EMPREGO
Texto: Cátia Mateus e Sónia Lourenço
07 de Julho 2018
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Estes são os sectores que podem já estar próximos do nível de desemprego estrutural
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TRABALHO Economistas ouvidos pelo Expresso são unânimes: desemprego vai continuar a descer e há sectores que podem já estar próximos do nível estrutural
Em abril, o desemprego nacional voltou a cair para os 7,2% e, pese embora a ligeira tendência de aumento espelhada pelos dados provisórios divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) para o mês de maio, os economistas e os especialistas em recrutamento apontam, de forma unânime, para a continuação da queda da taxa de desemprego.
E consideram que poderá mesmo ficar abaixo dos 6% no próximo ano.
Este nível não é visto em Portugal desde 2003, ano em que a taxa média anual ficou nos 6,3%, e que é mais otimista do que as projeções das principais organizações nacionais e internacionais.
Conselho das Finanças Públicas, Ministério das Finanças, Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco de Portugal também esperam que o desemprego continue a recuar, mas apontam para taxas em 2019 entre 6,2% (Banco de Portugal) e 7,2% (Ministério das Finanças).
“As receitas da Segurança Social estão a subir entre 7% a 8%, o número de inscritos no Instituto do Emprego e Formação Profissional [IEFP] está a baixar, e as estimativas económicas apontam para um crescimento acima dos 2%.
Tudo isto conjugado indica que o desemprego continuará a recuar, mas acredito que seja difícil que baixe do limiar dos 5%”, explica o economista Francisco Madelino, ex-presidente do IEFP.
Análise semelhante faz João Cerejeira, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, ao defender que “é possível chegar a uma taxa de 6% de desemprego, este ano ou no próximo, se a economia continuar a crescer acima dos 2%”.
Já Paulino Teixeira, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, é mais contido na análise.
Para este economista, “é atingível uma redução da taxa de desemprego para o intervalo entre 6,5% e 7% até meados do próximo ano”, ainda que reconheça que, “se os registos do desemprego do IEFP tocarem a barreira dos 300 mil indivíduos, a taxa de desemprego poderá descer até valores próximos de 5%”.
Este desenvolvimento dependerá, segundo Paulino Teixeira, da forma como as políticas ativas de emprego forem agilizadas, “o que, por sua vez, é uma função das políticas de adequação entre a oferta e a procura de trabalho”.
O certo é que o desemprego registado no IEFP tem estado em queda, vindo progressivamente a aproximar-se do patamar dos 300 mil.
Em maio deste ano estavam inscritos nos centros de emprego nacionais 350.174 desempregados, menos 19% do que os 432.274 contabilizados no mesmo mês de 2017 e menos 6,9% do que os 376.014 que estavam inscritos em abril deste ano.
A última vez que o desemprego esteve neste patamar foi há quase 16 anos, em agosto de 2002.
NÚMEROS
7,3% é a estimativa provisória do Instituto Nacional de Estatística (INE) para a taxa nacional de desemprego em maio deste ano. O número definitivo para abril foi de 7,2%, o valor mais baixo desde 2002
61,5% foi a taxa de emprego provisória apurada pelo INE para maio deste ano. O valor representa uma diminuição de 0,1 pontos percentuais face ao mês anterior
350,2 mil desempregados estavam inscritos nos centros de emprego nacionais em maio deste ano. O valor é o mais baixo desde há quase 16 anos e representa um decréscimo de 19% face a maio do ano passado
64,3% das ofertas de emprego divulgadas em maio pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) para o sector das indústrias extrativas não foram preenchidas. O sector é um dos que poderá estar próximo do desemprego estrutural
63,7% das vagas disponibilizadas, através do IEFP, para a indústria transformadora ficaram por ocupar em maio deste ano
59% dos postos de trabalho divulgados para o sector da construção não foram preenchidos, segundo dados do IEFP relativos ao mês de maio
JÁ HÁ SECTORES COM FALTA DE MÃO DE OBRA
Mas a descida do desemprego pode começar a abrandar.
É que os economistas indicam que nos podemos estar a aproximar da taxa de desemprego estrutural ou natural.
Este é um conceito teórico que, na prática, traduz o patamar associado ao funcionamento da economia em linha com o potencial, ou seja, em velocidade de cruzeiro quando usa todos os seus recursos produtivos.
Qual o seu valor?
Ninguém sabe exatamente, mas os especialistas têm apontado que pode estar em torno dos 7%.
Se assim for, Portugal está já próximo deste limiar, a partir do qual é muito mais difícil conseguir diminuir o desemprego.
Até porque o universo dos desempregados começa a ficar restringido a perfis que tipicamente têm maiores dificuldades em encontrar um posto de trabalho, como os trabalhadores mais velhos e com baixas qualificações.
Há sectores que já estão a enfrentar situações de escassez de mão de obra.
Ou seja, onde tudo indica que a taxa de desemprego natural pode já ter sido atingida ou estar muito próximo disso.
Quais?
Dado que é um conceito abstrato, não é possível definir um valor preciso para esta taxa. Mas os especialistas deixam pistas sobre como identificar os sectores.
Uma forma é cruzar os dados do IEFP sobre ofertas de postos de trabalho divulgadas e colocação de trabalhadores realizadas no mesmo período.
Essa análise mostra que em algumas áreas do sector industrial, como as indústrias extrativas ou transformadoras, um volume considerável das necessidades de contratação das empresas já fica por satisfazer.
Os números mais recentes, relativos a maio deste ano, mostram que as indústrias extrativas não conseguiram, através do IEFP, encontrar trabalhadores para 64,3% das ofertas que disponibilizaram nesse mês.
Nas indústrias transformadoras, 63,7% das ofertas também ficaram sem candidatos.
Uma percentagem superior à da Construção, onde 59% das vagas divulgadas através do instituto ficaram por preencher.
DESADEQUAÇÃO DE QUALIFICAÇÕES
Os dados disponibilizados pelo organismo público de emprego não permitem um nível de desagregação maior que possibilite uma análise mais detalhada de sectores como, por exemplo, o das Tecnologias de Informação, onde há muito as universidades reportam taxas de desemprego zero e os empregadores reclamam da carência de profissionais qualificados.
Mas os especialistas em recrutamento e os economistas ouvidos tendem a apontar esta área como uma das que poderá já estar num cenário de desemprego natural.
Mário Gonçalves, líder da área de Interim Management (recrutamento de quadros qualificados) da consultora Hays, confirma que a análise dos dados relativos à atividade da empresa que representa espelha “um forte desalinhamento entre as necessidades de recrutamento do mercado e a motivação dos profissionais para mudar, elevando a tendência para a escassez de profissionais a patamares que há alguns anos seriam impensáveis”.
Entre os sectores de atividade que neste momento registam maiores dificuldades de contratação de profissionais qualificados e onde podemos já enfrentar cenários de desemprego estrutural estão “as Tecnologias de Informação, o Turismo, a Engenharia (industrial, mecânica e tecnológica) e o Retalho”, indica o especialista.
Mas Mário Gonçalves recorda que a noção possível de pleno emprego não significa a ausência em absoluto de desemprego.
“O desemprego estrutural resulta do desequilíbrio entre a oferta e a procura de emprego”, que pode ocorrer, “porque existe uma oferta de qualificações inadequada do ponto de vista das necessidades do mercado”, reforça.
E nestas condições poderão estar também, segundo os economistas ouvidos pelo Expresso, sectores como a Construção, o Turismo e algumas indústrias transformadoras como a Metalúrgica.
OS EFEITOS DA QUEDA DO DESEMPREGO
Um dos impactos mais evidentes da queda do desemprego para o patamar natural é o aumento dos salários (ver tema).
Mas há outras consequências decorrentes da redução da taxa de desemprego para níveis estruturais.
João Cerejeira destaca como impactos uma melhoria das condições contratuais, com aumento dos contratos sem termo e a tempo completo, bem como a diminuição do desemprego de longa duração e o regresso ao mercado de trabalho dos designados desencorajados, profissionais que estando disponíveis para trabalhar já tinham desistido de procurar um posto de trabalho e agora encontram novas oportunidades.
Já Francisco Madelino recorda que, “com um crescimento económico superior a 2% e níveis próximos do pleno emprego, já não se cresce empregando mais gente, mas criando mais valor”.
O economista dá como exemplo o sector da Indústria, que criou 50 mil novos empregos nos últimos anos, 10 mil dos quais qualificados, para defender que um dos grandes impactos da aproximação ao desemprego estrutural é também o aumento das qualificações e do grau de especialização dos profissionais.
Chegada ao desemprego Estrutural beneficia Salários
Vários anos de queda na taxa de desemprego pode, segundo os especialistas, levar à subida das remunerações
Um dos impactos mais diretos da aproximação à taxa de desemprego estrutural é o aumento dos salários.
À medida que o desemprego vai descendo e que aumenta a escassez de profissionais qualificados no mercado, as empresas são forçadas a aumentar salários para resolver o seu défice de profissionais, contratando na concorrência ou em mercados internacionais. São as regras do mercado e para a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), esta dinâmica até já deveria ser mais evidente em Portugal e na Europa.
Com o desemprego a baixar e a economia a recuperar, os salários em Portugal deveriam estar a aumentar mais, defende a OCDE no último “Employment Outlook 2018”, esta semana divulgado.
Contudo, segundo o relatório, “a recuperação no crescimento dos salários está atrás da queda no desemprego” e a valorização salarial, na maioria dos países da OCDE, “permanece marcadamente abaixo do que era antes da recessão para níveis de desemprego comparáveis”.
Em média, no último trimestre de 2017, o crescimento dos salários por hora nos países da OCDE estava ainda 0,4 pontos percentuais abaixo do valor de finais de 2008, quando o desemprego tinha valores similares.
PORTUGAL AINDA RESISTE
E Portugal é um dos países onde esta tendência é mais evidente.
Comparando o período de 2000 a 2007 e de 2007 a 2016, o crescimento médio anual dos salários medianos para os trabalhadores a tempo inteiro caiu 1,5 pontos percentuais no conjunto da OCDE, mas em Portugal a queda ultrapassou os três pontos percentuais, realça o relatório.
O que justifica esta quebra no crescimento dos salários e dificuldades na recuperação? Segundo a OCDE, o abrandamento da produtividade e a baixa inflação: “Num contexto de estagnação do poder negocial dos trabalhadores e forte substituição do trabalho por capital, isto inevitavelmente coloca um limite à possibilidade de aumentar salários”.
E embora os economistas ouvidos pelo Expresso, Francisco Madelino e João Cerejeira, apontem como caminho certo um aumento de salários em Portugal, à medida que o país se aproxima da taxa natural de desemprego, a OCDE avança uma explicação adicional para esse incremento não ser ainda visível: parte do aumento do emprego estar a acontecer em postos de trabalho com baixos salários.
“No rescaldo da recente e longa crise, muitas pessoas que procuravam emprego foram forçadas a aceitar postos de trabalho que consideram piores em termos de condições de trabalho, por comparação com as expectativas de emprego que tinham antes da crise”, conclui o relatório.
Muitos destes profissionais continuam, intensivamente, à procura de melhores empregos, aumentando o número de candidaturas por vaga e, logo, exercendo maior pressão em baixa sobre os salários.