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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Ucrânia. Negociações com oposição falham após derramamento de sangue



Por Diogo Vaz Pinto publicado em 25 Jan 2014 - 05:00 - lonline

Após cinco mortes em recontros de rua, governo debate exigências da oposição e faz cedências tímidas

Com a oposição fortemente mobilizada nas ruas, o presidente pró-russo Viktor Yanukovich anunciou ontem uma futura remodelação do governo e emendas às leis que reprimem as manifestações.

Mas os protestos estenderam-se a outras partes do país e as alterações cosméticas do regime parecem já ser muito tardias para acalmar a maioria da população, que exige uma democracia plena e que, em concentrações em massa, que não têm dado tréguas desde Novembro e transformaram Kiev num verdadeiro campo de batalha, exige eleições antecipadas.

O líder da oposição Vitaly Klitschko disse ontem que a única via para resolver o impasse é através de uma forte mediação internacional.

"Em vez de mudar para resolver a situação pelo bom senso, Yanukovich declarou guerra ao seu próprio povo", afirmou.

O nome "Ucrânia” significa literalmente "no limite”. É um país que vive à margem de outros, umas vezes incluído num, outras noutro e muitas outras simplesmente dividido. Nos séculos XVII e XVIII esteve dividido entre a Rússia, a Polónia e o Império Otomano;

No século XIX entre a Rússia e o Império Austro-Húngaro. Já no século passado, com excepção de um curto período de independência após a Primeira Guerra Mundial, o país tornou-se parte da União Soviética e permaneceu assim sete décadas. Há séculos que a Ucrânia vem bordando a saia dos impérios.

Apanhada entre Estaline e Hitler, entre políticas que iam de fazer a população morrer à fome a execuções em massa, acabaria estraçalhada pela miséria nas mãos do comunismo pós-Estaline. Nenhum outro país europeu sofreu tanto no século XX como a Ucrânia. De 1914 a 1945, nenhum outro viu de tão perto o inferno.

O país, praticamente plano, parece feito de encomenda para incentivar o conflito interno, e a sua história parece queixar-se de uma fome para que haja sempre uma força externa a impor-se aos ucranianos, oferecendo-lhes estabilidade. E foi a golpes de estômago que surgiu o principado de Kiev, predecessor de três países eslavos orientais modernas: Ucrânia, Bielorrússia e Rússia. Os pontos de vista debatem-se na linha que conjuga a história destes países, com argumentos sobre se foi a Ucrânia a criar a Rússia ou se foi ao contrário. O que interessa é que o passado dos dois é difícil de destrinçar.

A Ucrânia vê-se hoje de novo desafiada e atraída por dois pólos em oposição, tentando encontrar espaço ou um equilíbrio que evidencia as suas próprias assimetrias. Com a Rússia de um lado e a Europa do outro, o que torna a crise de indefinição actual inédita é o país atravessar hoje o maior período de independência em séculos. Passaram-se 22 anos desde o colapso da União Soviética, e, por uma vez, aparentemente o povo ucraniano tem uma palavra a dizer sobre a entidade estrangeira com a qual deve alinhar-se no futuro.

Se muitos ucranianos desejam aderir à União Europeia, a verdade é que a posição dos 28 anos no seu todo em relação à Ucrânia se mantém, na melhor das hipóteses, ambivalente. Por outro lado, para os russos a Ucrânia é tão decisiva hoje como sempre foi. Não se trata apenas de uma questão de segurança nacional; a Ucrânia controla o acesso da Rússia ao mar negro, e portanto ao Maditerrâneo. Os portos de Odessa e Sebastopol proporcionam uma via tanto militar como comercial para as exportações, especialmente a partir do Sul da Rússia. A Ucrânia oferece ainda uma rota essencial para o envio de energia para a Europa, e de importância vital numa altura em que esta se tornou a principal alavanca da Rússia para influenciar e controlar outros países, a começar pela própria Ucrânia.

É por esta razão que a Revolução Laranja - os protestos que, em 2004, obrigaram à repetição da eleição presidencial que dera a vitória a Viktor Yanukovich, considerada fraudulenta - alterou a perspectiva da Rússia face ao Ocidente e, consequentemente, a sua relação com a Ucrânia. Após a dissolução da União Soviética, a Ucrânia passou por uma série de governos que se mantiveram alinhados com a Rússia. Quando as multidões saíram à rua, em 2004, e obrigaram Yanukovich - visto como candidato pró-Rússia - a renunciar, foi uma coligação pró-Ocidente que o substituiu.

Os russos acusaram então a revolta pacífica de ser arquitectada por agências dos serviços secretos ocidentais - em particular a CIA e o MI6 -, que teriam canalizado fundos para ONG e partidos pró-ocidentais.

Putin passou os seis anos seguintes a trabalhar para reverter o resultado. Nas eleições de 2010, Yanukovich voltou ao poder. Para isso muito contribuíram os estreitos laços financeiros e políticos entre os oligarcas russos e ucranianos. Há uma imensa facção pró-Rússia na Ucrânia e em 2010 houve uma profunda decepção com a falta de compromisso do Ocidente de apoiar a Ucrânia de uma forma mais substancial.


O terço mais a oriente do país inclina-se fortemente para a Rússia e não para o Ocidente. O terço ocidental está voltado no sentido oposto. O centro, por sua vez, inclina-se para o Ocidente, mas mostra-se dividido. A divisão linguística segue as mesmas linhas, com a maior concentração de falantes do ucraniano a viverem no Ocidente e os falantes do russo concentrados a leste. Esta diferença observou-se bem nas eleições de 2010 e nas que a precederam. Yanukovich dominou o Leste, ao passo que a sua opositora, Yulia Timoshenko, ganhou não só a zona ocidental como a central. A diferença é que o apoio no Leste ao Partido das Regiões de Yanukovich foi esmagador.

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