Maria João Guimarães
6 de Dezembro de 2017, 22:01
Presidente norte-americano disse que Jerusalém é a capital de Israel e ordenou a mudança da embaixada de Telavive para a cidade santa, provocando um coro de condenação, da Europa à ONU, da Turquia à Arábia Saudita.
É altura de reconhecer oficialmente Jerusalém como capital de Israel”, disse Trump
O Presidente norte-americano, Donald Trump, prometeu e fez: anunciou que os Estados Unidos reconhecem Jerusalém como a capital do Estado de Israel e que o processo de mudança da embaixada de Telavive para a cidade vai começar a ser preparado de imediato. Um coro de indignação seguiu-se ao anúncio que tem consequências imprevisíveis. Protestos rebentaram de Istambul a Amã.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, falou de um momento de “grande tensão”, o Presidente francês, Emmanuel Macron, declarou que a acção do seu homólogo norte-americano foi “lamentável”. Egipto e Jordânia dizem que a declaração “não tem validade”. A Turquia foi mais longe: o discurso “é uma clara violação da lei internacional”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mevlut Cavusoglu.
Da Turquia começaram a aparecer imagens de protestos em frente ao consulado norte-americano em Istambul; seguiram-se protestos na Jordânia, que tem um grande número de refugiados palestinianos. As facções palestinianas anunciaram “três dias de raiva”, a começar no dia do anúncio, e houve protestos em várias cidades da Cisjordânia e na Faixa de Gaza.
Os próprios Estados Unidos recomendaram aos seus cidadãos para que não viajem até à região por motivos de segurança.
O rei Salman, da Arábia Saudita, disse que esta acção será “uma provocação flagrante para todos os muçulmanos, em todo o mundo”. A Organização para a Cooperação Islâmica, assim como a Liga Árabe, já anunciaram reuniões de emergência.
"Reconhecer a realidade"
Para explicar a sua decisão, o Presidente dos Estados Unidos discursou durante cerca de meia-hora. Disse que nos últimos 20 anos, todos os Presidentes americanos acabaram por não seguir com a medida, talvez por “falta de coragem”, talvez porque acharam ser a melhor decisão. Mas “depois de duas décadas [a não reconhecer Jerusalém como a capital de Israel e a não mudar a embaixada] não estamos mais perto de um acordo”, argumentou. “Por isso, não vale a pena repetirmos a acção e esperarmos outro resultado”.
A realidade mudou e o processo de paz também tem de mudar
Protestos contra a decisão de Donald Trump na Faixa de Gaza
“É altura de reconhecer oficialmente Jerusalém como capital de Israel”, declarou então, invocando o facto de ser na cidade que está a sede do Governo de Israel, do Parlamento, da maior parte dos ministérios, e do Supremo Tribunal. Apesar disso, há muitos anos que não há nenhuma embaixada de nenhum país na cidade, apenas consulados, e nenhum país reconhece a pretensão israelita. Mas na prática, “é lá que os líderes que visitam o país se encontram com os responsáveis israelitas, como eu na minha visita de Maio”, continuou Trump.
Para Trump, é tudo mais simples: “Israel é um Estado soberano e tem direito a decidir onde é a sua capital”. No entanto, quem esperava que pudesse referir-se às pretensões palestinianas à parte oriental da cidade para sua capital ficou desiludido. O Presidente norte-americano ignorou essa reivindicação, dizendo apenas que esta sua declaração “não é mais nem menos do que o reconhecimento da realidade”, que a decisão não pretende ter qualquer influência sobre fronteiras, deixando assim aberta a possibilidade de a cidade ser dividida entre israelitas e palestinianos.
Os EUA apoiam a solução de dois Estados “se ambas as partes estiverem de acordo”, disse ainda o Presidente, acrescentando que os Estados Unidos continuam empenhados em ajudar a obter “um grande acordo para israelitas e um grande acordo para palestinianos”.
Quebra de consenso internacional
A embaixada norte-americana, que será a única em Jerusalém, vai começar agora a ser planeada: “Dei ordem ao Departamento de Estado para começar imediatamente a preparar a mudança da embaixada", com "arquitectos, engenheiros, projectistas” a trabalhar para que os EUA tenham uma “grande embaixada” que seja “um tributo à paz”. O Presidente assinou o documento que mantém a embaixada em Telavive, o que fará até que a nova embaixada esteja pronta, o que poderá acontecer dentro de três anos.
Trump disse também que o Médio Oriente tem pessoas “maravilhosas” mas tem estado refém de radicalismos. “É altura de quem quer a paz expulsar os extremistas”, declarou. “É altura para debate e não para violência.” Atrás de Trump, durante o anúncio, estava o vice-Presidente, Mike Pence, que irá “nos próximos dias” para a região para discutir com os parceiros dos EUA modos de "combater o radicalismo".
Protesto em Istambul contra o reconhecimento de Israel como capital de Israel por parte dos EUA
No seu discurso, Trump elogiou ainda Israel como “uma das democracias com mais sucesso do mundo”, onde é possível que cada um siga a sua religião, e onde em Jerusalém os judeus rezam no Muro Ocidental, cristão sigam a Via Sacra, e muçulmanos rezam na mesquita de Al-Aqsa. "E é assim que tem de continuar."
Fim do "negociador neutro"
Há quem veja uma vantagem no anúncio de Trump: a pretensão americana de ser um negociador neutro fica definitivamente afastada. Uma pretensão que já fora afectada por várias decisões, como a de George W. Bush ter prometido a Ariel Sharon que Israel poderia manter os grandes blocos de colonatos no seu território (colonatos ilegais, segundo a lei internacional, em território ocupado).
Numa mensagem gravada, o Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, disse que Jerusalém era a “eterna capital da Palestina” e que a acção de Trump significava que “os Estados Unidos estão a abdicar do seu papel de mediadores de paz”.
O jornalista do New York Times Nicolas Kristof considerava que “o reconhecimento de Trump é uma acção simbólica que não consegue nenhum resultado excepto tornar a paz menos provável, e a violência mais provável”.
A jornalista Allison K. Summer, do jornal Ha’aretz, acrescenta que com os seus apelos à não-violência, Trump assegura que “se a situação explodir, e houver algum tipo de reacção violenta, será fácil culpar os palestinianos ou árabes, e não assumir que houve qualquer erro de cálculo da sua parte.”
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, congratulou-se, numa mensagem vídeo, com a declaração, “um passo importante em direcção à paz” e o objectivo “desde o primeiro dia de Israel”.
Na altura da sua criação, o Estado hebraico tinha, no entanto, admitido abdicar de Jerusalém em 1947 – segundo o plano da ONU de então para a partição do território, a cidade ficaria entregue a um organismo internacional, o que foi então aceite pelos fundadores do Estado de Israel. Mas muito mudou desde que os árabes e os palestinianos recusaram então esse plano, incluindo duas guerras em que o estado hebraico conquistou Jerusalém Ocidental e depois Oriental e a anexou, uma acção nunca reconhecida internacionalmente - até agora, pelos EUA.
Mas mesmo em Israel o anúncio está longe de ser unanimemente bem recebido: um grupo de 25 antigos diplomatas israelitas, académicos e activistas escreveu uma carta manifestando “profunda preocupação” pela ideia de tomar uma decisão sobre Jerusalém fora “do contexto da resolução do conflito” israelo-palestiniano.
“Os próximos dias vão mostrar se a causa palestiniana, central para o conflito no Médio Oriente desde 1948, vai reassumir essa posição depois de ter sido marginalizada por causa das divisões Arábia Saudita/Irão, sunitas/xiitas”, comentou no Twitter Toby Matthiesen, investigador da Universidade de Oxford.
Também no Twitter, o analista e presidente de um grupo de pressão pró-palestiniano nos EUA Youssef Munayyer resumiu assim, de modo irónico, o discurso de Trump: “Há uma fogueira a arder. Durante décadas, não temos lançado gasolina sobre essa fogueira e, no entanto, ela ainda arde. É altura de mudar e deitar gasolina na fogueira e esperar que tudo corra bem.”
maria.joao.guimaraes@publico.pt
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