MOÇAMBIQUE
Bárbara Reis
15 de Maio de 2018, 19:09
Como é que se substitui um líder que dominou um partido durante 40 anos e morreu sem aviso nem sucessão planeada?
O antigo representante da Renamo em Portugal admite que o partido ainda não tem uma estratégia.
"É preciso ter calma."
A Renamo está de luto até 14 de Junho e não tem pressa em iniciar o processo de substituição de Afonso Dhlakama, o líder histórico do maior partido da oposição de Moçambique que morreu no início do mês, disse ao PÚBLICO António Chichone, que foi representante da Renamo em Portugal nos últimos 15 anos.
Ainda sem estratégia para a sucessão, a cúpula tem sobre a mesa três cenários para escolher o sucessor.
A decisão caberá à Comissão Política Nacional da Renamo, que tem 11 membros, e que nomeou o ex-guerrilheiro Ossufo Momade como novo coordenador, cargo que Dhlakama ocupou até à morte.
“É a comissão que vai decidir se o novo líder será escolhido num congresso extraordinário, pelo Conselho Nacional ou por um Conselho Nacional alargado”, disse Chichone, representante da Renamo em “Portugal, Europa e resto do mundo" entre 2002 e 2017 e que hoje, embora seja apenas um militante, continua a ser um porta-voz semioficial do partido.
O Conselho Nacional tem 100 membros.
Um dos factores desta equação é o dinheiro, já que “pode não haver fundos para fazer um congresso neste momento”, admite Chichone.
Mas não é o único.
“Fomos apanhados de surpresa com a morte de Sua Excelência o Presidente Afonso Dhlakama”, diz o ex-representante da Renamo.
“Ele foi um pai, um guia, um mestre.
Era um homem com uma dimensão universal.
O mobilizador que ele era, o carismático que ele era, o político que ele era, o estratega que ele era... não será fácil substituir.
A dificuldade não seria tão grande se o vazio não fosse tão grande.”
O timing parece ser o menor dos problemas.
“O partido não está parado, nem na corda bamba, mas não posso dizer se a eleição do novo líder vai ser daqui a quatro ou seis meses — ou depois de amanhã.
Pode ser antes das autárquicas ou depois.
É prematuro.
Estamos todos expectantes para saber quem vai ser o novo líder, para sairmos desta angústia, mas temos de ter calma, não podemos fazer isto a correr”, diz Chichone.
A pressa interessaria apenas aos “inimigos da Renamo”, aos que querem “ver o partido cair do cavalo”.
O perfil do futuro líder
Uma coisa é clara para Chichone: o perfil ideal do sucessor.
“O partido tem de escolher uma pessoa das bases, humilde e humana, sem medo, com vocação e que reflicta o sentimento do povo, com um discurso motivador — porque a Renamo é um partido de bases e as bases procuram esse aconchego.
E tem de ser próximo dos militares e dos civis.”
No funeral de Dhlakama, a 9 de Maio, na cidade da Beira, centro do país, Filipe Nyusi, Presidente moçambicano e líder da Frelimo, não só fez um elogio ao antigo rival como apelou a que, em sua homenagem, o processo de paz seja consolidado e os acordos feitos respeitados.
António Chichone faz o mesmo apelo: “Dhlakama lutou pela democracia em Moçambique até ao seu último suspiro.
Morreu na mata, sem médicos, sem remédios.
Foi um grande herói de Moçambique.
Muitos esperaram uma cisão, mas isso não aconteceu: a sua morte uniu ainda mais o partido.”
A primeira decisão nesse sentido é concorrer às eleições autárquicas de Outubro. Dhlakama “queria que as pessoas se recenseassem e é isso que temos estado a fazer — apelar ao recenseamento para as autárquicas, que está a terminar”, diz Chichone.
“A Renamo vai participar nas autárquicas.
Não há dúvida.
Essa é a melhor forma de honrar Sua Excelência o Presidente.”
Nyusi e Dhlakama tinham acabado de chegar a acordo quanto à descentralização — um dos três temas por resolver desde o Acordo Geral de Paz, assinado em Roma, em 1992, entre o então Presidente Joaquim Chissano e Dhlakama.
Os governadores das 11 províncias de Moçambique são nomeados pelo Presidente e a Renamo há muito que defende que devem ser eleitos por sufrágio universal.
O partido da oposição também propôs alterações relativas aos administradores distritais (nomeados pelo Ministério da Administração Estatal e Função Pública) e a forma como são eleitos os presidentes dos 53 municípios.
“No fim de Fevereiro, os dois líderes [Nyusi e Dhlakama] decidiram que deve haver mudanças e que devia ser o parlamento a decidir quais.”
O acordo em relação à integração dos antigos guerrilheiros da Renamo nas forças de segurança nacionais também estará muito avançado.
Há o receio, admite Chichone, de que os acordos “sejam postos na prateleira”, agora que a Renamo não tem presidente.
Mas como muitos moçambicanos e analistas, este porta-voz semioficial acredita que chegou o momento de “mostrar ao mundo que os moçambicanos conseguem entender-se e dar-se bem”.
E por isso, neste momento, tem um desejo acima de todos: “Que Deus inspire os nossos representantes na Comissão Política.”
breis@público.pt
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