MÉDIO ORIENTE
Maria João Guimarães
8 de Dezembro de 2017, 7:35
Violência nas ruas após declaração de Trump sobre Jerusalém. Líderes apelam à resistência. Em várias cidades houve protestos marcados por gás lacrimogéneo e balas, reais e de borracha.
Centenas de palestinianos protestaram, nesta quinta-feira, contra a declaração do Presidente norte-americano, Donald Trump, de que Jerusalém é a capital de Israel, sem qualquer palavra para a reivindicação palestiniana sobre a parte oriental da cidade como futura capital do seu Estado, para contrabalançar.
Houve violência: militares israelitas usaram balas, reais e de borracha, e gás lacrimogéneo, na repressão dos protestos, e confiscaram bandeiras palestinianas.
Do lado palestiniano, houve ainda apelos à acção: o líder do Hamas, Ismail Haniyeh, apelou mesmo a uma nova Intifada, uma revolta generalizada, face ao que considerou ser a “declaração de guerra” de Trump “contra os palestinianos.”
Registaram-se pelo menos 49 feridos, 11 deles por balas reais, nos confrontos entre os manifestantes e o exército em Israelita – desde a Faixa de Gaza, em Khan Younis, na fronteira com Israel, até a várias cidades da Cisjordânia, de Belém a Nablus, de Jenin a Jericó.
Dezasseis dos feridos tiveram de receber tratamento hospitalar.
No entanto, os protestos pareciam estar a diminuir ao final do dia, segundo os repórteres da Al-Jazira e da CNN em Ramallah, onde está a sede da Autoridade Palestiniana.
Trump declarou que os Estados Unidos reconheciam Jerusalém como a capital de Israel; são o único país do mundo a fazê-lo.
Anunciou ainda a mudança da embaixada de Telavive para a cidade santa, ao contrário de todas as embaixadas de países que têm representações em Israel, que se localizam em Telavive (em Jerusalém há apenas consulados).
Israel pretende que a sua capital seja toda a cidade de Jerusalém, incluindo a parte oriental, onde os palestinianos querem ter, um dia, a sua capital – e onde está a Cidade Velha, que concentra locais sagrados importantes para judeus, muçulmanos e cristãos. Pela sua complexidade, o estatuto de Jerusalém foi a questão que sempre ficou adiada para uma fase final de negociações entre israelitas e palestinianos, tal como o que aconteceria a milhares de refugiados palestinianos que saíram das suas casas após a criação do Estado de Israel e seus descendentes (são agora oficialmente cerca de sete milhões de pessoas).
A decisão de Trump foi tomada após avisos internacionais e foi recebida por um coro generalizado de críticas, dentro e fora da região, da China à Rússia e da União Europeia à Austrália, passando pela Santa Sé.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que outros países estariam a planear seguir o passo dos Estados Unidos, mas não nomeou nenhum.
A Casa Branca disse, mais tarde, que não tinha informação de outro Estado estar a planear a mesma acção.
Israel terá, a pedido do Departamento de Estado dos EUA, contido o contentamento público com a decisão, para não exacerbar potenciais repercussões violentas para os Estados Unidos, como ataques a embaixadas norte-americanas.
Em Jerusalém, a decisão foi saudada pela autarquia da cidade com projecções de bandeiras de Israel e dos EUA lado a lado.
Do lado oposto, a comissão que gere os lugares sagrados muçulmanos apagou as luzes do Pátio das Mesquitas, deixando a cidade sem a marcante cúpula dourada.
Luta diplomática
Apesar do pedido de acção do Hamas – ecoado também por outra facção islamista, a Jihad Islâmica – responsáveis do movimento marcaram encontro com dirigentes da Fatah, com quem chegaram recentemente a um acordo para um governo de unidade (a luta Hamas/Fatah e a divisão entre os territórios de cada um deixou nos últimos anos os palestinianos com governos sem eleições).
E da Fatah, as vozes pareciam ir no sentido de um outro tipo de revolta.
Mohammed Dahlan, figura importante no movimento, apelou no Twitter a uma nova fase na batalha contra Israel, desta vez “diplomática e legal” e não violenta.
O político Mustafa Bargouhti, que defende uma resistência palestiniana pacífica, vê agora uma hipótese para “uma revolta generalizada, mas não violenta, mais semelhante à primeira Intifada”, disse à Al-Jazira.
“É disso que precisamos, que os israelitas vejam resistência palestiniana em todo o lado.”
Os palestinianos começaram um caminho diplomático com o pedido de reconhecimento nas Nações Unidas de um Estado palestiniano em 2011 (que obtiveram da Assembleia-Geral em 2012).
E, um ano antes, foram admitidos na UNESCO, por exemplo.
No terreno, há protestos pacíficos em locais como o bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, contra demolições de casas e expulsões de palestinianos, que podem ter menor cobertura mediática, mas duram meses ou até anos.
A nível global, o movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) contra Israel ganhou visibilidade nos últimos anos.
A decisão da Fatah em relação ao tipo de reacção será fundamental, escrevia o analista Avi Issacharoff no Times of Israel: são as suas forças que há anos controlam a Cisjordânia e mantém extremistas controlados.
Por outro lado, escrevia o Ha'aretz, se na repressão aos protestos houver várias mortes, será difícil que tudo não se descontrole mais.
Apesar da violência desta quinta-feira, os protestos não tiveram a escala que marcou, por exemplo, aqueles contra a instalação de câmaras de vigilância e detectores de metais à entrada do Pátio das Mesquitas, em Julho.
Mas muitas vezes o nível de intensidade dos protestos e da violência não se mede pela reacção inicial.
Já quando Ariel Sharon visitou o Pátio das Mesquitas, a uma quinta-feira, os protestos que deram origem à segunda Intifada aconteceram no dia seguinte.
Sexta-feira é o dia da oração mais importante da semana para os muçulmanos; o que acontecer esta sexta-feira pode dar uma indicação do potencial de violência.
maria.joao.guimaraes@publico.pt
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