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segunda-feira, 21 de maio de 2018

“Hoje as bases da Renamo são pessoas de meia-idade: querem oportunidades para os filhos”

ENTREVISTA
Bárbara Reis
21 de Maio de 2018, 7:02
Duas semanas após a morte do líder histórico, especialista em política africana faz ponto da situação: os sinais positivos, os retratos cirúrgicos e a antecipação do futuro de Moçambique segundo Alex Vines.








Alex Vines, fundador e director do Programa de África da Chatham House, o prestigiado think tank britânico, conhece Moçambique desde 1984. 
Publicou um livro em 1991 (Renamo: terrorism in Mozambique) e integrou a equipa eleitoral da UNOMOZ, a missão da ONU que acompanhou as presidenciais de 1994, em Chibuto, província de Gaza. 
Vines é o tipo de analista que, a seguir à morte de Afonso Dhlakama, telefona a várias pessoas da Renamo e da Frelimo para tomar o pulso ao ambiente político. 
Diz que os ex-guerrilheiros continuam a ter muito poder e que a escolha de Ossufo Momade para supervisionar a transição da Renamo após a morte do líder histórico o coloca como o candidato mais forte na linha de sucessão.

O que viu de relevante em Moçambique desde a morte de Dhlakama, a 3 de Maio?

Foi muito importante o facto de o funeral ter tido muita dignidade. 
O discurso do Presidente de Moçambique e de outras pessoas no funeral; a presença de diferentes grupos da Renamo nas cerimónias; do outro partido, o MDM [Movimento Democrático de Moçambique], com Daviz Simango e José Domingos; e até Ivete Fernandes, viúva do antigo secretário-geral da Renamo [Evo Fernandes, assassinado em Lisboa em 1988]: tudo isso foi muito importante e vai ajudar a Renamo no futuro. 
A nomeação de Ossufo Momade como líder interino também é uma boa decisão, porque uma parte-chave da Renamo são os militares e os funcionários públicos de meia-idade. Ossufo vai conseguir gerir essa transição de forma responsável. 
Tive uma surpresa: a intervenção no funeral de Ivone Soares, a sobrinha de Dhlakama. Percebo que é uma das candidatas à sucessão de Dhlakama, mas nas cerimónias fúnebres soou deslocada. 
Avaliou mal a situação, usando-a para aumentar a sua base de apoio na corrida à liderança do partido.

O que quer dizer com “má avaliação”?

O Presidente Nyusi mostrou atitude de Estado e sensibilidade, dada a história difícil entre a Renamo e a Frelimo. 
A única nota desafinada foi Ivone Soares. 
A meu ver, isso significa que ela estará a sentir-se sob pressão e enfraquecida. 
Ela apoiava-se muito no tio. 
A morte de Dhlakama muda essa dinâmica.

O que o impressionou tanto na intervenção de Ivone Soares?

Estava muito emocionada, não usou um tom muito conciliador, tentou apelar ao apoio dos jovens da Renamo, mostrou demasiado as suas credenciais — deixando claro que era a sobrinha de Dhlakama e líder da bancada parlamentar da Renamo na Assembleia da República. 
Foi um discurso que surpreendeu. 
Em inglês dizemos raised eyebrows. 
E, no caso, Ivone Soares fez enrugar a testa à Frelimo, aos diplomatas e até na própria Renamo houve caras de espanto. 
É claro que ela estava comovida. 
Dhlakama é da família, não é apenas o seu líder. 
Isso explica uma parte. 
Mas também é indicativo de que a luta pela sucessão está em cima da mesa.

Na Renamo, há alas que a vêem como uma mulher demasiado jovem, urbana e cosmopolita para representar o partido. Qual é a sua leitura?

Tudo isso é verdade. 
Não me parece que um moçambicano de 40 ou 50 anos que vive em Sussundenga [Manica] ou Gorongosa [Sofala] lhe dê grande atenção. 
O poder de Ivone Soares decorre muito do seu tio. 
Ela é uma senhora de Maputo, cosmopolita e urbana. 
E, além disso, não tem muito autocontrolo e tem grande dificuldade em perdoar a Frelimo. É neste aspecto que ter Ossufo Momade como figura de transição — e ele pode vir a tornar-se o líder da Renamo — é uma boa escolha. 
Ele é mais ponderado, tem a experiência da guerra, tem o respeito dos antigos combatentes. 
Alguma imprensa, sobretudo da África do Sul, disse que “a Renamo de Momade” ameaçara abandonar as negociações de paz com a Frelimo, mas não é de todo verdade. 
Não há dúvida sobre qual é a vontade da Renamo: eles querem acordos de paz duradouros. 
O processo de paz vai avançar. 
Esse foi o último desejo de Dhlakama. 
Ele compreendia as pessoas do centro de Moçambique, que são as bases do partido. Sabia o que elas querem. 
Hoje, as bases da Renamo são pessoas de meia-idade: querem oportunidades para os filhos. 
Isso significa que há aqui uma possibilidade. 
Mas os políticos têm de agir com boa-fé. 
Tanto a Renamo como a Frelimo.

Civil ou militar: qual é o melhor perfil para o futuro líder da Renamo?

A escolha terá que ser feita pelo partido. 
Na Renamo nunca houve discussão democrática. 
Tudo girou sempre em torno do comandante Dhlakama. 
Vamos ver quão aberto vai ser este debate. 
Mas o facto é que a principal base de apoio da Renamo são os ex-guerrilheiros do centro de Moçambique. 
São eles que dão à Renamo o poder negocial que obriga o governo a negociar e a chegar a compromissos. 
Imagino que os militares vão ter um papel predominante nesta questão. 
A escolha de Ossufo Momade para supervisionar a transição já mostra isso. 
Dos três interessados ao lugar — Ivone Soares, Bissopo e Momade — ele está, naturalmente, na posição mais forte. 
É um antigo guerrilheiro. 
Bissopo é de uma geração mais nova, nunca lutou na guerra civil, que acabou em 1992. Aliás, uma das coisas incríveis da Renamo é que os “seus” jovens votam no partido, mas não querem lutar por ele. 
Há anos que toda a actividade militar da Renamo é feita por homens de meia-idade e são eles próprios que dizem aos jovens para se manterem afastados do conflito e concentrarem-se na sua educação. 
Esta é uma questão geracional. 
E é um sinal forte de que a Renamo quer encontrar uma solução duradoura para as questões pendentes. 
Parece que a eleição dos governadores [das províncias, hoje nomeados pelo Presidente da República] está resolvida: a Frelimo já concordou e só falta oficializar. 
Quanto aos outros temas pendentes — integração dos ex-militares nas forças de segurança nacionais e a desmobilização — há um acordo praticamente fechado. 
Quando Dhlakama morreu, estavam a oito semanas de o terminar.

A morte de Dhlakama ajuda ou complica esse processo?

A curto prazo, vai desacelerar o processo. 
Penso que não vão conseguir anunciar um acordo dentro das oito semanas previstas — vão estar ocupados a encontrar um novo líder. 
Mas a longo prazo, e se o Governo agir de boa-fé, pode significar a sobrevivência do acordo. 
Uma das fraquezas de Dhlakama era ser inconsistente. 
A sua opinião era a da última pessoa com quem tinha falado. 
Melhorou muito com os anos, mas a complexidade da sua personalidade pode significar que a implementação dos acordos que venham a ser feitos seja mais fácil e mais duradoura sem ele. 
Nesse aspecto, Momade é muito diferente.

A Renamo ainda não decidiu se o novo líder será escolhido num congresso extraordinário, pelo Conselho Nacional ou por um Conselho Nacional alargado. Ainda é um partido sem regras internas claras?

Sim. 
Os congressos da Renamo foram sempre simples exercícios de confirmação de Dhlakama. Até houve um congresso que teve de ser feito por telefone: Dhlakama estava escondido no centro, ligou para a Beira, onde os militantes estavam reunidos, e foi reconduzido por telefone. 
Para mim, o que é surpreendente é a Renamo — mesmo tendo Dhlakama estado várias vezes à beira de ser morto pelo Governo — nunca ter acreditado que um dia ele morreria. Estavam totalmente impreparados para a sua morte. 
Isto também mostra que Dhlakama era um homem muito inseguro e que nunca deu espaço para que outros emergissem — talvez a excepção tenha sido, um pouco, a sobrinha. 
Na Renamo, a sucessão nunca foi tema de debate.

Uma das questões é saber se a Renamo tem fundos para fazer um congresso extraordinário para eleger o futuro líder.

A Renamo não tem dinheiro, tem muito pouca experiência e todas as pessoas do partido com quem falei nos últimos dias estão muito traumatizadas com a morte de Dhlakama. 
Não há instituições, não há procedimentos. 
Os congressos do partido nunca foram democráticos. 
O paradoxo é que Dhlakama autoproclamou-se “pai da democracia de Moçambique” — e a Renamo forçou, com sucesso, a abertura do espaço político —, mas nunca houve democracia na Renamo. 
O primeiro congresso foi organizado pelo governo da África do Sul no tempo do apartheid. A história da Renamo está cheia de contradições. 
Infelizmente é para “inglês ver”, nada mais. 
Nesse sentido, a Frelimo, com as suas facções, sempre foi mais democrática. 
Desde que Dhlakama regressou à violência armada, a disciplina foi reforçada. 
O regresso à violência armada, em 2013, foi uma forma de reafirmar a sua autoridade.

É realista a Renamo adiar a escolha do novo líder durante meses?

A Renamo só vai precisar de resolver a questão da liderança no princípio de 2019. 
Nessa altura, precisam de um candidato para as eleições presidenciais. 
Para as autárquicas não é muito relevante. 
Provavelmente vão concorrer com Ossufo Momade e podem à mesma conseguir bons resultados, uma vez que há muitos moçambicanos decepcionados com a Frelimo. 
Nas últimas autárquicas, a Renamo não concorreu e o MDM ficou com os seus votos. Neste momento, uma das questões é saber se haverá uma plataforma comum da oposição.

Esta “nova era” é uma possibilidade para uma democratização interna da Renamo?

Os políticos profissionais da geração mais nova, como Ivone Soares e Bissopo, dizem que os militares não devem controlar a Renamo e que é necessário mais democracia. 
Vamos ver. 
Suspeito que o coração da Renamo continuará a ser formado pelos militares do partido: são eles que têm as armas, são eles que têm poder sobre a Frelimo, pois podem forçá-la a regressar às negociações — e um dos resultados disso poderá ser a eleição dos governadores das províncias e a Renamo ganhar cinco províncias, o que seria um enorme sucesso.

Nunca tiveram nenhum.

Sim e isso terá sido interpretado por Dhlakama como um sinal de que tão cedo não seria Presidente de Moçambique. 
Para a sobrevivência da Renamo, ele tinha de mostrar algum progresso e eleger governadores era uma forma de o fazer. 
Mas a Frelimo também tem de compreender que, numas eleições livres, poderá perder a maioria na Assembleia da República. 
Para um partido de libertação nacional que está no poder esse é um cenário muito difícil de aceitar.

breis@público.pt

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