Por Diogo Vaz Pinto publicado em 25
Jan 2014 - 05:00 - lonline
Após cinco mortes em recontros de rua, governo debate
exigências da oposição e faz cedências tímidas
Com a oposição fortemente mobilizada nas ruas, o
presidente pró-russo Viktor Yanukovich anunciou ontem uma futura remodelação do
governo e emendas às leis que reprimem as manifestações.
Mas os protestos estenderam-se a outras partes do país e
as alterações cosméticas do regime parecem já ser muito tardias para acalmar a
maioria da população, que exige uma democracia plena e que, em concentrações em
massa, que não têm dado tréguas desde Novembro e transformaram Kiev num
verdadeiro campo de batalha, exige eleições antecipadas.
O líder da oposição Vitaly Klitschko disse ontem que a
única via para resolver o impasse é através de uma forte mediação
internacional.
"Em vez de mudar para resolver a situação pelo bom
senso, Yanukovich declarou guerra ao seu próprio povo", afirmou.
O nome "Ucrânia” significa literalmente "no
limite”. É um país que vive à margem de outros, umas vezes incluído num, outras
noutro e muitas outras simplesmente dividido. Nos séculos XVII e XVIII esteve
dividido entre a Rússia, a Polónia e o Império Otomano;
No século XIX entre a Rússia e o Império Austro-Húngaro.
Já no século passado, com excepção de um curto período de independência após a
Primeira Guerra Mundial, o país tornou-se parte da União Soviética e
permaneceu assim sete décadas. Há séculos que a Ucrânia vem bordando a saia dos
impérios.
Apanhada entre Estaline e Hitler, entre políticas que iam
de fazer a população morrer à fome a execuções em massa, acabaria estraçalhada
pela miséria nas mãos do comunismo pós-Estaline. Nenhum outro país europeu
sofreu tanto no século XX como a Ucrânia. De 1914 a 1945, nenhum outro viu de
tão perto o inferno.
O país, praticamente plano, parece feito de encomenda
para incentivar o conflito interno, e a sua história parece queixar-se de uma
fome para que haja sempre uma força externa a impor-se aos ucranianos, oferecendo-lhes estabilidade. E foi a
golpes de estômago que surgiu o principado de Kiev, predecessor de três países
eslavos orientais modernas: Ucrânia, Bielorrússia e Rússia. Os pontos de vista
debatem-se na linha que conjuga a história destes países, com argumentos sobre
se foi a Ucrânia a criar a Rússia ou se foi ao contrário. O que interessa é que
o passado dos dois é difícil de destrinçar.
A Ucrânia vê-se hoje de novo desafiada e atraída
por dois pólos em oposição, tentando encontrar espaço ou um equilíbrio que
evidencia as suas próprias assimetrias. Com a Rússia de um lado e a Europa do
outro, o que torna a crise de indefinição actual inédita é o país atravessar
hoje o maior período de independência em séculos. Passaram-se
22 anos desde o
colapso da União Soviética, e, por uma vez, aparentemente o povo ucraniano tem
uma palavra a dizer sobre a entidade estrangeira com a qual deve alinhar-se no futuro.
Se muitos ucranianos
desejam aderir à União Europeia, a verdade é que a posição dos 28 anos no seu
todo em relação à Ucrânia se mantém, na melhor das hipóteses, ambivalente. Por
outro lado, para os russos a Ucrânia é tão decisiva hoje como sempre foi. Não
se trata apenas de uma questão de segurança nacional; a Ucrânia controla o
acesso da Rússia ao mar negro, e portanto ao Maditerrâneo. Os portos de Odessa e Sebastopol proporcionam
uma via tanto militar como comercial para as exportações, especialmente a
partir do Sul da Rússia. A Ucrânia oferece ainda uma rota essencial para o
envio de energia para a Europa, e de importância vital numa altura em que esta
se tornou a principal alavanca da Rússia para influenciar e controlar outros
países, a começar pela própria Ucrânia.
É por esta razão que a Revolução Laranja - os protestos
que, em 2004, obrigaram à repetição da eleição presidencial que dera a vitória
a Viktor Yanukovich, considerada fraudulenta - alterou a perspectiva da Rússia
face ao Ocidente e, consequentemente, a sua relação com a Ucrânia. Após a dissolução da União
Soviética, a Ucrânia passou por uma série de governos que se mantiveram
alinhados com a Rússia. Quando as multidões saíram à rua, em 2004, e obrigaram
Yanukovich - visto como candidato pró-Rússia - a renunciar, foi uma coligação
pró-Ocidente que o substituiu.
Os russos acusaram então a revolta pacífica de ser
arquitectada por agências dos serviços secretos ocidentais - em particular a
CIA e o MI6 -, que teriam canalizado fundos para ONG e partidos pró-ocidentais.
Putin passou os seis anos seguintes a trabalhar para
reverter o resultado. Nas eleições de 2010, Yanukovich voltou ao poder. Para
isso muito contribuíram os estreitos laços financeiros e políticos entre os
oligarcas russos e ucranianos. Há uma imensa facção pró-Rússia na Ucrânia e em
2010 houve uma profunda decepção com a falta de compromisso do Ocidente de
apoiar a Ucrânia de uma forma mais substancial.
O terço mais a oriente do país inclina-se
fortemente para a
Rússia e não para o Ocidente. O terço ocidental está voltado no sentido oposto.
O centro, por sua vez, inclina-se para o Ocidente, mas mostra-se dividido. A divisão
linguística segue as mesmas linhas, com a maior concentração de falantes do
ucraniano a viverem no Ocidente e os falantes do russo concentrados a leste.
Esta diferença observou-se bem nas eleições de 2010 e nas que a precederam.
Yanukovich dominou o Leste, ao passo que a sua opositora, Yulia Timoshenko,
ganhou não só a zona ocidental como a central. A diferença é que o apoio no
Leste ao Partido das Regiões de Yanukovich foi esmagador.
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