MARK J. ROE |
Este esforço dos
reguladores para obter um
mercado financeiro
mais sólido tem-se concentrado
até agora em exigir mais capital, em criar produtos mais seguros e em
estabelecer estruturas de
negócio mais resilientes. Efectivamente, estas são as prioridades certas.
negócio mais resilientes. Efectivamente, estas são as prioridades certas.
28 Janeiro 2014, 22:00 por Mark J. Roe - Jornal de Negócios
Quatro dos mais importantes reguladores financeiros do mundo - o Banco de Inglaterra, a Autoridade Federal de Supervisão Financeira da Alemanha (BaFin), a US Federal Deposit Insurance Corporation e a Autoridade de Supervisão Financeira e de Mercado da Suíça - pediram recentemente à indústria mundial de derivados para mudar a forma como trabalha. A questão agora é saber se os reguladores o conseguem com um pedido ou se apenas o conseguem com algo mais substancial. Não vai ser fácil.
A carta, escrita de
forma lacónica pelos reguladores, e que foi endereçada à Associação
Internacional de Swaps e Derivados (ISDA) pediu a esta última para renunciar a
uma componente central do esforço de várias décadas desta indústria para se
colocar à margem da falência dos devedores financeiros - uma isenção que piora
não apenas a estabilidade do devedor, mas também a da economia global. Muitos
observadores acreditam que estas isenções atingiram o sistema financeiro
mundial de forma particularmente dura quando o Lehman Brothers faliu em 2008.
Os reguladores estão
a concentrar-se numa característica
importante dos contratos de derivados, que permite à indústria terminar os seus
acordos de forma abrupta com qualquer entidade com problemas financeiros, tornando-a incapaz de recuperar.
Os outros credores não costumam poder fazer isso; numa falência nos EUA, por
exemplo, primeiro têm de esperar que o tribunal decida se a empresa do devedor
pode ser reestruturada. Só depois podem
cobrar as suas dívidas.
Os reguladores de
todo o mundo têm feito esforços para tornar mais seguro o sistema financeiro.
Com esta recente missiva à indústria dos derivados, começam a lidar com as
falências - e já era tempo de o fazerem.
Até agora, as
falências desempenhavam um papel de segundo nível nos esforços de reforma,
apesar de as leis das insolvências já fazer pelas empresas industriais muito do
que os reguladores querem aplicar às empresas financeiras. Ao reestruturar as dívidas de uma
empresa falida, salvaguardando os negócios lucrativos, e vendendo os que causam
prejuízos, a falência pode minimizar os custos que uma empresa falhada pode
implicar para os seus credores e para a economia como um todo.
Mas apesar de a lei
de insolvências dos EUA fazer, em geral, um bom trabalho a reestruturar empresas industriais,
ela não pode reestruturar empresas financeiras,
porque as regras básicas da insolvência - que permitem que o tribunal consolide
os activos da empresa, os recoloque e venda o resto - não se aplica à maioria
dos contratos financeiros, como os derivados. Por isso, a insolvência tanto é
parte do problema como da solução que se espera - isto caso possa ser corrigida
e posta ao serviço das empresas financeiras.
Olhemos para a queda
do Lehman Brothers. Quando o então secretário do Tesouro Americano, Henry
Paulson, decidiu não resgatar o Lehman, a empresa pediu a insolvência e vendeu
rapidamente as suas operações de corretagem. Mas, como mau prenúncio, não
conseguiu vender o seu grande portefólio de contratos de derivados - negócios
que se baseiam nas variações das taxas de juro e de câmbio. De acordo com quase
todos os relatos, o portefólio de derivados do Lehman era atractivo quando este
faliu, mas as isenções da falência para derivados permitiu às outras partes
liquidar as suas posições rapidamente, de uma maneira que foi dispendiosa para
o Lehman, caótica para os mercados financeiros e prejudicial para a economia
real.
O mercado de
derivados está isento das regras que impedem os credores de agarrar nos
colaterais e rescindir os seus contratos quando o devedor apresenta a insolvência.
Também estão isentos das regras que impedem credores bem informados de se
apropriarem de activos e fugirem mesmo antes da falência, mesmo que essas
posições sejam necessárias para, digamos, vender o portefólio intacto a outra
empresa, e mesmo que esse credor fugitivo viesse no final a ser pago na
totalidade e com juros.
Este esforço dos
reguladores para obter um mercado financeiro mais sólido tem-se concentrado até agora
em exigir mais capital, em criar produtos mais seguros e em estabelecer
estruturas de negócio mais resilientes. Efectivamente, estas são as prioridades
certas. Mas o Congresso americano e os reguladores disseram até agora que a
insolvência é a sua maneira preferida de reestruturar
empresas financeiras
na falência. Se um processo judicial de insolvência puder funcionar, crê-se que
isso poderia minimizar a possibilidade de resgates financiados pelos
contribuintes e a perturbação dos mercados financeiros e da economia real.
O problema é que a
insolvência, hoje, não é mais capaz de reestruturar
uma empresa
financeira falida do que era em 2009; um Lehman falido em 2014 não seria menos
prejudicial para a economia mundial. Os reguladores americanos, por exemplo,
não podem tentar um processo de insolvência antes de aplicarem os seus poderes
ampliados pela legislação de reforma financeira de Dodd-Frank, de 2010; se o
fizessem, as contrapartes dessa empresa nos mercados de derivados e de recompra
iriam rescindir os contratos e livrar-se das garantias tão rápido quanto
possível.
Assim que isso acontecesse
- provavelmente horas depois da apresentação da insolvência - seria impossível
recuperar a empresa. Os reguladores não poderiam voltar atrás e salvar a
empresa com os seus novos poderes Dodd-Frank, porque a empresa já estaria feita
em bocados. Por isso, no quadro actual, os reguladores devem evitar a falência,
ao invés de usá-la, porque no momento em
que uma empresa financeira se apresentar à insolvência estará a assinar a sua
própria sentença de morte.
A carta dos
reguladores à ISDA pede ao sector dos derivados que reescreva os seus contratos
"standard", para que o portefólio de uma empresa falida não seja desbaratado assim que
ela se apresentar à insolvência. Este é um grande passo na direcção certa. Porém,
quando os reguladores reflectirem um pouco mais, vão reconhecer que não podem
confiar em que o sector dos derivados reveja os contratos, tal como a falência
de uma indústria não confia nos contratos dos credores para evitar que as
empresas falidas sejam destruídas. Muitos, simplesmente, não vão respeitar os
termos do contrato.
Talvez os reguladores
venham a descobrir que devem exigir que os regulados tenham as disposições
contratuais desejadas. Essa solução será, contudo, incompleta, porque nem todos
os “traders” de derivados são instituições financeiras reguladas, e porque
muitos credores vão encontrar forma de contornar o contrato e os requisitos. Se
a cobertura não estiver completa, pode-se esperar que os regulados se queixem
por terem sido colocados em desvantagem competitiva.
Os reguladores também
podem ter de recorrer às leis de insolvência para resolver o problema. O pedido
dos reguladores à ISDA para que esta actue voluntariamente não vai ter grande
significado se for apenas um pedido ao sector dos derivados para agir contra os
seus próprios interesses financeiros. Mas põe os reguladores no caminho de
reformas mais sérias.
Mark Roe é professor
na Harvard
Law School.
© Project Syndicate,
2014.
Tradução: Bruno
Simões