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quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

A realidade mudou e o processo de paz também tem de mudar

ENTREVISTA
Maria João Guimarães
6 de Dezembro de 2017, 22:02

Maria João Guimarães
Ana Santos Pinto, professora da Universidade Nova, explica que a declaração dos EUA sobre Jerusalém é "uma questão simbólica para todos os muçulmanos".

"Não é uma questão só árabe, é significativa para persas, para otomanos", diz Ana Santos Pinto IPRI

O conflito israelo-palestiniano perdeu importâncias nas últimas duas décadas, ultrapassado por questões mais prementes, como o terrorismo da Al-Qaeda e do Daesh. 
Enquanto isto foi acontecendo, a realidade da ocupação foi-se consolidando. 
O reconhecimento de Trump de Jerusalém como a capital de Israel é o reconhecimento dessa situação, diz a investigadora Ana Santos Pinto,professora da Universidade Nova, e investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI).


Como descrever as consequências da decisão de Trump sobre Jerusalém? 
Que são totalmente imprevisíveis é o mínimo que se pode dizer...

Esta questão é complexa porque ultrapassa o conflito israelo-palestiniano. 
É uma questão simbólica para todos os muçulmanos. 
Qualquer muçulmano reconhece a importância da definição da soberania e do estatuto de uma cidade sagrada. 

Não é uma questão só árabe, é significativa para persas, para otomanos. 
E apesar de a mesquita de Al-Aqsa estar em território predominantemente sunita, ela é transversal a qualquer uma das linhas que dividem as várias correntes do Islão. 
É ainda uma questão em que entra uma lógica emocional, e que provoca reacções tendencialmente irracionais que ultrapassam os Estados – as pessoas podem sair para a rua a manifestar-se e isso pode fugir ao controlo dos actores políticos.

Por isso mesmo, a discussão do estatuto de Jerusalém tem sido deixada para o final de quaisquer negociações. 
Acha que aqui aparece como um começo de conversa?

O Presidente Trump apela aos Estados da região não só para conterem manifestações mas para trabalharem num projecto de paz. 
Como é que ele vai fazer? 
Honestamente, não sei responder. 
Trump diz que o vice-presidente vai para a região para trabalhar com um conjunto de países no combate ao radicalismo — o que une é o combate ao radicalismo e não o conflito israelo-palestiniano. 
Apesar de continuar a não conseguir explicar o porquê deste reconhecimento, acho que só pode ser entendido numa iniciativa mais lata da visão da Administração Trump em relação ao Médio Oriente e ao modo como os EUA se devem posicionar na região. 

Há também um lado de política interna?

A política norte-americana dos últimos 20 anos tem tido uma continuidade, mesmo depois da aprovação da lei do Congresso [de 1995, que determinou a mudança da embaixada, mas nunca aplicada]: não assumir posições oficiais em relação ao estatuto de Jerusalém e não fazer nenhuma acção que comprometa as negociações. 
O anúncio de Trump implica uma ruptura, independentemente de ser democrata ou republicano. 
Mas também é importante termos em atenção o perfil do Presidente e desta Administração. E este é marcado pela ideia de que promessas eleitorais são para, pelo menos ao nível retórico, serem agilizadas; e pela ideia que “eu faço, e faço como nunca ninguém fez antes”.

Agora o perfil é ser a própria Administração a definir os termos do processo negocial, e neste caso um dos termos é: Jerusalém será a capital de Israel, assumimos a liderança e enfrentamos as dificuldades como nunca foram enfrentadas.

E de facto o que tem sido tentado não tem resultado – continua-se a falar de um processo de paz, mas até que ponto existe?

O processo de paz não existe há vários anos, por ausência de vontade política pragmática de qualquer dos dois actores. 
Nenhum tem vontade ou capacidade para chegar a um acordo e depois implementá-lo. 
Por razões diferentes: o primeiro-ministro [Benjamin]  Netanyahu está num momento interno que não é o melhor, com investigações por corrupção. 
O presidente [da Autoridade Palestiniana Mahmoud] Abbas tem uma carência de legitimidade enorme. 

Portanto, se se reiniciar um processo de paz, terá uma dimensão externa muitíssimo significativa do ponto de vista regional ou internacional, ou então terá enorme dificuldade de chegar a uma base de negociação. 
Não sei que consequências teria, mas não é só a Administração americana que determina esta realidade. 
Há outros contextos igualmente importantes e que é impossível antever.

Por exemplo?

Por um lado, o processo de paz perdeu o impacto que tinha há 15 ou 20 anos – seja mediático seja político.

Também porque a violência diminuiu muito.

Não só por isso. 
Também porque outros temas – a Al-Qaeda e depois o autoproclamado Estado Islâmico [Daesh], a tensão sunita/xiita no Médio Oriente, o terrorismo, e as ambições regionais do Irão – assumiram uma preponderância muito maior e com consequências muito mais latas do que o conflito israelo-palestiniano.

E neste conflito, a realidade do dia-a-dia no terreno - sejam os colonatos [judaicos em território ocupado] ou o estatuto de Jerusalém - vai-se consolidando. 
A declaração de Trump é de algum modo o reconhecimento disto, de que a nova realidade no terreno determinará os pressupostos de um renovado processo de paz. 

maria.joão.guimarães@publico.pt

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