PERGUNTAS E RESPOSTAS
Maria João Guimarães
em Jerusalém 15 de Maio de 2018, 16:07
Os palestinianos enterram nesta terça-feira os 60 manifestantes mortos pelas balas israelitas nos protestos junto à fronteira no mesmo dia em que os Estados Unidos inauguraram a sua embaixada em Jerusalém. É o último dia da Grande Marcha do Retorno e desde o início deste protesto 97 manifestantes foram mortos e 12.271 feridos, diz a organização Medical Aid for Palestine, que contabiliza mais feridos do que em toda a última guerra de Israel contra o Hamas, em 2014, que durou 51 dias e fez 11.231 feridos.
O que se passou em Gaza?
Os palestinianos assinalam o que chamaram A Grande Marcha do Retorno, para lembrar o direito de retorno dos refugiados palestinianos que fugiram ou foram expulsos aquando da criação do Estado de Israel, desde 30 de Março. A acção vinha a realizar-se às sextas-feiras e tinha fim programado para esta terça-feira, quando se assinalam 70 anos da Nakba, ou catástrofe, o dia seguinte à declaração de independência do Estado hebraico. Mas a inauguração da embaixada dos EUA em Jerusalém foi pretexto para mais um dia de manifestação na segunda-feira.
Qual o papel do Hamas?
A marcha foi autorizada pelo Hamas, que governa o território, e o movimento que normalmente não considera eficazes acções de protesto pacíficas (apenas luta armada), aproveitou-a, encorajando os manifestantes a tentar passar a barreira e entrar em Israel. Por um lado, desvia o descontentamento de muitos habitantes de Gaza com as terríveis condições no território, sujeito a um bloqueio há onze anos e numa situação à beira da ruptura há meses. Por outro lado, permitia chamar a atenção para a situação no local, afastada há muito do ciclo noticioso.
Quem são os manifestantes e porque se arriscam a morrer?
Israel avisou que não toleraria ninguém perto da barreira que separa os dois territórios e que dispararia contra quem chegasse entre 300 a 100 metros da barreira (e que tecnicamente não é uma fronteira, porque apenas Estados têm fronteiras). Estas pessoas sabem que arriscam morrer, mas a ideia de poderem chegar ao pé da barreira, danificá-la e eventualmente passar (ideia fomentada também pelo Hamas), quebrando o cerco, é muito forte.
Muitos sentem-se desesperados pelo isolamento e não vêem qualquer hipótese de melhoria da sua vida, e a alta taxa de desemprego (ou subemprego, já que muitas pessoas têm qualificações) deixa muitas pessoas sem nada para fazer. Alguns manifestantes foram feridos num dos dias, e voltaram. (Outros participantes na marcha foram atingidos mais longe, muitos por gás lacrimogéneo, que tem aterrado muito para além da zona letal, onde pessoas se concentram para rezar, ou onde estão as tendas para os media - é importante fazer as imagens passar - ou dos paramédicos.)
O que levou à situação tão difícil no território?
Duas coisas: o bloqueio imposto por Israel depois das eleições que o Hamas venceu em 2006 (e que levaram a uma luta entre Hamas e Fatah que terminou com o primeiro no poder em Gaza e a segunda na Cisjordânia), e uma medida da Fatah para pressionar o Hamas a um acordo de unidade que implicou cortes nos salários dos funcionários públicos e menor pagamento da energia a Israel, deixando o território com ainda menos electricidade do que até então – agora há uma média de quatro horas de electricidade por dia.
É uma manifestação chamada pacífica mas o que se vê nas imagens é violência. Porquê?
Os manifestantes que estão perto da fronteira vão com pedras, muitos de cara tapada para não serem reconhecidos ou a sua identidade registada pelos israelitas, põem pneus a arder para dificultar a visibilidade dos snipers que estão do outro lado ao poucos metros, alguns tentam lançar papagaios no ar com cocktails Molotov para provocar incêndios em Israel – muito perto há um kibbutz, campos agrícolas, e já houve um incêndio.
Mas em mais de um mês não houve qualquer israelita ferido ou atingido pelos palestinianos. O argumento de que a marcha é pacífica ganha também força porque os manifestantes estão desarmados. Não houve qualquer disparo de armas ou rockets contra Israel.
O que argumenta Israel para disparar sobre manifestantes desarmados?
Israel diz que o Hamas está a aproveitar as manifestações para tentar que militantes cheguem perto da barreira, a ultrapassem, e se infiltrem em Israel para levar a cabo ataques. O movimento já o fez, através de túneis, no passado, por exemplo com a captura do soldado Gilat Shalit em 2006 (que cinco anos mais tarde foi libertado no âmbito de um acordo que levou à libertação de mais de mil presos palestinianos, um deles Yahya Sinwar, homem forte do Hamas em Gaza).
Israel argumenta que não pode permitir que ninguém passe a barreira porque poria em causa a segurança das comunidades israelitas perto.
Qual a reacção internacional?
Os EUA apoiaram o direito a Israel se defender, mas a maioria dos países da União Europeia pediram “proporcionalidade” na resposta. As organizações de direitos humanos reagiram com duras críticas: “O simples facto de se aproximar de uma vedação não é uma acção letal, que seja uma ameaça para a vida de alguém, por isso não deve ter como resposta um tiro”, disse o porta-voz da ONU Rupert Colville. “A força letal [usada por Israel] deve ser o último, e não primeiro, recurso”.
A Amnistia Internacional disse que em alguns casos o exército israelita “cometeu o que parecem ter sido mortes intencionais", e que se for o caso, "constituem crimes de guerra”. Só na segunda-feira morreram 60 pessoas - nas sextas-feiras anteriores tinham morrido, no total, mais de 40. Entre os milhares de feridos, centenas foram atingidos por balas reais.
Qual a posição da Fatah e dos palestinianos na Cisjordânia?
A Fatah apoiou a marcha, como todas as facções palestinianas, numa rara iniciativa unânime (devida provavelmente ao grande apoio popular da Marcha no território). Mas até agora houve poucos protestos na Cisjordânia no âmbito da Marcha do Retorno ou em solidariedade com os mortos e feridos de Gaza.
O que se pode seguir?
O Hamas pediu uma “intifada do retorno”, que seria uma terceira intifada (revolta) depois da primeira, conhecida como “das pedras” e da segunda, de Al Aqsa, marcada por atentado suicidas. Ao movimento interessa negociar um alívio do bloqueio e não provocar uma guerra – as três guerras que o território teve (2009, 2012 e 2014) acabaram com milhares de mortos e cada vez mais destruição; como o bloqueio impede a entrada de materiais para a reconstrução, tudo se torna ainda mais difícil.
mariajoaoguimaraes@público.pt
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