidan o quartel-general das ma­nifestações contra o Governo de Viktor lanukovitch, acabam de receber a notícia que o Presidente rejeitou todas as exigên­cias dos líderes da oposição que, ao longo do dia, estiveram reunidos em conversações para pôr termo à violência que tem abalado a capital na última semana.

“Vergonha!”, grita a multidão após ou­vir o antigo campeão de boxe e atual líder da oposição, Vítaii Klitschko, que falou do topo do palco de Maidan. “Sim, eu tive a mesma reação”, afirma Klitschko ao expli­car que a única coisa que conseguiram ga­rantir, “não foi muito",

“lanukovitch disse que, se não houver resistência, estão prontos a libertar os prisioneiros e a pôr fim à violência“, con­ta o ex-pugilista que tinha como intenção garantir a imediata demissão do Gover­no é a revogação da legislação que condi­ciona o direito de manifestação. O Presi­dente não cedeu em nenhum ponto.

A reação não se fez esperar. A polícia voltou a ocupar posições estratégicas jun­to à praça e os manifestantes ergueram novas barricadas a pouco mais de cem metros das posições policiais e em várias ruas que dão acesso a edifícios governamentais. Homens e mulheres de pás nas mãos recolhem neve para dentro de sacos para as novas barricadas. Outros, ar­rancam sinais de trânsito e pedras da cal­çada para usarem, caso a polícia ataque. Pneus velhos são postos frente à barrica­da e regados com gasolina para incen­diar caso a polícia avance.

Petrov, um jovem de 28 anos proveniente das províncias ocidentais da Ucrânia, começa a preparar cocktails-molotov. “Te­mos de estar prevenidos, explica Petrov. “Pela forma como o Governo e a polícia estão a agir, é impossível esperar que a crise acabe em breve. lanukovitch não tem intenção de fazer concessões. As ne­gociações são apenas uma estratégia para ganhar tempo“, diz o jovem enquanto vai enchendo de gasolina garrafas de vidro que outros lhe vão trazendo.

Questionado sobre o próximo passo, Pe­trov diz estarem apenas a preparar-se para a eventualidade de ser necessário defen­der Maidan e explica que nada se fará sem instruções dos líderes da oposição. “Não queremos mais violência. Pediram-nos pa­ra cessar hostilidades e nós aceitámos. Mas ninguém pode esperar que fiquemos impávidos perante provocações".

Impasse e jogo de paciência

Ao virar da esquina, uma cortina de fumo laranja gera um cenário apocalíptico, Os pneus, madeira e lixo que há mais de uma semana ardem nas ruas de Kiev e cobrem o céu da cidade de fumo negro, servem para combater o frio e dissuadir a polícia. Suspeita-se que esteja iminente uma operação para expulsar os manifestantes da Praça da Independência.

É aqui, junto á entrada do grandioso es­tádio do Dínamo de Kiev, que se deram os confrontos mais graves desde o início das manifestações, foi também aqui que quarta-feira, pelo menos dois manifestantes perderam a vida, vítimas da violência policial.
Uma ação que levou ainda mais ucranianos a juntar-se aos protestos e que recebeu fortes críticas dos representantes da UE e EUA.

Agora, barricadas entre esqueletos de au­tocarros e veículos carbonizados da polícia, demarcam a ultima linha defensiva dos manifestantes.

Do outro lado, um número incerto de elementos policiais de escudos e bastões nas mãos, rodeado de neve e debaixo de temperaturas de 15 graus negativos, aguarda pacientemente instruções.



DOIS MESES DE TUMÚLTOS
21 Novembro 2013
lanukovitch desiste do pacto com a EU. A oposição enche a Praça da Independência (Maidan), coração da Revolução Laranja de 2004, e rebatiza-a Euromaidan.

30 Novembro 2013
Às 4 horas da manhã a polícia ataca a praça, ferindo também dezenas de transeuntes e jornalistas. O ministro do interior pede desculpa e promete investigar os abusos. A seguir dirigentes estrangeiros vindos a Kiev para uma reunião da OSCE visitam a praça e apoiam os rebeldes.

8 Dezembro 2013
Os manifestantes derrubam uma estátua do líder histórico russo Lenine em Kiev.

17 Dezembro 2013
A Rússia oferece à Ucrânia empréstimos a juros baixos e descontos no gás.

16 Janeiro 2014
Depois de um ex-ministro ter sido ferido num protesto, a maioria parlamentar favorável a Ianukovitch aprova leis para limitar no direito de manifestação, que fazem a contestação subir de tom.

22 Janeiro 2014
Confrontos causam primeiros mortos.


Três padres no meio da praça

Passa das seis da manhã, e nos poucos me­tros que separam a polícia dos manifestan­tes, três padres da igreja ortodoxa quedam-se estáticos e desafiantes perante as forças da ordem que minutos antes rega­vam o local com jatos de água, transfor­mada agora em gelo.

Enquanto os padres rezam de cruz na mão, do lado dos manifestantes ecoam pa­lavras de orgulho nacional e de provoca­ção aos homens de Viktor lanukovitch. Roman, um jovem de Odessa, que lidera os cânticos no topo de uma das barrica­das, faz uma pausa e explica que é apenas um jogo psicológico.

“Estamos num impasse. Há muita des­confiança dos dois lados, e ninguém acredita em promessas.  Mas não vamos to­mar qualquer ação radical. A nossa atitu­de é de esperar para ver. Vai ser assim por mais algum tempo até que nos for­cem a agir".

Nas ruas de Kiev o sol começa a iluminar os céus da cidade. É o início de um novo dia para uns, mas a continuação de meses de luta para muitos.

internacional@expresso.impresa.pt

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